A sucessão de escândalos de corrupção surgidos na esteira da pandemia de coronavírus, somados à multiplicação dos casos da chamada “rachadinha”, deixam claro que a corrupção estrutural na política brasileira permanece viva e atuante. Mais do que isto sinaliza uma constatação fundamental: os instrumentos jurídicos, políticos, criminais e econômicos se mostraram ineficazes no combate à corrupção institucionalizada nas estruturas de poder no Brasil. O fracasso retumbante da Operação Lava Jato é a prova evidente desta constatação.
A grande pergunta que surge então é o que fazer, já que “olhar para o outro lado” na questão da corrupção significa aceitar sermos roubados por burocratas e políticos que se aproveitam das omissões, lacunas e cumplicidades nos órgãos encarregados de zelar pela moralidade pública para construir fortunas pessoais, seja para consumismo, seja para financiar carreiras políticas. O dinheiro roubado do orçamento público é dinheiro nosso, dos contribuintes, que pagam impostos na esperança de receber em troca serviços como saúde, educação, segurança, justiça, aposentadoria e lazer.
Isto leva a uma possível resposta da pergunta formulada acima: O que fazer? Diante da constatação do fracasso dos órgãos institucionais encarregados de reprimir a corrupção, sobra a sociedade civil como último recurso e como interessada direta na interrupção de propinodutos, rachadinhas etc. A realidade está indicando que a luta contra o vírus da corrupção estrutural e endêmica não chega a lugar nenhum quando a população é colocada na posição de espectadora de um jogo que é moral na aparência, mas político/eleitoral na sua essência.
Depois de tantas frustrações, cresce a percepção de que estamos condenados a apostar na ação cidadã como motivador principal para mais uma tentativa de eliminar, ou pelo menos, reduzir o desvio do dinheiro do contribuinte para as contas pessoais de políticos e empresários. Mas para que a sociedade consiga desempenhar este papel, ela precisa de duas coisas: informação e interação.
Todos nós, cidadãos, temos dados, informações e conhecimentos que podem identificar e comprovar atos de corrupção praticados por agentes públicos ou empresas, mas não dispomos dos canais para circular estas informações. E falta uma relação permanente das comunidades sociais com jornalistas capazes de formatar o que sabemos de uma maneira que seja atrativa, confiável e interativa, para que os fatos, notícias e ideias circulem entre as pessoas.
Inversão de prioridades
A necessidade de uma mudança de direção na luta contra a corrupção implica um novo posicionamento do jornalismo no fluxo de informações. Até agora todas as iniciativas vinham de cima, do governo, da Justiça e do Congresso Nacional e eram canalizadas para a população através da imprensa comercial e raros canais independentes. Um processo de baixo para cima, movido pela população, envolve uma nova relação entre a comunidade e os jornalistas, abrindo também uma nova oportunidade de trabalho para centenas de profissionais desempregados em consequência da crise no modelo de negócios das grandes empresas de comunicação.
A atuação em causas sociais e de forma autônoma vai exigir dos jornalistas uma mudança de comportamento e valores. Os profissionais não serão mais empregados assalariados em empresas, mas se tornarão participantes de iniciativas sociais, como por exemplo a luta contra a corrupção através do patrulhamento de câmaras de vereadores e prefeituras. Um morador de cidade média ou pequena não tem como interferir em negócios ilícitos em Brasília, mas pode fiscalizar o seu prefeito ou vereador, criando a base para um movimento nacional de combate às “rachadinhas” ou uso de recursos públicos para fins particulares, por exemplo.
Ao envolver-se na luta contra a corrupção de uma forma direta, ou seja, por adesão em vez de receber ordens, o jornalismo pode criar uma nova relação com a comunidade onde atua, rompendo uma longa história de distanciamento social provocada pela necessidade de seguir interesses dos donos das empresas onde trabalha na condição de assalariado.
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Carlos Castilho é jornalista, doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária.