Tom Moring é um jornalista e professor emérito da Escola Sueca de Ciências Sociais da Universidade de Helsinki, na Finlândia. Pesquisador de mídia, minorias, política e opinião pública, ele ministra cursos e palestras em universidades de todo o mundo. Nascido na Finlândia e radicado na Suécia, foi também diretor de programas de rádio na Finnish Broadcasting Company e presidente do conselho de administração da editora de jornais HSS Media.
Com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados, Moring está envolvido em projetos de pesquisa sobre automação imersiva de conteúdos mediáticos, na Universidade de Helsinki, e sobre política presidencial, na Universidade de Södertörn, na Suécia. Atualmente, integra a rede COST Language In The Human-Machine Era. Leia mais a seguir.
Enio Moraes Júnior – Algumas estatísticas mostram a Finlândia no topo da lista de qualidade de vida e de países mais felizes. O que o jornalismo nacional mainstream diz sobre o quotidiano do país? Quais os temas mais frequentes?
Tom Moring – Suas perguntas chegam no momento em que as coisas estão mudando e o futuro parece ser um enorme ponto de interrogação. Sim, a Finlândia é um país que, de modo geral, trata bem os seus cidadãos, pelo menos no que diz respeito às questões que pesquisas sobre o bem-estar costumam abordar. Um povo feliz? Não tenho tanta certeza. Talvez “satisfeito” fosse uma melhor caracterização. E isto é conseguido com um custo: a parte da economia coberta pelo Estado é elevada e o déficit orçamental nacional está crescendo.
Neste preciso momento (julho de 2023), o assunto mais discutido nos meios de comunicação social é a formação de um novo governo de direita, que inclui também ativistas de extrema-direita do Partido dos Finlandeses (Finns Party). A esquerda faz críticas duras, mas na Finlândia, tal como em muitos outros países, assistimos a sentimentos políticos mais polarizados do que anteriormente. A atenção dos meios está agora em alguns ministros do Partido dos Finlandeses e na sua ligação com movimentos de extrema-direita e mesmo nazis. Esta situação desencadeou uma perseguição geral, levada a cabo nas redes sociais – e também refletida nos principais meios – ao passado comprometedor de vários políticos. Por enquanto, a mídia centra-se menos nos conteúdos políticos e mais nos líderes políticos. Com o tempo, isso passará e o foco se voltará para o conteúdo – provavelmente ainda de forma polarizada.
EMJ – Em abril, a Finlândia tornou-se membro da OTAN, apesar das ameaças da Rússia. Como tem sido a repercussão disso nos meios nacionais?
TM – A decisão de aderir à OTAN foi tomada com muito pouca oposição interna na Finlândia, após o ataque russo à Ucrânia, em fevereiro de 2022. No Parlamento, apenas sete dos 200 deputados votaram contra, e tanto governo como oposição foram a favor, com apenas algumas críticas da extrema-esquerda. Os meios de comunicação social nacionais, em editoriais e na cobertura noticiosa, também deram notícias positivas sobre esta dramática inversão da não-aliança finlandesa. Foram publicados artigos de opinião contra a adesão à OTAN, mas muito poucas opiniões negativas ou críticas foram encontradas nos principais meios nacionais.
O ataque russo também alterou dramaticamente a opinião popular. De acordo com as sondagens, desde a década de 1990 até fevereiro de 2022, uma percentagem claramente maior de finlandeses tinha sido contra a aliança em comparação com os que a apoiavam, embora as políticas de defesa finlandesas tivessem se inclinado para uma cooperação cada vez mais estreita com a OTAN. Imediatamente após as tropas russas terem atravessado as fronteiras ucranianas em direção a Kiev, esta opinião mudou.
EMJ – As minorias, os migrantes e os refugiados são temas recorrentes em suas pesquisas. Aliás, eles foram assunto de uma entrevista publicada recentemente no Extraprensa, da Universidade de São Paulo. Como a imprensa finlandesa cobre a migração?
