Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Iniciativas institucionais em divulgação científica nas universidades públicas: um desafio possível

(Foto: Planet Studio/Getty Images)

A comunicação nas superintendências e assessorias das universidades públicas brasileiras é, e não de hoje, lugar de grande importância, mas também de grandes desafios. Atuar no campo da divulgação científica, da comunicação interna e institucional em um espaço que produz muito conhecimento científico e que dialoga com diferentes atores é uma tarefa árdua. Somado a isso, as equipes são relativamente pequenas para o grande fluxo de trabalho e os concursos para área cada vez mais escassos. Estes são apenas alguns dos problemas que afetam o desenvolvimento de planos de comunicação estratégicos e de políticas de comunicação pública efetivas.  O que se percebe, na maioria das vezes, é um cotidiano de apagar incêndios e equilibrar-se entre o que precisa ser divulgado e o que é interesse público.

Mas afinal, seriam apenas as superintendências e assessorias as responsáveis pela comunicação e pela criação de uma cultura científica dentro e fora das universidades? Minha aposta e meus argumentos nesse artigo são que não. Entendendo a divulgação científica como área multidisciplinar e as universidades como espaço potencial de diferentes saberes, parece óbvio que outros sujeitos e grupos possam contribuir com a democratização do conhecimento científico, um dos pilares da comunicação dessas instituições. 

Pensar a ciência sob o viés da cultura nos desafia a pensar a produção de conhecimento para além de conteúdos produzidos a partir de saberes especializados, validados por teóricos que comungam da mesma ideia em uma perspectiva funcionalista da comunicação. Essa mudança paradigmática requer, prioritariamente, a conexão dos que produzem o conhecimento, ou seja, a comunidade científica, e o cidadão comum. Requer ainda a difusão e revisão de conceitos como os de comunicação pública da ciência, ciência aberta, ciência cidadã, alfabetização cientifica, cultura científica, educação científica, entre outros.

Nesse contexto, quais seriam então, possíveis caminhos para que essa mudança cultural possa acontecer? Apresento nesse texto duas alternativas possíveis: a primeira na ampliação dos espaços de reflexão e de discussão sobre cultura científica e a segunda no investimento das instituições em projetos de formação de divulgadores e comunicadores das diferentes áreas, como mediadores e articuladores desse processo comunicativo. 

Sobre ao primeira, as últimas décadas já demonstraram um avanço significativo da área com a criação de programas de pós-graduação, expansão de linhas de pesquisa, criação de programas lato sensu presenciais e à distância, inclusão de disciplinas nos cursos de graduação, criação de programas e projetos de extensão, entre outras iniciativas já consolidadas e em andamento sobre a relação entre comunicação e ciência.

No que diz respeito à segunda, o investimento na formação para uma cultura científica, ainda estamos restritos a iniciativas isoladas, muitas vezes realizadas com recursos de editais das agências de fomento e unidades estratégicas, como Capes, CNPQ e MCTIC, de institutos privados, como o Serrapilheira, ou, em menor quantidade e com certa resistência, nas parcerias público-privadas. Mas, se as universidades públicas são as maiores produtoras de conhecimento científico no Brasil, se é cada vez mais imprescindível que esse conhecimento seja democratizado, por que não adotar modelos de investimento em cultura científica inseridos nos planos de desenvolvimento institucional das próprias universidades? 

Institucionalizar e prever recursos para divulgar ciência como área estratégica foi uma experiência realizada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). O projeto Agência Escola UFPR – AE foi criado e submetido pelo Setor de Artes, Comunicação e Design (Sacod) com o objetivo de conectar ciência e sociedade a partir de uma parceria estratégica com a Superintendência de Comunicação e Marketing (Sucom). A AE teve início em 2018 e desde então se dedica à prática da divulgação científica a partir dos meios de comunicação em diferentes formatos e linguagens, em um processo não apenas de produção de conteúdos, mas de incentivo a uma percepção crítica da teoria e prática de comunicar ciência.

