Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A praça da liberdade comemora o Dia do Jornalista

(Foto: Jorge Araújo)

O surrealista belga René Magritte fez todo mundo pensar sobre a representação das coisas quando em 1929 pintou um cachimbo e escreveu “isto não é um cachimbo”. A praça junto à Câmara Municipal de São Paulo onde centenas de jornalistas se reuniram no último sábado poderia ter a legenda “isto não é uma praça”. Como o jornalista e incentivador do projeto Sergio Gomes (Instituto Oboré) gosta, é um projeto cultural a céu aberto, uma praça que ostenta três obras de arte alusivas a Vladimir Herzog do artista plástico Elifas Andreato (1946-2022), que deu nome a esse Centro.

O Dia do Jornalista (7 de Abril) foi comemorado sábado 9/4 na praça, também chamada Praça Vladimir Herzog, conhecida como Praça da Liberdade, que tem árvores em memória de jornalistas como Milton Coelho da Graça e agora estendeu as homenagens. Foram afixadas 11 placas permanentes com o nome dos 1006 jornalistas que ousaram contestar em 1976 o relatório final do Inquérito policial militar para apurar o “suicídio” de Herzog ocorrido no ano anterior. 

O manifesto “Em Nome da Verdade”, um dos grandes atos de coragem coletiva da história do Brasil, foi publicado pelo diretor cultural do Sindicato de Jornalistas de São Paulo, Fernando Pacheco Jordão ( 1937-2017), que, em seguida, zarpou para a Inglaterra. O ano era 1979 e o “Dossiê Herzog: Tortura, Prisão e Morte no Brasil” ganhou, 46 anos depois, com apoio do Instituto Vladimir Herzog, a 7ª edição, revista e ampliada durante um ano por Mauro Malin, que esteve presente à Praça. Clarice Herzog, mulher de Vladimir (Vlado), ao ouvir a versão de “suicídio” do marido, ainda interrompeu Sergio Gomes para contestar, “suicídio, que absurdo”, como deve ter feito nos últimos 47 anos. 

Não havia tantas mulheres nas redações em 1976, mas 201 assinaram o manifesto, entre elas, Dorrit Harazim, Judith Patarra, Eliane Cantanhede, Heloneida Studart (1932-2007), Regina Etcheverria e, se fosse hoje, Laerte Coutinho. Assinaram vários cartunistas como Chico Caruso, Jaguar, Henfil (1944-1988).  Jornalistas famosos como Alberto Dines (1932-2018). Carlos Castelo Branco (1920-1993), dois ex-presidentes da ABI, Mauricio Azêdo (1934-2020) e Prudente de Morais,Neto ( 1904-1977).  Juca Kfouri, que na homenagem aos jornalistas foi uma espécie de mestre de cerimônia, assinou o manifesto, Ruy Mesquita Filho assinou. Roberto Pompeu de Toledo. E Jean Claude Bernadet e Mário Quintana (1906-2004), além de Aguinaldo Silva. Algumas surpresas, como Olavo de Carvalho. 

Paulo Markun, Marco Antonio Rocha e Sergio Gomes não puderam assinar—estavam presos ou respondendo a inquérito.

Na praça ainda foram entregues dois troféus Audálio Dantas concebidos por Laerte com a inscrição “Indignação, Coragem e Esperança”. Um, entregue pela mulher de Audálio, Vanira, ao representante do consórcio de veículos que durante a pandemia nos legou o direito à verdade sobre os mortos de Covid no Brasil. Outro, entregue pelo historiador José Luis del Royo, à coordenadora do Comitê Internacional Justiça, Paz e Dignidade aos Povos, Carmem Diniz, representante do australiano Julian Assange.  Fundador do Wikileaks, refugiado desde 2012 na embaixada do Equador em Londres, sua prisão há três anos na “Guantânamo britânica” corre o risco de se tornar perpétua se ele for extraditado para os Estados Unidos onde é acusado de espionagem. A leitura de Carmem Diniz na Praça foi outra, “Assange denunciou torturas, e (pelo jeito) tortura não se denuncia”. Assange revelou dados sobre o ataque aéreo a Bagdá em 1997, as guerras do Afganistão, Iraque e sobre o Cablegate, em 2010. Sua prisão é um atentado contra a liberdade de informação e foi esse o recado da entrega do troféu, “Assange não está sozinho”, disse Sergio Gomes.

Uma escadaria também não é feita apenas de degraus; na Praça é a Escada da Liberdade com nome de jornalistas e doadores, que vira arquibancada para espetáculos como o show de chorinho de Toninho Carrasqueira que permeou a cerimônia, “Todo Mundo Tem de Falar”, uma ode à liberdade da arte, da cultura, da imprensa. 

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Norma Couri é jornalista