TM – A migração é uma questão chave na Finlândia, sendo a linha divisória entre a extrema-direita (mais uma vez, o Partido dos Finlandeses) e todos os outros partidos. Uma das principais opiniões, que reúne representantes da indústria, do comércio e uma maioria no parlamento, é que a Finlândia precisa de mais imigrantes. A população está envelhecendo e a taxa de natalidade é baixa, o que é considerado uma ameaça ao bem-estar no futuro. No entanto, o Partido dos Finlandeses conseguiu negociar restrições na política de migração.
Como isto se reflete na cobertura midiática? A imprensa está, de modo geral, do lado da política mais liberal, apoiando a migração e opondo-se a restrições ao acolhimento de refugiados. As preocupações com o declínio da economia e do bem-estar são frequentemente abordadas em entrevistas com políticos, cientistas e elites econômicas. Por outro lado, nas redes sociais, os ativistas de extrema-direita assumem um papel de liderança na divulgação de opiniões alarmistas. O seu foco é o “wokeism“, a migração como uma ameaça aos valores finlandeses, o aumento da violência e até uma inversão étnica da população.
Considerando a pequena proporção de migrantes na Finlândia (8,5%, em 2021), esta campanha parece absurda. No entanto, encontrou apoio entre os eleitores, uma vez que um em cada cinco deles votou neste partido em 2023. Ataques de difamação dirigidos a jornalistas que escrevem de forma positiva sobre migração e que fazem críticas ao nacionalismo chauvinista com tendências fascistas têm crescido assustadoramente.
EMJ – Na entrevista à Extraprensa, você reconhece que as notícias e a informação pública são importantes para a integração dos migrantes. Como o jornalismo de países como a Finlândia pode fornecer informação qualificada a este público que, por vezes, não fala a língua local, por exemplo?
TM – Os migrantes falam línguas diferentes e formam um grupo heterogêneo. O finlandês é um idioma difícil de dominar para pessoas que têm como base linguística as línguas indo-europeias, que diferem em termos de estrutura. Muitos, especialmente entre os refugiados, não dominam o inglês, que é o principal idioma estrangeiro falado na Finlândia.
Embora reconhecendo este fato, é fundamental que os migrantes tenham a oportunidade e os instrumentos para se integrarem plenamente como cidadãos. Isto inclui, naturalmente, o acesso às notícias e ao debate público. Esta é, mais uma vez, a principal tarefa dos meios de comunicação social: para além das notícias e dos assuntos atuais, apresentarem vários pontos de vista e aspectos culturais. Ao fazerem isso, oferecem um retrato do mundo sobre o qual os cidadãos podem atuar.
Existem sites dirigidos a grupos linguísticos mais numerosos mantidos pelas autoridades, por voluntariado ou como redes internas no Facebook, WhatsApp e Instagram, por exemplo. Estes não são, obviamente, suficientes, embora desta forma os migrantes possam obter apoio para a sua identidade de grupo interno e também informações práticas.
Infelizmente, a Finlândia não é um bom exemplo no que diz respeito a atender os migrantes através da imprensa ou dos meios de comunicação de serviço público. Os programas especiais na TV pública foram integrados há alguns anos. Na prática, isto significou que os poucos programas noticiosos direcionados para os vários grupos de imigrantes foram reduzidos ao mínimo. Estão frequentemente disponíveis notícias em inglês, mas, como já foi dito, isso não é útil para os grupos de migrantes mais vulneráveis.
Nos programas de integração, existem cursos de línguas, principalmente em finlandês, mas alguns também na outra língua nacional, o sueco. Trata-se de um processo lento e extenuante para pessoas que têm muito em que pensar. As mulheres com família, em particular, encontram-se numa posição difícil quando estão isoladas nas suas casas. Isto, mais uma vez, tem um reflexo negativo na forma como as competências linguísticas são promovidas nas crianças. Felizmente, o sistema educativo finlandês é bom. Com o tempo, isso poderá fazer a diferença.
A esperança está nos serviços de tradução automática baseados em soluções de Inteligência Artificial (IA) que os meios de comunicação desenvolvem ativamente. Isto pode dar acesso às principais notícias em idiomas que elas não estão disponíveis. No entanto, a necessidade de notícias específicas que reflitam a realidade vivida pelos próprios migrantes não pode ser suprida desta forma, esse passo exige um modelo de jornalismo e jornalistas com uma visão de grupo.
