No próximo dia 20 de julho será comemorado, com toda a pompa e circunstância devidas, o quinquagésimo aniversário da missão Apollo 11 e do seu bem-sucedido pouso lunar pioneiro. Iniciado em 1961, o programa de exploração lunar norte-americano nasceu do medo suscitado pela vitória da URSS na competição entre as superpotências para ver quem conseguia colocar o primeiro ser humano em órbita terrestre. O sucesso da missão Apollo 11 e das outras cinco missões lunares que a seguiram impactou a humanidade em várias escalas.
Do ponto de vista midiático, o colossal interesse público que o voo da Apollo 11 suscitou — estima-se que um em cada seis habitantes do planeta assistiu pela TV ao momento em que Neil Armstrong desceu lentamente pela escada do módulo lunar até pousar os pés na superfície do satélite — consolidou um público ávido por acompanhar a exploração do espaço. Com a humanidade parecendo estar à beira do início da colonização do Sistema Solar, caberia à mídia encontrar maneiras de atender à demanda de informações desta multidão formada no rastro de fogo da Apollo.
Cinquenta anos depois, as perspectivas de colonização do Sistema Solar continuam tão distantes quanto em 1969 – talvez mais. E a cobertura de astronomia e exploração espacial teve que se transformar de lá para cá. Mas, para quem tem o coração nas estrelas, continua sendo uma atividade apaixonante. E sei que ela desperta paixões em quem vê de fora também, pois várias vezes fui e sou abordado por estudantes de jornalismo e pessoas da academia que me indagam como é o trabalho nesta área, e como poderiam ingressar nela.
O primeiro desafio é adquirir o básico de informações para começar a operar. Sim, é verdade que na internet se pode encontrar quase tudo. Gosto muito do site Universetoday, com uma biblioteca de vídeos para leigos riquíssima. Mas se você gosta de interagir e de ter contato com pessoas, pode se informar sobre os cursos introdutórios gratuitos em várias universidades. O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, por exemplo, oferece um no mês de julho. É o caso também do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Alguns planetários também têm iniciativas interessantes. Esses cursos podem trazer oportunidades preciosas para quem precisa organizar aquele monte de informações que coletou sozinho, fazendo leituras aqui e ali. Sei que a Folha de S.Paulo realizou algumas edições de um programa específico para formar trainees em jornalismo científico, uma iniciativa louvável. (Aliás, quem tem a possibilidade de estagiar em jornais universitários de instituições que produzem pesquisas já tem uma grande oportunidade de ir ganhando traquejo e fazendo currículo para buscar uma colocação na área de jornalismo de ciências, de forma geral.)
Mas é claro que esse aprendizado leva a vida inteira, aprofundando-se a cada nova pauta. Especializar-se na cobertura de astronomia e espaço é tão complexo quanto tornar-se um setorista de editorias como economia ou saúde – menciono estas duas porque passei por elas. No entanto, as duas áreas parecem ter uma vantagem implícita na hora de brigar por espaço na home do site ou por segundos na programação. Tenho em mente aqui a pergunta “e como isso impacta o leitor/telespectador?”, tantas vezes repetida pelos redatores-chefes e diretores de veículos na hora de definir os destaques do dia, da semana ou do mês. E essa nem sempre é uma resposta fácil de dar.
Na verdade, a aceitação do argumento vai depender muito da cultura científica do superior hierárquico que faz a pergunta. O primeiro leitor a quem se deve convencer de que aquele novo exoplaneta encontrado é relevante, ou que aquela superexplosão estelar registrada é uma coisa sem precedentes na história da humanidade, frequentemente é alguém que passou a vida evitando ler matérias de astronomia. Muitas vezes, a luta pela difusão do conhecimento científico começa “em casa”, isto é, no veículo onde se trabalha. Nessas horas, ter um certo senso de missão ajuda. É claro que você não vai ganhar todas as batalhas. Talvez não ganhe nem a maioria delas. Mas o importante é ir criando, nessa pessoa que está no cargo de chefia, alguma aproximação com o universo da ciência. Isso pode render frutos no futuro, ainda que não necessariamente seja você quem vá colhê-los. Já vi acontecer.
Também vale a pena lembrar que jornalismo científico não é divulgação científica, embora ambos possuam elementos em comum. Nossa abordagem da pesquisa e dos sujeitos que a produzem deve procurar ser mais crítica, independente, contextualizadora e promotora de debate público. Ao mesmo tempo, num país como o Brasil, onde o pensamento científico ainda tem pouca tradição e a pesquisa passa por uma carência avassaladora, é difícil escapar de uma certa sensação de alinhamento automático com as fontes. Pois procure escapar.
A prática da observação dos astros é antiquíssima, remontando à pré-história. Por isso, a quantidade de informação acumulada sobre o cosmos é colossal e extremamente complexa. Cientistas sabem disso e, muitas vezes, sentem-se inseguros quanto ao entendimento dos jornalistas sobre o próprio trabalho. E, por mais que você se interesse pelo tema, são grandes as chances de que você vá aprender sobre determinado assunto na hora em que entrevistar alguém. Afinal, quantas pessoas sabem distinguir um quasar de um pulsar ou conseguem apontar onde fica a maior montanha do Sistema Solar? Compreensivelmente, pedidos para “dar uma olhadinha no texto antes da publicação” são frequentes. Uma boa técnica é fazer uma espécie de revisão antecipada ali, logo depois da entrevista. Dizer “então, se entendi bem o seu trabalho, você fez tal e tal coisa, de tal e tal forma e esse resultado é relevante por tal razão. É isso?” Se não for “isso”, já se esclarece ali. Se estiver tudo certinho, ótimo. Mas sempre vale a pena manter a noção da própria ignorância. Melhor do que publicar um erramos depois, certo?
Aqui no Brasil, temos uma comunidade astronômica bastante atuante e produtiva. Já o programa espacial está praticamente em ponto morto há tempos. Sendo assim, praticamente toda a cobertura na área de exploração espacial vai girar em torno do que fazem americanos e, em menor escala, europeus, chineses, russos e japoneses (indianos muito de vez em quando). Felizmente, a Nasa e a Agência Espacial Europeia têm uma estrutura de divulgação e atendimento à imprensa bastante eficaz. Aliás, de maneira geral, os pesquisadores e a comunidade científica de fora do Brasil são mais acessíveis aos jornalistas do que os nossos, embora isso esteja começando a mudar.
Uma questão final, sempre debatida, gira em torno do grau de informação científica que se pode acrescentar ao texto sem que este se torne incompreensível. (Lembro de uma entrevista na TV de que participei, com um cosmólogo, em que havia uma ansiedade latente entre a bancada. Afinal, se perguntássemos no ar sobre a pesquisa dele, ninguém entenderia a resposta! Mas no final, deu tudo certo.). É claro que isso varia muito segundo o veículo. O texto para Scientific American ou Pesquisa Fapesp tem boas chances de ser mais denso do que a matéria publicada num jornal diário.
Certa vez, uma astrônoma francesa, autora de livros de divulgação científica, me disse que acreditava que qualquer pessoa pode compreender, em linhas gerais, as ideias geradas pelo método científico. Mas entender como essas ideias são geradas é algo bem mais complexo. Por exemplo, falar em detecção de supostos indícios de vida na superfície de Marte é algo mais simples; explicar que esses indícios são uma assinatura de metano percebida por um espectrômetro de massa é mais complexo, ainda que mais informativo. Afinal, o texto vai ter que explicar o que é o metano, como pode ter surgido, de que forma o espectrômetro conseguiu identificá-lo etc. Pessoalmente, acho que o ideal é apresentarmos as duas coisas, sempre que possível.
Em última análise, quem vai dar a medida do possível é o leitor/espectador. Como disse antes, escrever para um público mais geral é bem diferente de ter em vista um leitor mais segmentado e interessado (pois essa é outra característica da cobertura de astronomia e exploração espacial: há alguns leitores até mais apaixonados do que nós). Mas apresentar o modo como a ciência é feita é sempre um ganho, acredito, pois pode contribuir para gerar um senso de apreciação pela ciência – algo essencial para qualquer sociedade que se pretenda viável neste século 21.
***
Pablo Nogueira , da Rede ComCiência é jornalista e editor da Scientific American Brasil, com passagens por veículos como Veja (Editora Abril) e Galileu (Editora Globo). É membro da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).