A equipe é multidisciplinar, composta por bolsistas de graduação, pós-graduação e docentes de vários cursos e programas, técnicos-administrativos e profissionais da área da comunicação. A pluralidade, a integração e o trabalho coletivo fazem parte do cotidiano e do processo de pensar e produzir. Esse processo, como já dito, não se restringe à produção midiática, mas envolve pesquisa, formação, capacitação e experimentação, eixos fundantes da proposta.

O eixo da formação possibilita uma alfabetização científica aos estudantes de graduação e pós-graduação que participam de eventos, cursos, produção de artigos e demais atividades. No eixo de capacitação os esforços estão voltados para alfabetização midiática da comunidade científica, pesquisadores, projetos e núcleos/grupos de pesquisa e de extensão da UFPR para que reconheçam o campo da comunicação e possam atuar como protagonistas na produção dos próprios conteúdos. E por fim, no eixo da experimentação, a teoria apreendida e aplicada em uma perspectiva criativa e inovadora, que privilegie novas linguagens e formatos.

Na produção de conteúdos e ações estratégicas destacam-se a formação em Jornalismo Científico, os formatos multiplataformas de produção de conteúdo como o Pergunte aos Cientistas, os eventos como o Divulga Ciência AE, as palestras e minicursos de formação teórica e técnica em comunicação para a comunidade interna. As parcerias também são prioridade para o projeto que busca nessas estratégias capilarizar os conteúdos e ampliar os polos de distribuição do que é realizado na UFPR. Entre essas parcerias podemos destacar a Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná (Aerp), o portal IDe+, da Associação Evangelizar É Preciso, a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência) e a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD). 

Todo esse movimento realizado pelo projeto vai ao encontro de outras iniciativas importantes da universidade em fortalecer o campo da divulgação científica, uma delas foi a criação, pela Pró-reitoria de Extensão e Cultura (Proec), em 2021, da Rede de Divulgação Científica, cuja proposta é aproximar diferentes ações de divulgação cientifica da UFPR, e a Disciplina Transversal Divulgação Científica e Popularização da Ciência, que integra um projeto de oferta de disciplinas aos alunos da pós-graduação stricto sensu da UFPR e de outras universidades públicas do Paraná.

Enfim, mesmo certa de que o caminho ainda é longo para que a sociedade não só entenda a importância da ciência, mas também se aproprie de forma mais efetiva do conhecimento científico produzido pelas universidades públicas, iniciativas como a da Agência Escola UFPR consolidam os dois argumentos apresentados nesse texto: a ampliação dos espaços de difusão de uma cultura científica e o investimento da universidade em projetos dessa natureza. Assim, cumprimos a missão de criar e fortalecer as relações entre a sociedade e a ciência, rompendo barreiras entre a produção de conhecimento e o cidadão comum e mirando em futuro próximo poder inspirar outras universidades brasileiras nesse sentido. 

Afinal, tão importante quanto a visibilidade, a prestação de contas, a possibilidade de ampliação da captação de recursos e parcerias está o papel de potencializar processos em que o público interaja com o conhecimento e o ressignifique de acordo com sua cultura, aspectos sociais e pessoais.  Assim, se estabelecem relações dialógicas onde a experiência leiga, do senso comum e do cotidiano podem ser equivalentes ao conhecimento científico especializado proporcionando uma participação pública. Uma sociedade para ser independente precisa de indivíduos independentes, e este processo se dá, em certa medida, na capacidade de entender como a ciência funciona e como ela está diretamente inserida no seu cotidiano.

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Regiane Ribeiro é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCO-UFPR), diretora do Setor de Artes, Comunicação e Design e coordenadora da Agência Escola UFPR. Escreveu este artigo a convite da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência).

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A RedeComCiência é uma associação apartidária e sem fins lucrativos, criada em fevereiro de 2018, para reunir profissionais interessados em discutir, amplificar, viabilizar e melhorar o jornalismo e a comunicação de ciência no Brasil. Ela é formada por profissionais das áreas da comunicação, divulgadores científicos e cientistas de todo o Brasil.