Se o leitor é repórter, blogueiro, editor, trabalha em qualquer área da comunicação ou simplesmente tem mais de 40 anos e está à procura de notícias úteis e positivas, esta matéria é do seu interesse.
A Federação Mundial de Jornalistas Científicos (WFSJ na sigla em inglês) lançou este mês uma iniciativa de Educação Global para incentivar a publicação e ajudar à mídia na apuração das matérias sobre Hepatite C. O fundamento é que atualmente há notícias muito importantes, boas e necessárias para divulgar. Para que a imprensa possa fazê-lo de maneira correta e sob distintos ângulos, a Federação oferece material de ajuda (em inglês), e a possibilidade de contatar de forma direta dois especialistas brasileiros mundialmente reconhecidos, a traves da própria página da instituição.
A mensagem a ser divulgada pela mídia é simples: é preciso incentivar o diagnóstico nas pessoas maiores de 40 anos, especialmente as que receberam transfusão de sangue ou fizeram alguma cirurgia antes do ano 1993. Os sintomas podem demorar vinte anos em se manifestar, mas o teste já é o primeiro passo para a cura. Com as drogas que ficaram disponíveis nos últimos dois anos, o vírus desaparece em 90% dos casos.
Engajar o interesse do público vai ser fácil. Estima-se que no Brasil existam 1,4 milhão de pessoas cujo exame daria positivo, a maioria infectada em decorrência de procedimentos médicos. O vírus da hepatite C se transmite por sangue contaminado, agulhas não esterilizadas, mas também por tatuagens, piercings ou navalhas de barbeiros, e como o vírus só foi identificado no ano 1989, até o início dos anos 90 as pessoas faziam todos esses procedimentos sem as medidas adequadas. Contrariamente ao que se pensa, apenas um de cada dez casos se deve a uso de drogas intravenosas e um de cada quatro infectados não vai saber nunca como pegou a doença. O vírus sobrevive fora do corpo mais tempo do que o HIV, então o contágio é mais fácil.
O poder dos pacientes.
A história da hepatite C é um exemplo da crescente conscientização dos pacientes, um processo de mudança de comportamentos que levou as pessoas a colaborarem com outros pacientes e profissionais para melhorar a qualidade do atendimento médico. Até o ano de 2006, a doença estava negligenciada pela comunidade médica e, para dar um exemplo, nenhum dos 8.000 funcionários da OMS era responsável pela Hepatite. Em 2007 um grupo de pacientes, inclusive brasileiros, formaram uma ONG para fazer pressão: a World Hepatitis Alliance. Dois anos depois, a OMS já tinha um programa de luta ambicioso. Outra dica para os caçadores de matérias positivas: o plano agora é eliminar a doença até 2030. Os especialistas acham que isso é bem possível.
Para que daqui a quinze anos a hepatite C deixe de ser um problema, a imprensa tem que começar urgente a fazer a sua parte. Hoje o cenário é assustador. As mortes por hepatite C se quadruplicaram na última década e ao mesmo tempo que a taxa de infeções e mortalidade do HIV-Aids, tuberculose e malária estão diminuindo no mundo. É bem possível também que nunca possamos noticiar uma vacina, já que se conhecem mas de 50 subtipos de hepatite C, e essa variabilidade dificulta enormemente a prevenção. A luz no final do caminho é que o vírus pode desaparecer em questão de semanas com o uso de comprimidos específicos.
Carlos Varaldo, da Agencia de Notícias de Hepatites e do Grupo Otimismo de apoio ao portador de Hepatite esteve na cerimônia do 20 de outubro na qual o ministro de Saúde entregou a primeira caixa dos novos medicamentos a uma paciente. No dia seguinte, relata, a maioria das TV e centenas de jornais ofereciam textos similares, baseados fundamentalmente no release oficial. “A imprensa tem um papel importante no que se refere a educação do público em matéria de tratamentos médicos, mas são raros os meios de comunicação que dispõem de um jornalista especializado em questões de saúde”, lamenta Carlos. Cada entrevista é feita por um jornalista diferente, que cobre hoje saúde, amanhã economia, depois policiais, etc., em geral muito jovem, recém formado, que nada entende de saúde. Como melhorar isso? Na procura de incentivos, a Agencia de Notícias das Hepatite tentou buscar recursos para um prêmio de jornalismo em matérias de hepatite. Mas não teve sucesso.
