Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A reinvenção do jornalismo passa pelos jornais locais

Foto: rawpixel.com/Freepik

A surpreendente constatação é uma das principais conclusões do estudo que deve ser lançado no início do segundo semestre nos Estados Unidos, com base numa pesquisa em 400 jornais norte-americanos com circulação inferior a 50 mil exemplares diários ou semanais. A constatação é surpreendente porque contraria a maioria das ideias atualmente em debate sobre estratégias para superar a crise tanto no jornalismo como nas empresas jornalísticas.

Embora ainda não tenham sido divulgados detalhes do embasamento teórico do estudo patrocinado pelo Tow Center da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e liderado pelos pesquisadores Damian Radcliffe e Christopher Ali (*), fica claro que a nova cara do jornalismo será moldada a partir de experiências em curso no âmbito local. Isto marca uma mudança de enfoques na avaliação das estratégias para recriar comportamentos, regras e valores da atividade jornalística exercida num contexto digital.

Até agora, a maioria absoluta dos estudos sobre a crise da imprensa e no jornalismo tomava como parâmetro as empresas e os profissionais situados em grandes cidades. Isto porque, nelas, a concentração urbana permitiu uma concentração do mercado produtor de notícias, viabilizando grandes conglomerados jornalísticos que inevitavelmente acabaram controlando a agenda noticiosa do país. A imprensa metropolitana foi transformada em paradigma jornalístico e referência obrigatória em questões jornalísticas.

Mas com as mudanças precipitadas pela internet, o modelo econômico dos grandes jornais entrou em crise e hoje vive dois enormes dilemas: a luta pela sobrevivência dos outrora grandes impérios jornalísticos e as incertezas e inseguranças dos jornalistas profissionais. Tanto um dilema quanto o outro não tem encontrado alternativas satisfatórias até agora nos modelos predominantes na imprensa, mostrando que a busca pela reinvenção do jornalismo terá que mudar de rumo, já que a crise das empresas está acabando com as esperanças de profissionais em itens como salários justos, segurança de emprego, carreira garantida e aposentadoria, entre outros.

Ao mesmo tempo, o ingresso do público como protagonista proativo na circulação de notícias através de redes sociais e comentários em páginas noticiosas na web minou o controle da imprensa sobre a agenda pública, abrindo espaço para temas locais. Isto criou um sistema de mão dupla nos fluxos informativos que institucionalizou a participação de leitores, ouvintes e telespectadores, levando à possibilidade do ressurgimento da imprensa local. O grande desafio passou a ser como viabilizar economicamente esta nova alternativa.

Embora as realidades do jornalismo local norte-americano e brasileiro sejam muito diferentes, o processo que está na origem da crise profissional e empresarial é o mesmo, o que permite explorar alternativas inovadoras aplicáveis tanto lá como aqui. Uma das grandes diferenças está no fato de que nos Estados Unidos há muito mais dados sobre a situação do jornalismo local do que aqui no Brasil, onde o tema ainda não contaminou o ambiente jornalístico e nem as universidades. As experiências brasileiras raramente conseguem ver seus resultados conhecidos fora dos municípios onde atuam e só agora com o projeto Atlas da Notícia, do Projor, é que começam a ser produzidas estatísticas sobre o jornalismo praticado fora do eixo Rio/São Paulo/Brasília.

O jornalismo local surge como alternativa para os dilemas atuais da profissão na medida em que está claro que o modelo de negócios dos grandes jornais metropolitanos já não é mais sustentável e que a crise no setor reduziu muito a qualidade e diversidade do conteúdo publicado, gerando uma forte perda de público e demissões em massa de jornalistas profissionais. Jornais estão fechando por conta da redução média de 40 a 70% nas receitas publicitárias. Só nos Estados Unidos, 35 mil jornalistas foram demitidos entre os anos de 2007 e 2015, enquanto aproximadamente 30 bilhões de dólares em anúncios pagos migraram para a internet, entre 2004 e 2015.

Vários estudos feitos tanto em centros de pesquisa dos Estados Unidos como da Europa, notadamente na Finlândia e Holanda, apontam que experiências de jornalismo local estão conseguindo restabelecer a relação entre pessoas comuns e os jornalistas. O jornalista local precisa do público para obter informações e para alcançar isto ele é levado a abandonar a atitude de quem sabe de tudo para assumir a postura de um parceiro na produção colaborativa de notícias. Parece uma mudança simples, mas ela é altamente significativa porque dela depende a sobrevivência das iniciativas noticiosas locais, que tendem a se multiplicar gerando uma concorrência onde só quem tem mais e melhor engajamento com a comunidade consegue ir adiante.

Os dois principais desafios enfrentados pelo jornalismo local são:

  • A mudança de comportamentos, regras e valores assumidos pelos profissionais, já que o engajamento com o público passa a ser a principal preocupação e;
  • A identificação de fórmulas capazes de garantir a sustentabilidade financeira das iniciativas locais a médio e longo prazo.

A experiência já mostrou que não haverá um receituário único aplicável para todos os casos, o que implica a necessidade de cada projeto encontrar a sua própria alternativa, através de pesquisas e experiências nas respectivas comunidades. Especialistas como Damian Radcliffe estão convencidos de que a renovação do jornalismo local será crucial para a produção de notícias que permitam às publicações regionais e nacionais diversificar e aprofundar a análise das informações mais relevantes.

(*) Alguns detalhes da pesquisa foram antecipados por um artigo publico na revista especializada Nieman Reports, acessível aqui.

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Carlos Castilho é jornalista, doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária.