Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os patrulheiros da credibilidade promovem nova ética na internet

No final de julho passado, a revista Columbia Journalism Review (CJR, 30/7), publicada a cada dois meses, identificou um desenvolvedor de software que vem checando fotos e fatos no Twitter e atraindo a atenção de estudiosos da imprensa desde o ano passado. Ele atende no Twitter por @PicPedant, e seu nome é Paulo Ordoveza, um filipino desenhista da web e desenvolvedor de software de 37 anos da área de Washington, a capital dos Estados Unidos.

Ele verifica origem, propriedade, fonte original e outras informações sobre fotos que encontra no Twitter e corrige os erros que encontra, a despeito dos donos das contas. Muita gente já bloqueou o atrevido verificador que trabalha de graça e com muito entusiasmo. Outros usuários do Twitter agora procuram o verificador para conferir dados e créditos de fatos e fotos com regularidade.

Primeiro ele apareceu na revista para fotógrafos Imaging Resource (17/2) em 2014. No mesmo ano, o tabloide Mirror, da Inglaterra (23/3) entrevistou o checa-fatos do Twitter. Depois chegou a vez do diário francês Le Monde (27/5) apresentar ao mundo o novo verificador informal do microblog, com um título bastante elogioso: “Pic Pedant, creditador (atribuidor de créditos) em série e caçador de fraudes” (PicPedant, serial crediteur et chasseur de fakes).

O diário francês informou que Ordoveza trabalha duas horas por dia (fora finais de semana) e não é nenhum tipo de “vigilante solitário”. Outros profissionais na rede, como o jornalista Tom Phillips, do BuzzFeed, ou Matt Novak, do Webzine Gizmodo costumam desmontar rumores e boatos em redes sociais, adicionou a revista da Universidade de Columbia. Os sites Snopes, nos Estados Unidos, e o Hoaxbuster, na França, também fazem o mesmo trabalho. Ordoveza pensa em formar uma rede de verificadores na web, adicionou o jornal francês.

Os 30 maiores proprietários de mídia

Não é má ideia, e nós, aqui no Brasil, também temos bons exemplos de examinadores do conteúdo da web que poderiam fazer parte dessa rede. Recebem críticas por estragarem a diversão de muitos, mas são fundamentais para o público da web. O Brasil tem um excelente verificador de farsas, rumores e notícias falsas. É o Gilmar Henrique Lopes que administra o site E-farsas e também atua como verificador de fatos na web há 10 anos. Ele é analista de sistemas e em 2008 apareceu no Programa do Jô (3/4). Gilmar é um amador que cresceu na web graças a sua habilidade não só em apontar erros e farsas, mas por fazer correções de conteúdo. Seu site é bastante visitado; é mais popular que o da CJR. Não tenho dúvidas que Gilmar Henrique seria parte importante de uma rede mundial de verificadores de fatos duvidosos e farsas na web.

Os franceses do Monde entenderam o trabalho de Paulo Ordoveza no Twitter como o de um campeão da luta pelos créditos na mídia. Percebi um toque de ironia no jornal francês ao descrever o esforço que o programador e web designer faz na rede. Ele foi chamado de “caçador dos créditos perdidos”, no periódico gaulês. O filipino faz trabalho jornalístico melhor que muitos periódicos e portais da web. Sua presença e de outros como ele na rede é fundamental. Principalmente na mídia social. No final do mês passado o absurdo abaixo foi publicado no Facebook, e muita gente acreditou. Nem que fosse por algumas horas. O atrevimento foi grande:

fimdaredeglobo

Fonte: Facebook

Isto foi publicado no Facebook no dia 30 de julho de 2014: a Rede Globo seria vendida em segredo para a BBC. Quem conhece um pouco sobre a mídia sabe que a Globo é uma corporação maior que a BBC. A emissora carioca do Jardim Botânico é a 17ª maior proprietária de mídias do planeta. O Google é a primeiro e a Globo está na frente do Yahoo e da Microsoft. A BBC não está entre as 30 maiores do planeta na lista anual da Zenithoptmedia:

