Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os doze lançadores do ódio pelas redes sociais

Crédito: pikisuperstar

O número doze poderia ser considerado mágico. Os deuses gregos do Olimpo eram doze, os mostradores dos relógios marcam doze horas, meio-dia e meia-noite, os signos do zodíaco são doze, o ano se divide em doze meses, havia doze tribos em Israel e eram doze os apóstolos escolhidos por Cristo. Doze ou uma dúzia.

E são doze pessoas as principais responsáveis pela desinformação, pelo negacionismo, pelas mentiras e teorias de conspiração, relacionadas principalmente com as vacinas para o vírus covid-19, distribuídas pelo Facebook. A pesquisa foi feita pela organização anglo-americana, citada pelo presidente Biden, Centro para Combater o Ódio Digital (CCDH).

Esses doze apóstolos do ódio destilado pelas fake news são seguidos por 59 milhões de pessoas. As notícias falsas são por elas redistribuídas e constituem 65% do conteúdo informativo mundial. De uma maneira geral, esse grupo de doze está ligado à extrema-direita, à medicina alternativa, às religiões e às ideias esotéricas.

O comportamento do ex-presidente Donald Trump diante do coronavírus foi muito influenciado pelas fake news, ao mesmo tempo que as fazia circular. Está assim localizada a origem das ideias e iniciativas negacionistas do presidente Bolsonaro. Seu gabinete paralelo, chefiado pelo médico Omar Terra, e do qual fazia também parte a médica Nise Yamaguchi, se inspirava nas informações pseudocientíficas veiculadas nos Estados Unidos nas fake news.

Essas falsas informações incluíam a negação da existência do coronavírus, consideravam desnecessárias as vacinas (ou parte de um plano para dominar as pessoas), condenavam o confinamento das pessoas, eram contra o uso de máscaras e defendiam a teoria da imunidade do rebanho sem necessidade de vacinação.

As desinformações desse Grupo dos Doze chegaram a ter influência sobre o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, no início da pandemia do coronavírus, logo corrigida.

Na França e alguns países europeus, ainda hoje alguns grupos negacionistas anti-vacinação continuam manifestando, numa mistura estranha de tendência ecologista e anarquista com extremistas de direita, contra a possibilidade da vacinação se tornar obrigatória e contra a criação de um passaporte europeu para os vacinados.

Embora minoritária, essa tendência conta, na França, com o apoio da deputada médica psiquiatra Martine Wonner, que chegou a defender a cloroquina e a condenar o uso de máscaras, por influência do grupo conspiracionista norte-americano QAnon.

Quem são os doze?

Um dos principais é o norte-americano Joseph Mercola, adepto da medicina alternativa e das teorias conspiracionistas, e que vende suplementos alimentares. Com milhões de seguidores nas diferentes redes sociais, utiliza a desinformação e procura convencer seu público a não se vacinar e a comprar seus suplementos alimentares. Ele é o autor de uma fake news, traduzida em português e bastante divulgada nas redes sociais bolsonaristas. Nela se fazia a falsa afirmação de que o número de mortos em 2020 foi igual ao dos anos anteriores.

O ex-ecologista Robert F. Kennedy Jr. tem utilizado as redes sociais para difundir mentiras sobre as vacinas contra o coronavírus, com o objetivo de desestimular a vacinação. Sua campanha contra a vacinação começou com um artigo publicado na revista Rolling Stone, sob o título “Imunidade Mortal”, falando dos efeitos nocivos do mercúrio contido na vacina, causador de casos de autismo. Produziu também o filme “Racismo Médico – O Novo Apartheid”, no qual se quer mostrar que o coronavírus não é uma ameaça para os negros, e que o verdadeiro perigo é a vacina.

O casal Ty and Charlene Bollinger acaba de ter o vídeo “A Verdade sobre as Vacinas”, retirado do Youtube por ser considerado falsa informação, depois de denúncias publicadas pela agência Associated Press. Eles ganharam 25 milhões de dólares em cinco anos, divulgando inicialmente falsas informações sobre o câncer, para depois se unir ao discurso negacionista de Donald Trump e à versão mentirosa de ter sido roubada sua vitória nas eleições. Ty Bollinger chegou mesmo a ir ao Capitólio, conta a AP.

