O que mudou no jornalismo nos últimos 10 anos, no Brasil, e fora daqui? Qual foi o efeito das chamadas “jornadas de junho”, a série de manifestações públicas ocorridas no Brasil há dez anos, no jornalismo, na comunicação e na atividade política? Como a inclusão, a necessidade de aceitar o diverso, de ampliar a diversidade em todos os planos da sociedade, impactou o fazer jornalístico e a estrutura das redações? Perguntas essenciais, que serviram de ponto de partida para o evento ocorrido nesta terça-feira, dia 22, em São Paulo, na sala do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, na Cidade Universitária.
O seminário “O Jornalismo Brasileiro na Última Década: Crise, Diversidade e Inovação” teve início às 14h, e foi organizado pelo Observatório da Imprensa, pelo Projor e pelo Grupo de Pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, da USP, e teve o apoio do próprio IEA, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp e da Editora Casa da Árvore. O encontro foi aberto pelos professores Guilherme Ary Plonski, diretor do IEA, e por Sérgio Lüdtke, presidente do Projor.
A primeira mesa, com o tema “Diversidade no Jornalismo”, e moderada pelo jornalista Paulo Talarico, da Agência Mural e do Projor, incluiu Erisvan Guajajara, da Mídia Índia, que estava no Maranhão e participou via web, Antonio Junião, da Ponte Jornalismo, Sanara Santos, do É Nóis, e Ciça Cordeiro, da Talento Incluir.
Esta década assistiu a explosão de novos veículos e projetos independentes, com uma diversidade de atores, temas e olhares, uma mudança significativa na produção de conteúdo e na relação com os públicos. Essa eclosão da diversidade esteve refletida nos depoimentos dos participantes da mesa, que contaram um pouco das diferentes experiências, interfaces e desafios de iniciativas de comunicação em relação ao tema.
Como destacou Junião em sua fala, essa diversidade “é algo que tem que ser conquistado”, e é importante pensar o ecossistema da comunicação para entender e combater a desinformação. “As peças de desinformação mobilizam preconceitos, coisas como racismo, misoginia, homofobia, capacitismo; é um fenômeno que mobiliza desigualdades e violências estruturais”.
Sanara Santos abordou em sua fala a pesquisa realizada pelo É Nóis sobre diversidade nas redações, e que apontou um descompasso: na imprensa tradicional, ela é significativamente menor que o encontrado no terceiro setor, movimentos sociais, imprensa independente e local.
Guajajara destacou que trabalha com a comunicação como uma ferramenta de luta, na proposta de formar comunicadores indígenas e tratar de pautas específicas que dialoguem com o olhar indígena.
Para Ciça Cordeiro, a “diversidade é um fato; a inclusão é uma escolha. A acessibilidade tem que estar no planejamento de comunicação.” A acessibilidade, diz ela, “é direito, não privilégio”.
Todos os quatro insistiram que há enormes desafios no financiamento e na conquista da sustentabilidade de iniciativas de comunicação independentes, mas que é possível navegar pela captação de recursos sem comprometer as diretrizes editoriais e de ação das organizações envolvidas.
Depois dessa primeira parte, houve uma segunda mesa, denominada “Jornadas de 2013 e seus Efeitos no Jornalismo Brasileiro”. Dela participaram Adriana Garcia, secretária-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo -Abraji, o repórter-fotográfico Tiago Queiroz, de O Estado de S.Paulo, Daniel Bramatti, editor do Estadão Dados, também de O Estado de S.Paulo, e o professor e pesquisador Carlos Castilho. Esta segunda mesa foi moderada por Eugênio Bucci, membro do IEA e do Projor, e professor de jornalismo na ECA-USP.
Logo no começo, Bucci destacou que o tema do seminário e da segunda mesa, em particular, mereceriam uma “sequência de pesquisas, de debates e de livros, certamente”.
A apresentação de Tiago Queiroz foi a primeira. Nela, o jornalismo e fotógrafo apresentou e comentou uma série de fotografias tiradas por ele durante a manifestação do dia de junho de 2013, em torno da prefeitura de São Paulo, no centro da cidade. “No dia 18, eu cobri tudo, eu estava no lugar quando os manifestantes tentaram entrar na Prefeitura”.
Adriana Garcia, que não estava no Brasil àquela época, recebia as informações através da mídia, e lembra bem “que não entendia nada: o que está acontecendo? Por que tudo aquilo estava tomando aquela proporção, gigante?” Essa complexidade, essa diversidade apareciam na cobertura feita pelos primeiros coletivos digitais. “De certa forma, esses eventos todos fizeram com que eu adquirisse uma nova consciência e virasse um pouco a minha atuação jornalística”.
Bramatti acredita que o impacto das jornadas na imprensa é limitado frente ao impacto que outros fatores tiveram nas mudanças vividas nos últimos anos. “Houve uma “esfacelamento da autoridade”, que vai durar muito tempo. “Existe uma parcela da sociedade que está convencida de que existe uma grande conspiração.” “Vejo 2013 como um sintoma do que estava acontecendo e continua acontecendo”, disse o jornalista.
Para Castilho, que participou do debate remotamente, via web, “acho que toda a perplexidade frente ao que aconteceu em 2013 e depois evoluiu nos últimos dez anos, é uma consequência direta da chamada avalanche informativa; o fato de a gente ter uma multiplicação exponencial de fontes de informação confundiu muita gente e continua confundindo. “Estamos”, diz ele, “em uma realidade complexa”, que abre essa possibilidade de nos abrir frente à diversidade. Castilho destaca que a integração de novas vozes acaba sendo inevitável e necessária -o jornalismo social e o jornalismo local são uma realidade, mesmo que sua sustentabilidade ainda seja um “grande enigma”.
O encontro contou com a participação de cerca de 400 pessoas, incluindo quem foi à USP e quem participou/assistiu via transmissão online, pelo YouTube. E, como disse Sérgio Lüdtke, “será o primeiro de uma série”.
Para assistir à gravação com a íntegra do seminário, clique aqui.