Produzir matérias de medicina originais, claras, atraentes e sem erros não é fácil. A cobertura da hepatite C apresenta desafios adicionais como o da dificuldade de informar adequadamente sobre os riscos envolvidos num tratamento e que nem todos os pacientes diagnosticados vão precisar. O jornalista não deve apenas entender a informação técnica e interpreta-la com rigor cientifico, como também necessita avaliar corretamente as políticas públicas, evitar ser enganado pelas distintas fontes, se blindar contra os desvios de informação induzidos pelos interesses ocultos, resistir pressões de grupos políticos e agentes econômicos e além de tudo, convencer a um editor.
E comum incluir nas matérias de medicina o testemunho de pacientes. Às vezes isto é feito simplesmente como parte de procedimentos padrão na hora de produzir uma reportagem, como a cobertura de temas de saúde é complexa porque envolve varias percepções de um mesmo problema, é necessário reproduzir as opiniões, dados e experiências de todas as partes afetadas. Aqui o jornalista encontrará um obstáculo extra, porque como explica Varaldo, “a hepatite C não é apenas uma doença silenciosa, e também silenciada pelos próprios infectados, os quais devido ao estigma e discriminação não querem se expor publicamente. Aproximadamente 82% dos infectados tem mais de 40 anos, possuem famílias constituídas, vida social, emprego, e o fato de se divulgar que estão com uma doença infecto contagiosa pode causar sérios problemas.”
Outro aspecto que Varaldo aponta como complicador na cobertura por parte da imprensa é que a hepatite e vista por muitos como uma doença benigna que se cura sozinha. Numa pesquisa que realizaram com 3071 entrevistados, apenas 5% considerava a hepatite um problema que merecia a sua atenção ou cuidados.
O aceso aos serviços e produtos é também é um tema polêmico nas matérias sobre saúde. A aprovação de novas terapias contra a hepatite C gerou o temor de um aumento no preço dos medicamentos, ou seja que um problema médico de difícil solução se transformaria em outro de saúde pública ainda mais difícil de reverter. Esse medo já ficou atrás. Os países membros de UNASUR (união de 12 países sul-americanos) conseguiram o impossível: negociar com as industrias farmacêuticas reduções de até 90% no preço dos medicamentos para combate à hepatite C.
Para alguns, é o final feliz de um conto de fadas. Enquanto na Argentina, os pacientes ainda fazem passeatas pedindo pelo remédio, o Ministério de Saúde do Brasil já lançou campanha publicitárias para incentivar o teste da hepatite C e o governo se comprometeu para oferecer aceso universal aos medicamentos mais modernos. Os primeiros 11.400 doses estão chegando aos estados brasileiros esta semana. Fim das boas notícias.
Saber o que vai acontecer daqui para frente, se os remédios vão chegar a todos os que o necessitam, seja pelo SUS ou pelos planos de saúde, se nada vai atrapalhar a decisão de evitar umas três mil mortes por ano, será também parte da nossa responsabilidade. Divulgar toda vez que a saúde sofra o impacto do ajuste, se interrompam os atendimentos, se coloque freio nestas despesas estratégicas, alertar toda vez que a negligencia ou a situação financeira afaste o pais da meta de acabar com a Hepatite C para o 2030 e assinalar os que não cumpram com as suas responsabilidades. Em resumo, a imprensa tem que tentar blindar a saúde dos problemas da escassez de recursos mostrando que o que vai ser poupar hoje vai ser pouco comparado com o que se gastará a mais no futuro.
“Um terreno fértil para a imprensa é documentar e explorar as discrepâncias entre promessa e ação” propõe a WFSJT desde a sua fundação. Essa será tal vez a parte mais difícil de alcançar para manter esta pauta positiva.
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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista cientifica. Autora de A saúde na mídia. Medicina para jornalistas, jornalismo para Médicos. Ed. Summus.