Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A reinvenção da imprensa na era digital começa pelo jornalismo local

 

(Foto: Gerd Altmann por Pixabay)

Mantido o atual ritmo de demissões profissionais e de fechamento de jornais, revistas e emissoras de TV, ganham corpo as previsões de que a informação pública na era digital vai depender basicamente do jornalismo local e, secundariamente, das plataformas sociais e da grande imprensa.  

A previsão está apoiada tanto na crise do modelo de negócios da imprensa convencional como na evolução do processo de adaptação do nosso cotidiano às transformações sociais, econômicas e políticas geradas pelas plataformas sociais, como Facebook, Instagram, YouTube e WhatsApp.  

A crise financeira da imprensa convencional é um fato consumado por conta das evidências de que a agenda de notícias da mídia contemporânea perdeu rentabilidade e não garante mais a saúde financeira de empresas jornalísticas. Já a digitalização do nosso cotidiano é um processo ainda não incorporado pela maioria esmagadora das pessoas, que permanecem condicionadas à agenda da imprensa tradicional focada na luta pelo poder político e econômico em escala nacional e mundial. 

Paralelamente, as grandes plataformas digitais, ao exacerbarem os efeitos da avalanche noticiosa e da complexidade informativa criaram um ambiente favorável à multiplicação de distorções como as fake news. Com isto, nosso dia a dia passou a ser condicionado pela incerteza permanente sobre as informações que circulam na internet. 

O efeito acumulado do distanciamento crescente da debilitada grande imprensa em relação às audiências tradicionais e da expansão viral da desinformação e da proliferação de notícias falsas está provocando uma lenta mudança de hábitos informativos individuais. As pessoas comuns estão deixando de lado as questões complexas na política internacional, nacional e na economia para se informar sobre problemas da vida cotidiana em bairros, condomínios e pequenas cidades onde o conhecimento direto facilita a busca de soluções. 

Desertos informativos

Multiplicam-se as pesquisas e experiências com jornalismo local em países como Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e França. Só nos Estados Unidos existem 15 organizações de apoio financeiro, editorial e administrativo a jornalistas que apostaram na produção de notícias locais depois de perderem seus empregos na grande imprensa.  Aqui no Brasil, a migração de profissionais para a imprensa comunitária motivou o surgimento do projeto Atlas da Notícia, que monitora a luta de profissionais e não profissionais para atender às necessidades informativas nas pequenas cidades do interior do país. 

Os empreendedores no jornalismo local, em diversas partes do mundo, já acumularam um razoável conhecimento sobre como e quais notícias geram mais interatividade com o público. Também já constataram que a internet e as plataformas sociais são o caminho mais rápido para chegar até as pessoas. Mas o índice de insucesso ainda é muito elevado, dando origem ao fenômeno dos desertos informativos, regiões com apenas um ou nenhum veículo com notícias locais. A principal causa dos fracassos está na dificuldade de obter receitas que viabilizem a sustentabilidade financeira do projeto, questão que concentra hoje as atenções de maior parte das pesquisas sobre a chamada pequena imprensa. 

O que pesquisadores como os norte-americanos Victor Pickard, Robert McChesney, Damian Radcliffe e Simon Galperin descobriram é que a solução dos problemas financeiros no jornalismo local está na arena social. As pessoas sustentarão projetos informativos locais quando verificarem como a notícia jornalística local as ajuda a resolver problemas do dia a dia. Isto implica o abandono de uma agenda informativa dominada pelos interesses das elites políticas e econômicas nacionais e internacionais.  A maioria dos pesquisadores concordam que quando este objetivo for alcançado, o jornalismo local passará a ter uma posição insubstituível na vida das comunidades e no desenvolvimento de capital social regional. 

As bolhas informativas 

Há também fatores políticos que aumentam a importância do jornalismo local na preservação do sistema democrático.  É o caso do processo de polarização ideológica em curso na maior parte dos países do continente latino-americano. Esta polarização é alimentada pelo agravamento da desigualdade socioeconômica e do sentimento de insegurança pública provocado pelo aumento da violência urbana e rural. 

Quando a polarização acontece num ambiente de incerteza informativa como o provocado pela proliferação de notícias falsas, as pessoas tendem a formar bolhas ou verdadeiras seitas, quase sempre em redes sociais. As bolhas políticas são as principais responsáveis pela radicalização de posições, como mostrou o professor Cass Sunstein, da Universidade de Harvard (1).

A organização norte-americana Democracy Fund afirma que a existência de iniciativas jornalísticas locais pode funcionar como antídoto contra a formação de bolhas políticas e contra o aumento da corrupção em pequenas cidades, o que garantiria o fortalecimento da democracia local. A organização afirma que só estes fatores já seriam suficientes para justificar a valorização dos fluxos noticiosos comunitários.

Notas

(1) Ver detalhes no livro Going to Extremes, escrito pelo professor Cass Sunstein e publicado pela Oxford University Press em 2009.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.