Após dez anos de estudos e experiências com jornalismo local online, surgiu uma quase unanimidade entre pesquisadores acadêmicos e profissionais da comunicação a respeito da importância do engajamento de repórteres e editores com a população como condição básica para a sobrevivência de projetos jornalísticos em cidades pequenas e médias. Isso leva a uma profunda revisão no modo de exercer o jornalismo tanto no que se refere à parte editorial como na financeira e política.
O engajamento é indispensável porque um projeto jornalístico local, quase sempre, é desenvolvido por um grupo reduzido de jornalistas. Mesmo numa cidade pequena, a quantidade de assuntos passíveis de cobertura geralmente supera a capacidade de produção da equipe do projeto. Se os moradores não ajudarem na coleta de dados e na contextualização dos fatos, fica muito difícil cobrir uma pauta mínima capaz de despertar o interesse da população local.
Minha experiência pessoal mostrou que a comunidade só participa da produção de notícias locais quando ela acredita no projeto e nos jornalistas, o que ocorre apenas quando há uma relação de confiança mútua. Para obter essa confiança, o jornalista precisa ser considerado um membro da comunidade e ser aceito por ela, o que requer o engajamento do profissional com a sociedade local.
Todos nós, jornalistas, temos, mais ou menos, experiência na produção de uma notícia, mas pouquíssimo conhecimento sobre como integrar comunidades sociais em cidades com menos de 50 mil habitantes, com pouco ou nenhum acesso à informações, escasso nível cultural, alto grau de desconfiança em relação a iniciativas jornalísticas fora do padrão convencional e cujos moradores são fortemente influenciados pela cultura política paternalista. Superar essas dificuldades é muito mais complexo do que colocar um site na internet.
Ao buscar o engajamento, o jornalista vai enfrentar, além da desconfiança, dois outros problemas: o de ser considerado um forasteiro por locais preocupados com as consequências políticas e financeiras que podem surgir de um modelo editorial que foge ao padrão usual e as suspeitas sobre compromissos velados do projeto jornalístico com grupos políticos e empresariais hegemônicos na cidade. Lidar com questões marcadas pela subjetividade exige muito jogo de cintura, tolerância, inteligência e persistência da equipe do projeto.
Essas virtudes precisam ser materializadas no conjunto de plataformas digitais usadas na proposta de informação local inovadora. Mesmo que haja uma opção preferencial pelo digital por conta do menor custo, é importante não excluir a possibilidade de impressos para chegar até um público que não usa a internet e que é bastante numeroso em cidades do interior. Um folheto no formato A4 dobrado quatro vezes pode incluir quatro textos de até 500 caracteres com espaços num lado e um cartaz no outro lado da folha. O texto explica o projeto enquanto o cartaz serve para fixar o visual da proposta.
A estratégia multimídia na notícia local
A distribuição do folheto em residências, pontos de ônibus, supermercados e igrejas é o método mais eficiente para gerar debate na população com mais de 40 anos, enquanto o cartaz funciona melhor para fixar a imagem do projeto em escolas, sindicatos, órgãos públicos, bares e armazéns. O importante, em todo material impresso, é referenciar sempre os conteúdos publicados na internet.
A prática mostrou que o Twitter é bom para chamar a atenção do público, cumprindo o papel das manchetes num jornal. O Facebook é o mais acessado pela geração entre 20 a 45 anos muito interessada em polemizar e obter visibilidade. O Instagram vem crescendo entre os jovens com menos de 25 anos. Isso mostra que a edição de uma notícia num projeto online precisa ser feita levando em conta a adequação dos conteúdos às características específicas das diversas plataformas digitais. O uso de imagens (fotos, vídeos, caricaturas, infográficos) é obrigatório não tanto pelo lado estético, mas porque as pessoas têm pouco tempo e paciência para ler textos longos.
Outra coisa essencial. Textos, fotos e vídeos produzidos por moradores logram muito mais acessos e comentários que os assinados por jornalistas. A grande diferença é que os profissionais desejam produzir notícias, reportagens e pesquisas, enquanto a população está mais interessada em histórias. A cultura do contador de histórias é muito viva dentro das comunidades e é a melhor estratégia para lograr audiência e visibilidade. A pirâmide invertida não faz o menor sucesso numa reunião com moradores que se mostram sempre mais receptivos ao humor e emotividade do que às regras frias de um manual de redação.
Mas a exigência de engajamento não se limita à questão editorial. Ela é tão ou até mais importante na definição das estratégias de sustentabilidade financeira de um projeto local de jornalismo online. Para que a iniciativa prospere, ela precisa de receitas para gastos operacionais e para remuneração dos responsáveis. O início, ou seja, os primeiros seis meses (no mínimo), vai depender das economias e do esforço dos jornalistas. Esse é o tempo necessário para os profissionais obterem a confiança da comunidade, pois a credibilidade é essencial para que as pessoas contribuam em dinheiro ou com trabalho para que o projeto sobreviva. A publicidade paga não deve ser menosprezada, mas jamais será a fonte básica de receitas, como era na imprensa convencional.
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Carlos Castilho é jornalista profissional especializado em informação local e hiperlocal. Tem pós-graduação com mestrado, doutorado e pós doutorado.