EMJ – Como funciona o jornalismo regional e local na Finlândia? Que temas surgem com mais frequência?
TM – A imprensa, bem como o serviço público de rádio e televisão, é altamente diversificada no nível local nos países nórdicos, o que significa que todas as regiões têm jornais de referência que cobrem a sua área. É preciso ter em conta que a Finlândia, no que diz respeito à sua população, é um país com uma forte tradição de municípios independentes em regiões distintas. Ademais, o número de leitores de jornais situa-se a um nível internacionalmente elevado. Existem 40 jornais diários e, de acordo com a News Media, 95% dos finlandeses lêem frequentemente jornais em formato impresso ou digital.
A credibilidade dos meios de comunicação social também é elevada. De acordo com o Reuter’s Digital News Report, na Finlândia, a confiança nas notícias tem sido, há vários anos, a mais alta entre quase 50 países estudados. Em 2022, 69% dos finlandeses manifestaram confiança nos meios de comunicação social, em comparação com 48% no Brasil e 26% nos EUA.
Com base em meus estudos, considero a imprensa um componente fundamental na formação de identidades locais que mantêm uma estrutura regionalizada da Finlândia. Embora a propriedade da mídia tenha se concentrado recentemente e a digitalização dos leitores seja cada vez mais dominante, o caráter regional mantém-se.
Uma fonte de preocupação é a diminuição das receitas devido à concorrência nos mercados publicitários com grandes atores internacionais, como Amazon, Google e Facebook. Há um apoio financeiro relativamente pequeno, embora em um nível bem maior ao de outros países nórdicos, e a tributação das assinaturas é também comparativamente mais elevada na Finlândia. Até o momento, a estrutura básica da imprensa tem se mantido, apesar da falta de apoio financeiro público.
A população de língua sueca (cerca de 5,5% dos finlandeses) tem a sua própria imprensa, bem como canais de rádio e TV de serviço público. A pequena população sami tem uma estação de rádio e a empresa de serviço público Yle transmite diariamente notícias televisivas em língua sami durante a semana. Mas eu entendo que estas experiências de êxito das minorias tradicionais não podem ser consideradas uma desculpa para a falta de cobertura noticiosa acessível às várias minorias migrantes.
EMJ – As redes sociais alteraram a forma como as notícias são produzidas em todo o mundo. Quais os aspectos positivos e negativos disso na Finlândia?
TM – Comecemos pelos aspectos positivos. As publicações nas redes sociais de várias fontes são uma vantagem. Quer se trate de políticos, elites econômicas, artistas, grupos culturalmente distintos e também um público mais vasto, todos contribuem para uma esfera pública diversificada e viva. É uma fonte e tanto para os jornalistas, que podem selecionar e publicar os destaques desta selva de informações e opiniões. E é o que fazem. O papel do jornalista como guardião do debate cívico ganha uma função, não nova, mas enriquecida. No melhor dos mundos, tudo isto contribui para um jornalismo ainda melhor e mais bem apurado. Não vou entrar aqui na questão da Inteligência Artificial, uma vez que não é essa a questão que você coloca, mas, resumidamente, a minha opinião é que a IA será um bom servo, mas um mau mestre para o jornalismo: os jornalistas devem definitivamente aprender a utilizá-la corretamente, de acordo com boas normas éticas e profissionais.
Os aspectos negativos estão relacionados com o discurso de ódio, a mercantilização da esfera pública e uma sobrecarga de informação cada vez maior, o que distorce o processo democrático. Assistimos a uma polarização crescente na sociedade, tal como descrito acima. Vemos o ativismo conspirativo e o trolling sistemático apoiado pela IA. Assistimos, em muitos países, a uma descrença crescente – e também politicamente orquestrada – nos meios de comunicação social, que alimenta ainda mais a polarização radical.
