Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

América Latina 2022: sob o signo do ano do tigre

(Foto: Torok/Nouveaux Espaces Latinos)

No dia 31 de janeiro de 2022, quase todos os meios de comunicação latino-americanos noticiaram a entrada no ano lunar chinês. Esta onipresença na mídia do calendário do Tigre de Pequim não é algo com que ficar surpreso. A China está cada vez mais próxima e em contato contínuo com a América Latina. 

 Os jornais ‘Excelsior’ no México, ‘El Comercio’ no Peru, ‘Listín Diario’ na República Dominicana e muitos outros apresentaram aos seus leitores as chaves do Ano Novo Chinês. “Esta terça-feira”, explicou o jornal argentino ‘Ámbito Financiero’, “terá lugar um evento excepcional, (…) a comunidade chinesa em todo o mundo celebrará o ano 4270, (…) a passagem do búfalo metálico para o tigre das águas”. Um tuíte com os melhores votos do embaixador chinês em Buenos Aires, Zou Xiaoli, acompanha o artigo. Excepcionalmente, na virada de 31 de janeiro para 1 de fevereiro, a prefeitura da capital argentina iluminou seu “Obelisco”, monumento símbolo da cidade. Em vários parques de Buenos Aires, as artes marciais, a dança e a gastronomia fizeram parte do evento comemorativo da passagem do ano chinês.

A Universidade de San Ignacio de Loyola, em Lima, aproveitou esta oportunidade festiva para apresentar uma obra coletiva intitulada “O Dragão e o Condor, A presença chinesa no Peru: Passado e Presente”. A iniciativa revela uma realidade que é certamente peruana, mas que vai muito além de suas fronteiras. Nos últimos quinze anos, a China tem imposto a sua influência comercial, econômica, diplomática e cada vez mais cultural de norte a sul na América Latina. Ao contrário da Rússia, que tem muito menos balas na agulha de influência, a China conseguiu criar uma rede interativa com várias frentes e em fluxo contínuo.

Com a tinta ainda mal seca após assinatura de acordo com o FMI, o presidente argentino voou para Moscou e para Pequim no dia 1 de fevereiro. Alberto Fernández, financeiramente estrangulado, está tentando alargar o perímetro das suas relações com a Rússia em matéria de vacinas. A etapa de Pequim é mais ambiciosa. Os dois países estão ligados por um tratado de associação estratégica plena assinado em 2014 por Cristina Kirchner e Xi Jinping. Em 27 de janeiro de 2022, cinco dias antes da viagem do primeiro-ministro argentino, os dois países rubricaram um plano de investimento quinquenal. Trata-se de dez projetos, em particular uma central nuclear, “Atucha III”, um parque fotovoltaico, e várias redes ferroviárias. Esta visita deverá permitir a consolidação financeira deste plano, ou mesmo o alargamento de seu escopo. Estes anúncios e esta viagem, longe de serem “jogadas” circunstanciais, fazem parte de um processo. Alberto Fernández, por ocasião da quarta Exposição Internacional de Comércio da China (ou CHE), em 4 de novembro de 2021, recordou que esta relação bilateral “forte” estava em conformidade com a lógica do acordo de associação estratégica integral.

A cooperação contratual construída pela China com a Argentina não é um caso isolado. Quase todo o subcontinente entrou numa rede complexa de relações com Pequim. O primeiro passo foi obter o reconhecimento oficial exclusivo, excluindo Taiwan, que ainda estava muito presente na América Latina nos anos 80. Esta etapa está quase completa. Com o estabelecimento de relações com a Nicarágua, em 2021, Panamá, em 2017, República Dominicana, em 2018, El Salvador, em 2018, e em breve com Honduras, apenas a Guatemala, Haiti e Paraguai mantêm uma ligação diplomática com Taipé, capital de Taiwan. O que foi acordado com a Argentina em 2014 também foi estabelecido com o Brasil, Chile, Costa Rica e Peru. Outros países, como a Colômbia e o México, fizeram acordos menos ambiciosos. Vários países da América Latina estão envolvidos com a Rota da Seda: Bolívia, Chile, Costa Rica, Cuba, Equador, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela. Uma dupla ofensiva, de um lado sanitária, com vacinas contra a COVID, de outro tecnológica, com o sinal 5G, abriu perspectivas complementares.

Numa terceira fase, a China instrumentalizou os canais multinacionais. A China e o Brasil são membros dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul). A China faz negociações com o Chile, Colômbia, Equador, México e Peru, no âmbito da Parceria Regional Econômica Abrangente” (RCEP).

O quarto passo foi a regionalização da relação bilateral. Um Fórum CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos/China) foi criado em 2014. Seu objetivo é coordenar os vários canais de cooperação acima mencionados, conferindo-lhes uma dimensão continental. A terceira reunião ministerial deste Fórum realizou-se em Pequim, em 3 de dezembro de 2021. O objetivo do encontro foi: “Trabalhar em conjunto para superar as dificuldades atuais e criar novas oportunidades para construir a comunidade de um futuro comum entre a China e a América Latina e Caribe”.

O DANE, Departamento de Estatística da Colômbia, relatou um aumento de 50% no comércio com a China em 2021. A administração aduaneira chinesa comunicou um aumento do comércio com a América Latina em 2021 de 41,1%. Os vários projetos de investimento anunciados nos últimos meses, um porto capaz de receber navios porta-contêineres gigantes em Chancay, Peru, a central atômica Atucha III, na Argentina, a linha 7 do metrô de Santiago no Chile, o metrô e o ‘Regiotram’ em Bogotá, e a refinaria ‘Dos Bocas’ no México, apontam todos para um Ano do Tigre, pelo menos tão bom como o Ano do Búfalo, para os interesses chineses.

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Texto publicado originalmente em francês, em 4 de fevereiro de 2022, na seção ‘Nouveaux espaces latinos’, no site IRIS Institut de Relations Internacionales et Stratégiques, Paris/França, com o título original “Amérique latine 2022, sous le signe de l’anée du tigre”. Tradução de Andrei Cezar da Silva e Revisão de Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LIRE (Laboratório de Estudos da Leitura) e LABOR (Laboratório de Estudos do Discurso) ambos com sede na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).