A Agência Bori tinha apenas duas semanas quando, em 26 de fevereiro, foi confirmado o primeiro caso do novo coronavírus no Brasil. Era quarta-feira de cinzas, o que significa que as redações estavam trabalhando em esquema de plantão e as instituições de pesquisa do país estavam fechadas. Diante de um pedido de ajuda de alguns dos jornalistas que já estavam cadastrados na Bori, que não conseguiam localizar cientistas para dar entrevistas sobre o principal assunto do noticiário daquele dia, resolvemos repensar o projeto. Havíamos acabado de pegar a estrada com a agência, mas decidimos reprogramar a rota.
A proposta da Bori é de antecipar a jornalistas previamente cadastrados estudos científicos nacionais (artigos, livros, relatórios) acompanhados de texto explicativo e do contato do autor principal — que fica preparado para atender os jornalistas no período de divulgação do seu estudo. Inspirada em serviços semelhantes estrangeiros, a Bori facilita a cobertura jornalística da pesquisa científica nacional em todas as áreas do conhecimento. Ora, o Brasil está entre os quinze países com maior produção científica no mundo, mas os jornalistas patinam para encontrar esses trabalhos acadêmicos e seus autores. Desenhamos, então, a Bori como uma espécie de hub: um lugar que os jornalistas acessam quando estão atrás de novas pesquisas e pautas científicas.
A simplicidade da proposta da Bori esconde a complexidade tecnológica por trás da plataforma. O projeto levou cinco anos entre a captação de recursos e o desenvolvimento — que envolveu a criação de um sistema capaz de acessar estudos científicos antes mesmo de serem publicados. O processo também envolveu acordos, parcerias e a participação de centenas de periódicos científicos no projeto antes mesmo que fosse lançado, em 12 de fevereiro. A Bori finalmente foi lançada, em sua versão beta, com apoio financeiro da Fapesp e do Instituto Serrapilheira e parceria institucional da biblioteca eletrônica SciELO.
Com a pandemia, o foco dos estudos divulgados passou, claro, a ser a Covid-19. Os jornalistas cadastrados na Bori encontram, hoje, todos os estudos científicos que já foram publicados em periódicos nacionais indexados no SciELO sobre o novo coronavírus. Há, também, na mesma seção especial da Bori de apoio à cobertura da Covid-19, manifestos e notas de sociedades científicas, bases de dados oficiais, estudos científicos estrangeiros com acesso aberto sobre o tema e informações de órgãos como a Organização Mundial de Saúde. Tudo para ajudar os jornalistas na sua cobertura.
O material de apoio conta, também, com o contato (telefone celular) de mais de 400 cientistas brasileiros de diversas áreas do conhecimento que estão preparados para atender a imprensa. Eles podem dar entrevistas sobre o novo vírus, a evolução dos casos de Covid-19, saúde mental, impactos na economia, educação em casa e sobre muitas outras pautas, várias delas trazidas pelos próprios repórteres. Muitas vezes, os cientistas tiram dúvidas pontuais dos jornalistas. Como o álcool gel mata o vírus? O que significa que não foram identificados anticorpos em pessoas contaminadas há mais de três meses? Qual é a diferença entre cloroquina e hidroxicloroquina? Por aí vai.
Em pouco tempo, a Bori conseguiu reunir centenas de jornalistas cadastrados, que acessam o material de apoio à cobertura de Covid-19 diariamente. Fechamos junho — antes de completar cinco meses de vida — com 886 jornalistas utilizando a plataforma (e mais de uma centena em processo de validação já que, para acessar a área restrita, é preciso comprovar o exercício da profissão). São repórteres, editores e produtores de todo o país (com exceção do estado do Amapá), que se dedicam sobretudo à cobertura de ciência, de saúde e de educação (áreas com maior quantidade de usuários), mas também passam por assuntos como economia, tecnologia e cultura.
Ainda temos, no entanto, um desafio: atingir mais jornalistas fora do eixo Sudeste-Sul do país. Neste texto, fizemos uma análise inédita da distribuição dos profissionais de comunicação cadastrados na Bori e do perfil dos jornalistas que integram o I’Max, um dos maiores serviços de mailing de jornalistas do país. É disso que tratamos a seguir.
Os jornalistas na Bori e os jornalistas do país
Como mencionado anteriormente, a Bori fecha junho com 886 jornalistas com cadastro ativo na plataforma de 25 estados brasileiros e do Distrito Federal. São profissionais de todo tipo de veículo — TV, rádio, jornais, revistas e sites —, de grupos de comunicação de variados tamanhos. Utilizam a Bori profissionais de jornais como Valor Econômico, O Estado de São Paulo, Folha de S.Paulo, Diário de Pernambuco, O Globo, Correio Braziliense, Nexo, Gazeta do Povo, Jornal do Comércio, Jornal Extra e Agora São Paulo. Sites noticiosos como UOL, Exame, BBC Brasil, Deutsche Welle e G1 também estão presentes, além de revistas como Época, Superinteressante, piauí, Veja e Exame e de TVs como Globo e CNN. Faltam, no entanto, veículos regionais — como veremos mais à frente.
Também há, na Bori, assessores de comunicação entre os jornalistas cadastrados — profissionais que, em muitos casos, usam o material disseminado na plataforma para alimentar sites e materiais de divulgação de suas próprias instituições de ensino e de pesquisa.
O número de jornalistas cadastrados na Bori é expressivo — ainda mais considerando os poucos meses que a plataforma está no ar —, mas o potencial de crescimento em termos de usuários em todo o país é significativo. Para se ter uma ideia, a base do I’Max integrava no final de junho 35.201 jornalistas atuando em redações em todo o país — excluindo, na conta, assessores de comunicação. Trocando em miúdos, a Bori tem, no momento em que escrevemos este artigo, o equivalente a 2,5% dos profissionais de comunicação do país cadastrados no I’Max. Isso levando em conta todos os tipos de cargos e editorias — a Bori foi divulgada nesse início de suas operações essencialmente para jornalistas que cobrem ciência e temas correlatos, o que abarca um universo mais restrito de profissionais de comunicação, mas essa análise deixamos para um artigo futuro.
O ponto mais importante aqui diz respeito à concentração dos jornalistas em algumas regiões e estados. Cerca de 82% dos profissionais cadastrados na Bori atuam no eixo Sudeste-Sul. A concentração nacional de profissionais de comunicação nessas regiões é uma realidade do país, mas a taxa da Bori está acima da nacional: no I’Max, 72,5% dos jornalistas estão no Sudeste-Sul.
O estado de São Paulo, sozinho, concentra mais da metade (56%) dos jornalistas cadastrados na Bori. Novamente, a proporção está acima da média nacional. No I’Max, São Paulo tem 36,63% dos profissionais que trabalham em redações — o que representa pouco mais de um terço dos jornalistas do país.
Depois de São Paulo (com 501 jornalistas), a Bori tem mais adeptos no Rio de Janeiro (92) e no Distrito Federal (59). Essas não são, no entanto, as unidades federativas com mais profissionais de comunicação atuando em redações no país. De acordo com o I’Max, depois de São Paulo (com 12.893 jornalistas), os profissionais de comunicação estão concentrados sobretudo em Minas Gerais (3.415) e no Rio Grande do Sul (2.937). Esses dados podem ser conferidos na tabela a seguir, que traz um compilado dos jornalistas cadastrados na Bori e no I’Max.
Como visto na tabela, um dos desafios enfrentados hoje pela Bori é o aumento da adesão de profissionais especialmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Os estados nortistas reúnem juntos apenas 16 jornalistas em exercício usando a Bori — nenhum deles no Amapá. Seis dos nove estados do Nordeste (Rio Grande do Norte, Paraíba, Maranhão, Alagoas, Sergipe e Piauí) têm menos de dez jornalistas cada usando a plataforma. Os três estados da região Nordeste que conseguem superar esse número — Bahia, Pernambuco e Ceará — mantêm, ainda, percentuais baixíssimos de adesão à plataforma. Na Bahia, se considerarmos os números do I’Max, vemos que 1% dos jornalistas de redação estão cadastrados na Bori, enquanto em Pernambuco são 1,1% e, no Ceará, 1,6%. A tendência segue no Centro-Oeste — com exceção do DF, que tem 59 jornalistas usando a Bori, o que equivale a 5% dos profissionais cadastrados no I’Max.
Os dados mostram ainda que a Bori agrega os principais veículos de comunicação com alcance nacional — já que a maioria tem sede em São Paulo e Rio de Janeiro —, mas ainda falta atrair veículos que tenham impacto regional e local. Um dos objetivos é angariar jornais impressos e emissoras de rádio e TV de pólos regionais como Recife, Aracaju, Fortaleza, Belém, João Pessoa, só para mencionar alguns.
Em menos de cinco meses, a Bori já transformou a cobertura de ciência e de temas correlatos no país. Muitos esforços ainda precisam ser feitos para que a agência consiga ganhar um alcance nacional e seja, efetivamente, usada por jornalistas de todo o Brasil. Se você é jornalista em exercício, fica o nosso convite para que se cadastre na Bori para acessar estudos acadêmicos nacionais antes de sua publicação e o material de apoio à cobertura de Covid-19 — incluindo o banco de fontes. Você também pode nos ajudar disseminando a Bori — e este artigo — para colegas de todo o país.
Em um cenário de enxugamento recorrente de redações e em meio a uma grave pandemia que colocou os cientistas no foco da atenção mundial, criar ferramentas para ajudar o jornalista brasileiro no seu trabalho de apuração diária e na cobertura da Covid-19 e dos seus impactos se tornou essencial e, mais do que isso, urgente. Aos poucos, vamos levar a ciência nacional para todos os cantos do país.
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Sabine Righetti é coordenadora da Bori e pesquisadora do Labjor-Unicamp.
Ana Paula Morales é coordenadora da Bori, doutoranda no DPCT-Unicamp e pesquisadora associada do Labjor-Unicamp.
Natálias Flores é editora da Bori e pesquisadora colaboradora do Labjor-Unicamp.
Ricardo Tanaka é consultor da Bori e mestrando no Labjor-Unicamp.
*Os autores publicaram a convite da RedeComCiência da qual são membros.