A ciência tem sofrido um desmonte nesses últimos anos. De acordo com os dados emitidos pelo ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o investimento em ciência e tecnologia vem caindo desde 2015, com uma queda brusca no atual governo. Frente a esse desastroso cenário, onde está o apoio da população em prol da ciência?
Nove em cada dez jovens brasileiros não conhecem um cientista do país ou uma instituição que faz pesquisa no Brasil, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT). Preocupante. Contudo, é atitude condizente a uma população cujo presidente da República alegou que universitários protestando Brasil afora em apoio à ciência são “todos idiotas úteis” e afirmou que a ciência brasileira vem majoritariamente de universidades privadas, demonstrando total desinformação sobre o tema.
Para piorar, essa reviravolta político-social não apenas ignora os movimentos em prol da ciência e da pesquisa, mas tem como efeito colateral o aumento na onda de adeptos às teorias da conspiração, que ganham terreno rapidamente nas redes sociais.
Contrapondo ao crescimento desses levantes pseudocientíficos, um grande número de cientistas tem se preocupado em fazer divulgação científica como forma de suprir esse buraco. Todo o movimento da academia para se comunicar melhor traz junto a preocupação de como fazer isso com responsabilidade, uma vez que notícias sensacionalistas e superdimensionadas dirigidas ao público têm sido cada vez mais comuns.
O cientista, no seu dia a dia, depara-se com uma série de desafios que envolvem sua pesquisa e se limita a elaborar estratégias e metodologias para responder perguntas que permeiam seu trabalho. Além disso, esse profissional precisa atender a burocracia de um sistema de fomento para obter verba, com o preenchimento de relatórios, orientações a alunos, planejamento de aulas… No meio de tudo isso, ainda precisa encontrar um tempo para divulgar seu trabalho e o conhecimento científico para a população.
Diante de tantos desafios e burocracias impostos pelo sistema, o sucesso na carreira do cientista envolve o seu histórico em convencer as agências a fomentar seu trabalho, que é fruto de boas publicações e visibilidade no meio acadêmico-cientifico mundial. Obviamente, todo esse esforço por parte do cientista cria um imenso apreço por seu trabalho, que muitas vezes necessita a dedicação de uma vida inteira.
O fundamental trabalho de popularizar e fiscalizar a ciência tem sido feito há muito tempo pelo jornalismo. O jornalista de ciência é um profissional capacitado que transforma a linguagem do conhecimento científico usando suas ferramentas para atrair e informar seu público.
Porém, nos dias de hoje, a facilidade de se expressar para um grande número de pessoas encorajou muitos cientistas a fazer divulgação por conta própria, em seus canais nas redes sociais. Daí surge a pergunta de um milhão de reais: será que esses cientistas estão realmente preparados para fazer esse trabalho? Quantos deles fazem uma divulgação, hoje, com todos os conhecimentos jornalísticos e seus percalços?
Ter em mente as diferenças entre a divulgação científica e o jornalismo científico é fundamental. O jornalismo científico é uma área do campo jornalístico que traduz aquilo que a ciência produz em uma nova linguagem, a um novo público, considerando o impacto da notícia, os interesses humanos e as necessidades de conhecimento do público. A divulgação científica é a tarefa de familiarizar o público com a natureza do trabalho científico e da vida dos cientistas. Nesse sentido, é interessante que os jornalistas da área tenham uma presença maior na academia e nas universidades para garantir a interação constante com os profissionais que estão do outro lado da bancada. Apesar das particularidades de cada profissão tornarem essa interação difícil, essa é ainda a melhor maneira de se levar o conhecimento científico de qualidade ao maior número de pessoas possível.
Outro ponto que jamais deve ser esquecido é a necessidade de cada profissional entender a dinâmica que existe nas duas áreas. Por parte do jornalista, essa relação pode ser facilitada ao explicar como é a dinâmica da imprensa, o público-alvo de seu veículo e o que é um fato que realmente pode virar uma pauta. Já o cientista pode trazer o jornalista para seu mundo analítico, explicar porque algo é considerado um fato científico dentro do contexto estudado e o quanto a informação a ser veiculada é relevante para o conhecimento popular.
Ademais, o cientista precisa respeitar opiniões e dar ao profissional do jornalismo a responsabilidade de transpor o fato aos seus leitores, espectadores e ouvintes. Em entrevistas, o especialista acadêmico também precisa tomar cuidado para transmitir informações claras e diretas e não dar informações que não estejam de acordo com a evidência científica vigente.
Esse tipo de interação entre as áreas pode ser facilitado por meio de oficinas, palestras, workshops e outras estratégias que alimentem essa reciprocidade entre jornalistas e cientistas. Por isso, muitas instituições já estão se movimentando nesse sentido e unindo forças para a qualidade da ciência a ser publicada.
Tendo em vista os desafios da popularização da ciência no Brasil, fica aqui a nossa provocação. Devemos incentivar a relação como uma forma de progresso da ciência no Brasil, no âmbito político e social. É com esta missão que a Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência) foi fundada, unindo profissionais das mais diversas formações e contextos, para a melhoria na qualidade do jornalismo e da divulgação científica brasileira.
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Edson Duarte Ribeiro Paz é biólogo, membro da RedeComCiência e mestrando no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.
Ewerton da Silva de Souza é biólogo, mestrando no Instituto de Biociências da USP, membro da RedeComCiência e criador da BIO+ Ciência.