Posição dos 30 maiores proprietários da Mídia Mundial

Posição Proprietário da Mídia Posição Proprietário da Mídia
1 Google 16 Asahi Shimbun Company
2 Walt Disney Company 17 Grupo Globo
3 Comcast 18 Yahoo!
4 21st Century Fox 19 Fuji Media Holdings
5 CBS Corporation 20 CCTV
6 Bertelsmann 21 Microsoft
7 Viacom 22 Hearst Corporation
8 Time Warner 23 JC Decaux
9 News Corp 24 Yomiuri Shimbun Holdings
10 Facebook 25 Mediaset
11 Advance Publications 26 Axel Springer
12 iHeartMedia 27 ITV plc
13 Discovery 28 ProSiebenSat.1
14 Baidu 29 NTV
15 Gannett 30 Sanoma

Fonte: site ZenithOptmedia, maio de 2015. Metodologia: renda de mídia de cada corporação em
diferentes meios de transmissão e comunicação

 

A carta-renúncia de Dilma

A maior emissora de televisão privada do Brasil jamais poderia ser vendida à BBC porque empresas estrangeiras não podem, de acordo com a nossa Constituição, comprar empresas nacionais de telecomunicações e radiodifusão (o Gilmar que descobriu isso primeiro e publicou). Por outro lado, a BBC é muito querida na Inglaterra. Funciona sob autorização de Carta Régia da Coroa Britânica e não pode ser vendida quando o mercado assim o decidir. Qualquer negociação envolvendo as duas gigantes e a negociação de propriedades seria manchete em qualquer publicação do planeta. Isso ficou óbvio desde o primeiro momento. A “notícia” nunca fez sentido em momento algum. Mas enganou muita gente. As farsas noticiosas da web, com todos os seus recursos, exploram a verossimilhança de notícias que poderiam existir em um universo de ficção, mas não são fatos que resistam a conferências e verificações.

A Globo, junto com a chinesa CCTV, são as únicas organizações da mídia de países emergentes entre os trinta maiores conglomerados de mídia do planeta, segundo o relatório da ZenithOptmedia. A hegemonia americana é incontestável, com nove entre os dez maiores proprietários de meios de comunicação do planeta. A rede de TV inglesa melhor colocada é a concorrente da BBC na Inglaterra, a ITV plc, que está dez posições abaixo do grupo Globo. A BBC não está no grupo e a falsa notícia durou pouco. Mais uma vez, o caça-farsas brasileiro acabou com a piada. Foi por outros caminhos, procurou a mídia internacional, usou lógica simples, fez uma boa pesquisa e explicou bem o absurdo da idéia. Que pareceu verossímil a muitos, no calor do momento.

O nosso verificador de mentiras na web também registrou uma farsa mais recente e mais audaciosa: “a carta-renúncia de Dilma Rousseff já está preparada e escrita” (7/8, o grifo é meu).

“A notícia apareceu no dia 7 de agosto de 2015 e se espalhou rapidamente nas redes sociais e em diversos sites e blogs. De acordo com o texto, Dilma Rousseff já teria preparado uma carta-renúncia com a ajuda de dois dos seus ministros mais próximos, Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo. De acordo com fontes do Palácio – segundo a manchete – com a renúncia da presidente, o vice-presidente Michel Temer assumiria imediatamente o comando do Executivo.”

O destruidor de mentiras na rede

O checa-fatos brasileiro descobriu que a notícia partiu de Claudio Humberto, ex-porta-voz de Fernando Collor de Mello e pessoa não muito amiga dos fatos como eles são. Por regra, costumo resumir o pensamento dos autores ou fontes e evitar longas citações, mas neste caso faço exceção; quero mostrar o trabalho do Gilmar, seu estilo de escrita e sua capacidade de apurar fatos em seu estilo pessoal. Ele conta tudo como aconteceu em seu site. O nosso verificador de fraudes na mídia foi implacável com o ex-companheiro de Fernando Collor de Mello:

“Cláudio Humberto, que não dá nenhuma prova de onde ele teria tirado essa informação (ele apenas afirma que “fontes do Palácio” teriam dito que havia uma carta-renúncia), foi assessor de imprensa de Fernando Collor de Mello e se tornou seu porta-voz quando ele assumiu a presidência. Conhecido por fazer oposição ao governo do PT, Humberto passou a publicar no seu Diário do Poder notícias com alguns… digamos… problemas de apuração jornalística.

Conforme lembrado pelo jornal Diário de Pernambuco, em 2015, por exemplo, Cláudio Humberto chegou a afirmar que Renata Campos, viúva do ex-candidato a presidente Eduardo Campos, seria vice de Lula nas eleições presidenciais em 2018 (notícia essa que foi desmentida pela ex-primeira-dama de Pernambuco).

Cláudio Humberto também foi um dos disseminadores do boato que afirmava que a presidente Dilma teria tentado suicídio! Na ocasião, desmentimos essa mentira em primeira mão aqui no E-farsas!

Em junho de 2013, o jornalista do Diário do Poder também ficou famoso na web após “noticiar” que Dilma Rousseff teria comprado uma casa de 5 milhões em frente ao Lago Guaíba, em Porto Alegre. O jornalista Políbio Braga foi investigar essa história na época e não encontrou nenhuma prova – nem com os antigos donos e tampouco no cartório de imóveis da cidade – da compra.”

Brilhante trabalho de apuração do Gilmar! O destruidor de mentiras na rede foi além da denúncia do embuste: explicou sua origem e desmascarou a falsa fonte. Mostrou o que ele (Claudio Humberto) publica hoje e depois voltou no tempo para mostrar mais invenções do jornalista em seu Diário do Poder. Gilmar fez um bom trabalho.

Uma ética informal nas redes sociais

Há gente que acredita que os verificadores da web tiram a graça das brincadeiras na rede, mas eu discordo. Desinformação é um lixo perigoso e deve ser denunciado e eliminado da web. Mas a grande questão aqui é o significado da ação destes agentes da verificação na web. São eles apenas uma extensão da cultura jornalística em direção a uma nova ética da informação na web? Podemos ver a coisa deste modo, mesmo quando a realidade mostra que nem todos os que conferem fatos na web são jornalistas.

O que são eles, então? Um avanço da cultura do jornalismo cidadão? É possível. Essas pessoas, por outro ângulo, são também, de certo modo, curadores de mídias em geral. Ninguém os nomeou para a tarefa, mas eles estão lá, na web, por insistência pessoal e dedicação quase profissional. Em sentido amplo, eles forçam a redistribuição de conteúdo corrigido. Sentem-se responsáveis pela integridade dos conteúdos na web e sua motivação tem base em uma narrativa moral que é sustentada pela capacidade do indivíduo em trabalhar a informação e fazê-la melhor em nome do benefício da comunidade da rede.

Quem melhor trabalhou a questão do verificador do Twitter foi a revista da Universidade de Colúmbia (CJR). Anna Clark, a autora do artigo, descreve o trabalho dele como o de um “educador da mídia social”. Paulo Ordoveza, com 19 mil seguidores, junto com o usuário @HistoryinPics, com 2.53 milhões atrás dele no Twitter, fazem parte de uma minoria que “quer adotar uma nova ética na mídia social”, onde os retweets e os comentários do tipo “tomara que seja verdade” não são mais o bastante, após a publicação.

A jornalista acredita que quem partilhar qualquer informação ou mídia na web vai ter que enfrentar gente que aposta na verificação da autenticidade de fotos e na verificação da informação difundida nas redes sociais. Em outras palavras, cada um vai ter que ser responsável por aquilo que posta na web. O que representa um grande avanço na consolidação de uma ética informal de comportamento e ação nas redes sociais. Todos nós seremos beneficiados por ela.

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Sergio da Motta e Albuquerque é mestre em Planejamento urbano, consultor e tradutor