A médica osteopata norte-americana Sherri Tenpenny é uma ativa divulgadora de falsas notícias sobre as vacinas contra covid-19, afirmando causarem autismo nas crianças, podendo causar a morte de quem se vacina, além de provocarem a magnetização do corpo, permitindo às pessoas serem conectadas como celulares.

Os outros são Kelly Brogan, médica psiquiatra no Estado de Nova York, adepta da medicina alternativa, autora de vídeo no Facebook, Instagram e Vimeo, negando a existência do coronavírus. Para ela, psiquiatra, as mortes registradas nos Estados Unidos eram causadas pelo medo do vírus! Esse vídeo chegou a ser visto por 75 mil pessoas, antes de ser retirado da plataforma do Facebook e Instagram. Kelly Brogan critica a lavagem das mãos, o confinamento, diz haver um interesse econômico nas vacinas e denuncia a inclusão da vacinação no passaporte como um totalitarismo governamental.

Rashid Buttar, filho de paquistaneses, nascido em Londres, médico osteopata na Carolina do Norte, formado em Washington e Iowa, divulga a teoria de conspiração ligada à vacina e aplica uma discutida terapia de desintoxicação do corpo (chelaton) de metais pesados ionizados, como o mercúrio, cobre e o ferro. Repreendido pelas autoridades médicas por técnicas de tratamento ineficazes contra o câncer, vende os vídeos do casal Ty e Charlene Bollinger e propaga que o vírus foi criado na China.

Rizza Islam, natural da Califórnia, é membro do grupo Nação do Islã, com meio milhão de seguidores nas redes sociais, onde coloca fake news antisemitas, anti-homossexuais e contra as vacinas, junto com teorias de conspiração. Ele se define como um intelectual negro extremista e descreve o SARS-Cov-2 como um vírus fabricado para acabar com os negros. Seu passado é ligado à Igreja da Cientologia.

Kevin Jenkins, de Newark, líder político local, preocupado com as teorias de conspiração contra os negros.

Sayer Ji é uma espécie de guru, defensor da medicina natural e seu website indica remédios contra a vacina, considerada com uma forma de criar um novo apartheid. Tem uma página na Internet, GreenMedInfo, diversas vezes censurada pelas plataformas de redes sociais por difundir inverdades.

Ben Tapper, de Omaha, EUA, se diz médico mas, na verdade, é um quiroprático. Faz campanha contra o uso de máscaras por ferirem a liberdade individual. Ao criticar as vacinas, afirma, sem fundamento, que os governos sofrem pressões dos laboratórios internacionais para adquirem as vacinas.

Christiane Northrup, que praticou obstetrícia e ginecologia por 26 anos em Yarmouth, EUA, espalhou uma torrente de falsidades e absurdos: que as vacinas Covid-19 não previnem a doença, mas tornarão a humanidade estéril e podem matar bebês amamentados pelas mães vacinadas; que as pessoas não deveriam usar máscaras, mas deveriam temer estar perto de pessoas vacinadas, pois poderiam ser contaminadas com partículas de vacinas malignas e serem espionadas pelos componentes da vacina que transmitem secretamente informações fisiológicas à Fundação Bill e Melinda Gates, por meio de câmeras de celular e um mecanismo patenteado envolvendo criptomoeda.

Quando se lê sobre os absurdos defendidos por esses embusteiros, se tem uma ideia do nível de formação dos médicos e outros participantes do gabinete paralelo criado pelo presidente Bolsonaro, responsável pela crise sanitária e por mais de meio milhão de mortos no Brasil.

Notícias falsas sempre circularam, geralmente em tempos de guerra e quase sempre divulgadas com interesse religioso ou comercial. O surgimento das redes sociais permitiu a multiplicação da falsa informação, favoreceu a manipulação das pessoas ingênuas e sem instrução e tornou difícil a identificação das fake news. Uma denúncia atualmente investigada pelo STF trata da influência das notícias falsas divulgadas pela Internet durante o período pré-eleitoral em 2018, favorecendo a vitória da chapa Bolsonaro-Mourão.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.