Portugal, Peru, Colômbia, Angola, Alemanha, Guiné-Bissau, Reino Unido, Moçambique, Índia, Estados Unidos, Suíça, Venezuela, Itália, Paraguai, Dinamarca, Uruguai, Afeganistão, Porto Rico, México, Japão, Austrália, Chile, Canadá, Argentina, Brasil, Timor-Leste, Cabo Verde, Bolívia, Finlândia e Espanha. Durante três anos, o projeto “Jornalismo no Mundo”, vinculado ao Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo (Alterjor / USP), realizou um tour virtual por trinta países. O desafio foi, por meio de entrevistas semiabertas, conversar com profissionais sobre a qualidade da imprensa e as relações entre jornalismo e democracia nessas nações e continentes.
Além dos temas centrais, as pautas contemplaram outras questões atuais, como o papel das tecnologias de comunicação, o funcionamento da informação local e os modelos de formação profissional. À frente da iniciativa, o jornalista Enio Moraes Júnior, pesquisador do grupo Alterjor, coordenado pelo professor Luciano Maluly. O projeto contou com o apoio deste Observatório da Imprensa, que publicou e disponibiliza o material em seu site. A série também pode ser lida em inglês.
Desenvolvido entre junho de 2020 e agosto de 2023, a iniciativa começou em um período marcado pela pandemia de Covid-19. A seguir, eclodiram guerras, como a da Ucrânia, e conflitos em regiões como o Oriente Médio e a África tornaram-se mais dramáticos. Durante esse tempo, houve ainda um considerável aumento do número de pessoas em situação de refúgio e diversas nações do mundo intensificaram seu perigoso flerte com governos de extrema-direita. Todas essas questões perpassam as pautas e as entrevistas.
Entretanto, é possível chamar atenção para alguns pontos do cenário do jornalismo durante o tempo em que a série foi realizada. Eles dizem respeito a questões como o envolvimento do jornalismo com a cidadania, ao engajamento da imprensa nas lutas em defesa do meio ambiente e à cobertura de um tema global cada vez mais pulsante: as migrações internacionais.
A defesa da qualidade da imprensa foi amplamente referenciada pelos entrevistados, a exemplo da jornalista Sandra Beltrán Baeza, da Espanha. “A opinião está roubando o espaço da informação, que já tem outros inimigos na desinformação. Por isso, é preciso reforçar a utilização de fontes confiáveis e a transparência”, disse. Essa questão também está presente em países da América Latina. “O Presidente (da República) passa horas desqualificando, expondo ou insultando jornalistas que não concordam com suas políticas”, criticou o jornalista Rogelio Villarreal, em referência ao mandatário mexicano Andrés Manuel López Obrador.
Também chamou atenção que os últimos anos tenham assistido novas batalhas e conquistas no âmbito do jornalismo. Uma delas diz respeito às questões de gênero, raça e etnia, como dos direitos das mulheres e de diversos grupos que lutam por espaços e respeito na imprensa. “Toda vez que escrevo sobre o Brasil ser o país que mais mata pessoas trans e travestis, peço que seja o último ano”, afirmou o jornalista brasileiro Caê Vasconcelos, ainda uma das poucas pessoas trans a ocupar um espaço na imprensa nacional.
Vale a pena citar os embates por direitos sociais e o cerceamento da liberdade de imprensa em muitas nações. “A burocracia que reina no país ‘mata’, aos poucos, a coragem dos jornalistas. Para conseguirmos uma entrevista, temos de entregar, repetidamente, pedidos formais nas instituições e esperar por respostas que às vezes chegam, outras vezes, não”, observou o jornalista Nicodemos do Espírito Santo, do Timor-Leste.
Da mesma forma, a jornalista indiana Meena Menon chamou atenção para o fato de que o jornalismo em seu país passa por sérios problemas. “O aspecto mais importante neste momento é a situação dos próprios meios de comunicação, que estão sob ameaça. Jornalistas são presos por desordem, mortos a tiros por fazerem o seu trabalho e assediados de todas as formas”, disse.
O jornalismo local continua fazendo um trabalho reconhecido no mundo, com destaque para regiões marcadas por importantes comunidades regionais e dialetos, como Moçambique, na África. Enfatizando a relevância das rádios comunitárias, o jornalista Joanguete Celestino afirmou que “elas foram criadas com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico e cultural das comunidades, promovendo a cultura de paz, democracia, direitos humanos e empoderamento”. Diferentes idiomas e as migrações têm também fomentado a imprensa local, especialmente no norte do globo, como declara o pesquisador Tom Moring, da Finlândia. Ele chamou atenção para o fato de que a imprensa e o serviço público de rádio e televisão são altamente diversificados no nível local nos países nórdicos. “O que significa que todas as regiões têm jornais de referência que cobrem a sua área”, disse.
Muitos jornalistas mencionaram que ainda existem problemas na cobertura especializada sobre migrações, decorrente da complexa relação com os estrangeiros que deixam seus países por razões econômicas ou para sobreviver a guerras. É para essa questão que chama atenção a jornalista Pierina Sora, da Venezuela, atualmente vivendo no Peru. “O grande desafio para a mídia é capacitar os profissionais de comunicação, como fotógrafos, repórteres, jornalistas, editores, radialistas e âncoras de televisão para apresentarem informação sobre migração de forma humana, empática e contextual”, observou.
A imprensa do Afeganistão, país sob domínio Talibã, tem também vivido uma situação marcada pela insegurança. “Não há espaço para perguntas difíceis sobre o Islã. Por outro lado, trata-se de uma ditadura. Isto significa que os jornalistas não podem questioná-los sobre assuntos políticos. Atualmente, a corrupção também está em ascensão e, ao contrário do que aconteceu antes, quando a mídia teve um papel pioneiro nas denúncias, agora, a imprensa deve permanecer em silêncio”, afirmou um jornalista e advogado afegão. Hoje refugiado, por razões de segurança, ele preferiu não ser identificado.
Como negócio, o jornalismo do século XXI ainda está procurando seu caminho. Se, por um lado, as redes e mídias sociais facilitaram o acesso às rotinas de produção, por outro, a imprensa continua a se debater quando o tema é sua sustentabilidade. Muitos dos jornalistas entrevistados, sobretudo, os mais jovens, criaram ou trabalham para cooperativas e esse tem se mostrado um caminho para causas sociais. “Talvez seja encorajador que hoje seja muito mais fácil empreender iniciativas jornalísticas, embora a sustentabilidade seja sempre um desafio. Entretanto, a questão que vale milhões aqui e no resto do mundo é: como sustentar o jornalismo independente?”, problematizou a jornalista Norma Flores Allende, do Paraguai.
Por fim, é importante ressaltar que essa experiência serviu também para evidenciar que o metajornalismo é um caminho para discutir o mundo em suas similaridades e contradições. Com ajuda das tecnologias, em três anos, pudemos “visitar” trinta países e, partindo do olhar de um profissional da área em cada um desses lugares, pudemos conhecer um pouco sobre a imprensa nessas nações e sobre os próprios países.
Agradecemos a cada um dos jornalistas entrevistados, aos companheiros deste Observatório e a todos envolvidos no projeto, comentando o material publicado, sugerindo pautas ou fontes. Seguimos na luta em defesa da democracia e da qualidade da informação jornalística.
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Enio Moraes Júnior é jornalista. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: Enio OnLine.
Luciano Maluly é jornalista e professor do curso de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Doutor em Ciências da Comunicação pela mesma instituição, é também coordenador do grupo de pesquisa de Jornalismo Popular e Alternativo – Alterjor.