Desde o início da pandemia de Covid-19, jornalistas de várias especialidades tiveram de incorporar a cobertura de ciência ao seu trabalho. Temas complexos como epidemiologia, virologia e desenvolvimento de vacinas passaram a fazer parte de suas rotinas. Se, por um lado, muitos profissionais buscaram se especializar, a pandemia também evidenciou falhas na formação básica dos jornalistas. Um levantamento feito por Graciele Almeida de Oliveira e Diogo Lopes de Oliveira mostra que menos de 5% dos cursos de graduação de jornalismo oferecidos por instituições de ensino superior públicas têm disciplinas dedicadas à cobertura de ciência.
A crescente demanda por uma cobertura de ciência de qualidade tem elevado o interesse por iniciativas de treinamento de jornalistas e comunicadores de ciência, dentro e fora da academia. O assunto foi discutido na mesa-redonda “Treinamento em jornalismo e divulgação científica no Brasil”, evento organizado pela Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência) como parte das comemorações pelos três anos de nossa associação.
Para a jornalista Graça Caldas, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e uma das convidadas da mesa-redonda, os cursos de jornalismo científico no Brasil ainda são poucos, mesmo considerando a importância que a ciência ganhou nos últimos anos – “principalmente quando a pseudociência e o negacionismo se tornaram um campo de batalha que atinge muito o trabalho dos jornalistas e dos pesquisadores”, afirmou.
Percebendo a oportunidade de ajudar jornalistas generalistas a abordarem as evidências científicas em suas pautas, a Agência Bori passou a desenvolver imersões em temas como vacinas, meio ambiente e sistemas alimentares. A jornalista Natália Flores, gerente de conteúdo da Bori e pesquisadora de comunicação e divulgação científica, contou durante a mesa-redonda que essas iniciativas começaram em 2020 e, só em 2021, foram realizadas sete imersões.
“A gente notou que essa questão do treinamento em jornalismo é constante. Para ser um bom jornalista de ciência, é preciso estar sempre procurando cursos sobre temas específicos para pensar em pautas diferenciadas e trazer para o leitor matérias que vão além do óbvio”, disse Natália. Os cursos da Bori reúnem jornalistas de vários estados do Brasil que, em turmas relativamente pequenas, compartilham experiências e propõem parcerias. Natália acredita que a colaboração é uma das chaves para o aprimoramento do jornalismo científico no Brasil. “Eu acredito muito em pegar diferentes olhares, colocar num mesmo lugar e produzir pautas que tenham viés colaborativo entre diferentes redações.”
A importância das colaborações e trocas foi justamente um dos princípios norteadores do Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência da UFMG, apelidado de Amerek, que foi fundado em 2019. Quem falou sobre a iniciativa foi Roberto Takata, especialista em jornalismo científico, colaborador do Labjor e do Amerek. “O termo Amerek foi tomado de empréstimo da língua krenak, quer dizer cutucão, beliscão. Passa a ideia de que a comunicação depende muito do contato entre as pessoas”, afirmou Roberto. “Depende bastante dessa interação entre os próprios alunos, cada um trazendo sua própria bagagem.” Outro foco do Amerek, segundo ele, é entender quais são as necessidades dos diferentes públicos e pensar nas melhores estratégias para comunicar a cada grupo distinto.
O jornalista Thiago Medaglia, escritor e fundador da Ambiental Media, que atualmente é mestrando em História da Ciência na Universidade Harvard, falou durante a mesa sobre como ele sentiu falta de um respaldo intelectual em ciência quando iniciou sua trajetória no jornalismo de meio ambiente. “É claro que a experiência em campo como repórter agrega demais para quem cobre meio ambiente e ciência. A gente aprende muito na prática, mas tem uma grande lacuna em formação no Brasil que precisamos ocupar.”
Thiago recentemente coordenou um curso online gratuito de jornalismo científico pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas com o apoio do Instituto Serrapilheira que teve mais de 2 mil inscritos.
Uma das missões da RedeComCiência tem sido contribuir para a formação de jornalistas e comunicadores de ciência. Ao longo de seus três anos, a Rede já lançou diversas iniciativas com esse propósito, como o programa de mentoria para jovens jornalistas, a realização de palestras e workshops em faculdades em vários estados do país, a criação de uma disciplina de Popularização da Ciência para o curso de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), além do projeto de vídeo Jornalismo Científico em 5 Minutos.
Graça Caldas observou que a formação do jornalista de ciência deve ir além de cursos formais. “O pulo do gato seria nós jornalistas entendermos que não dá pra cobrir ciência sem entendermos questões múltiplas que envolvem a sociedade, como a política científica,” diz Graça. “Não podemos falar em divulgar ciência se não ajudarmos as pessoas a entender o papel da ciência na sociedade.”
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A RedeComCiência é uma associação apartidária e sem fins lucrativos, criada em fevereiro de 2018, para reunir profissionais interessados em discutir, amplificar, viabilizar e melhorar o jornalismo e a comunicação de ciência no Brasil. Ela é formada por profissionais das áreas da comunicação, divulgadores científicos e cientistas de todo o Brasil.