Para aqueles que pertencem a minorias linguísticas e culturais, a mudança é dupla. Por um lado, abre oportunidades para formar facilmente redes online, comunicar e informar. Ao mesmo tempo, ameaça as estruturas estabelecidas anteriormente que deram às minorias um lugar na esfera pública através de esquemas de apoio público – quando estes existem. A mercantilização da esfera pública favorece os grandes atores e as línguas majoritárias. O apoio à cultura das minorias não acompanha o acelerado ritmo desse desenvolvimento. Isto representa uma ameaça real para as minorias, especialmente quanto mais minoritárias elas são.
Estou hesitante quanto ao que a IA trará. A tradução automática estará disponível em muitas línguas que possuem um recurso de dados considerável que pode ser extraído e utilizado para desenvolver a tradução para um serviço razoavelmente funcional. Mas muitas línguas não dispõem deste recurso e serão deixadas para trás. Isto diz respeito a diversas línguas migrantes. Mais uma vez, a contribuição crucial não é apenas traduzir os principais meios de comunicação, mas que os jornalistas mergulhem na realidade social e cultural das minorias e sirvam às suas necessidades de voz e integração. Isto é crucial para a construção de um estatuto cívico sustentável.
EMJ – Como você avalia a formação dos jornalistas na Finlândia? O que se pode esperar do futuro do jornalismo no país?
TM – A Finlândia tem uma longa história de formação de jornalistas. A qualidade e o foco do ensino variam, desde o prático ao mais teórico, passando pela pesquisa. A minha opinião é que os meios de comunicação social precisam de profissionais com uma formação jornalística completa. Os media também requerem pessoas com outros conhecimentos específicos e com capacidade para ampliar o espectro. A melhor combinação humana para a mídia é diversificar jornalistas com diferentes formações e habilidades. O jornalismo é um ofício aberto, com as suas especialidades interagindo também com outras especialidades, em diálogo.
Na Finlândia, a profissão desenvolveu-se desta forma. Quando comparo a qualidade do jornalismo finlandês com o de outros países que sigo, diria que aqui ele é bastante tradicional. Menos colunistas narcisistas (embora, infelizmente, eles existam) e mais de reportagens e análises com aprofundamento. Talvez isso explique o fato de os finlandeses ainda demonstrarem um nível tão elevado de credibilidade nos seus meios de comunicação social?
E o futuro. Bem, parece difícil. Os meus ex-alunos, agora ativos na imprensa e nos meios eletrônicos, têm sempre superado obstáculos: o declínio econômico – quando as empresas internacionais se apoderaram de grandes fatias do mercado publicitário; a competição pela atenção dos jovens – que se voltaram para as redes sociais em todas as suas diferentes formas; a duplicação das exigências de produção – quando a imprensa, o rádio e a TV se digitalizaram e as reportagens precisaram ser produzidas para várias plataformas, sem aumento do pessoal; e a situação dos media dirigidos a públicos minoritários – obrigados a enfrentar um ambiente concorrencial muito duro, em que os grandes atores têm todas as vantagens, sem que haja qualquer solução nas estruturas de apoio. Os meus alunos e eu trabalhamos até ao fim nesta escalada de obstáculos. Tem sido difícil; continuará a ser. Mas a vida sempre foi dura nessa área.
A nota positiva com que gostaria de terminar as minhas respostas é que os desafios à própria profissão são a fonte do seu sucesso contínuo. Não há um estudante de jornalismo que não queira ser jornalista. Por quê? Porque é uma profissão importante, criativa, dinâmica e emocionante, onde se sabe que se pode fazer a diferença. Chegam novas engenhocas, como a IA e o jornalismo automatizado. Nós as aceitamos e aprendemos a utilizá-las à nossa maneira. Ficamos melhores, mais rápidos, com um espectro mais amplo, vamos mais fundo na pesquisa. Espero que melhoremos – e muito – na integração das culturas migrantes. E assim, melhoramos a nossa capacidade de oferecer um retrato do mundo sobre o qual os cidadãos podem atuar.
Esta entrevista faz parte da série “Jornalismo no Mundo”, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.
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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: Enio OnLine.