Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Jornalismo na Suíça

“Os direitos das mulheres e as políticas igualitárias de gênero estão recebendo mais atenção do jornalismo diário”. (Foto: Arquivo Pessoal)

Liliana Tinoco Bäckert é uma jornalista brasileira que mora em Zurique, na Suíça, desde 2005. Nascida no Rio de Janeiro, ela cursou mestrado em Comunicação Intercultural na Università della Svizzera Italiana (USI). Atualmente, além de atuar como consultora e desenvolver projetos relacionados à migração, Liliana é comentarista dessas questões na Swissinfo e na Rádio CBN.

A jornalista acaba de lançar o livro “Amores Internacionais: casei com um estrangeiro, e agora?”, disponível em português, e está escrevendo um guia para brasileiros que aspiraram emigrar. A seguir, uma entrevista com ela sobre o jornalismo suíço.

Enio Moraes Júnior – Quando olhamos as estatísticas salariais e de qualidade de vida, temos a sensação de que a Suíça é um lugar paradisíaco para se viver…

Liliana Tinoco Bäckert – Os salários são bons e a qualidade de vida também é bastante elevada. Apesar disso, a Suíça está longe de ser um paraíso. Em primeiro lugar, todos nós sabemos que paraísos não existem. Brincadeiras à parte, acho que talvez o país seja mais perto de um paraíso para os nativos, que podem realmente desfrutar dos benefícios econômicos e dos altos salários. Migrantes como nós, sul-americanos, não desfrutamos muito dessas riquezas, porque nem sempre temos acesso aos melhores empregos no mercado de trabalho.

EMJ – O que a imprensa nacional pauta sobre o país? Quais os temas mais recorrentes?

LTB – A imprensa nacional aborda as questões relacionadas às preocupações suíças, que explicarei detalhadamente na pergunta a seguir… Mas é interessante analisar o jornalismo suíço em comparação com o brasileiro. Como o país é bastante pequeno e depende da exportação de seus produtos, é curioso notar que a mídia reserva um espaço importante para a cobertura de questões internacionais, às vezes com análises profundas de temas externos, característica não vista na mídia brasileira, que já tem muitos problemas internos com que se ocupar. Também é importante citar a falta de crítica na imprensa. Conversando com outros jornalistas na Suíça, pude confirmar minhas impressões a esse respeito: o jornalismo suíço critica menos as decisões governamentais, incluindo até tópicos como a pandemia de Covid 19.

Um dos colegas com quem conversei acha que a imprensa do país é muito diferente da alemã, que é conhecida por suas duras críticas, por exemplo, a Angela Merkel e suas decisões. Ligada a esta observação, avalio que a Suíça está de alguma forma orgulhosa do país que eles construíram, e talvez qualquer crítica deva ser contida para não desestabilizar essas conquistas. Outra impressão partilhada com colegas é o fato de o Parlamento ter representantes de todos os partidos e o Governo não ter uma oposição real, recebendo também por isso menos críticas. Com base na minha formação intercultural, acrescentaria o aspecto cultural da neutralidade, tão presente na sociedade suíça. Parece difícil para eles tomarem um lado e, quando optam por criticar, fazem isso com muito cuidado. A polidez é outro traço cultural forte deste povo.

EMJ – Quais são os problemas mais relevantes do país?

LTB – Vou trazer os cinco maiores problemas, cujas informações foram retiradas do Worry Barometer, conhecida pesquisa publicada anualmente pelo Credit Suisse e pelo gfs.bern Research Institute. O estudo colocou algumas questões para milhares de suíços em uma pesquisa nacional e as respostas classificam as cinco principais preocupações dos cidadãos. Por coincidência, compartilho a mesma impressão que as descobertas do Barômetro. De acordo com os resultados, as principais preocupações assinaladas em 2018 – bem como a forma como elas evoluíram a partir de 1995 – fornecem uma boa percepção sobre a mentalidade do povo suíço.

O problema número um está relacionado ao sistema de pensões e aposentadorias, especialmente devido ao envelhecimento da população. A questão principal é, de acordo com a pesquisa: “Ainda receberei pensão daqui a 30 anos?” Especialistas explicam que a dificuldade dos políticos em encontrar uma solução para a maioria das pessoas também teve um impacto na confiança dos cidadãos. Logo abaixo, em segundo lugar no ranking, vem o preço do seguro de saúde. A terceira preocupação está relacionada ao receio da migração. Durante sua campanha, o Partido do Povo teve sucesso em combinar questões como “crime” e “estrangeiros”. O item número quatro está relacionado ao número de requerentes de asilo e refugiados. O último diz respeito à proteção ambiental.

EMJ – Como você avalia a cobertura dos direitos humanos e das minorias na mídia suíça?

LTB – Acho que cobertura desse assunto ainda tem lacunas e teria alguns caminhos para ser melhorada, seja se abrindo mais para a diversidade ou se posicionando pela inclusão de minorias. Este assunto é eventualmente abordado, mas tenho a impressão de que não está realmente na ordem do dia. Ainda assim, como a migração é um tema muito relevante — e às vezes até inquietante —, vejo-o cada vez mais no noticiário diário, já que 25% da população do país é formada por estrangeiros.

Embora os migrantes sejam tratados com respeito, algumas reportagens são tendenciosas. Por exemplo, se um ladrão for pego pela polícia e for estrangeiro, eles mencionarão primeiro sua nacionalidade, o que é uma informação desnecessária e só contribui para a construção de estereótipos.

Parece que os direitos das mulheres e as políticas igualitárias de gênero estão recebendo mais atenção do jornalismo diário. Até mesmo porque isso afeta a vida cotidiana quando se trata de salários e diz respeito à metade da população nativa, as mulheres suíças. Acho que a agenda das mulheres tem ganhado importância ao longo dos anos, em alinhamento com as tendências internacionais, embora estudos de disparidade de gênero mostrem que elas ainda ganham quase 12% menos do que os homens.

EMJ – Recentemente, você publicou um artigo no Observatório da Imprensa em que afirma que o jornalismo precisa “desglamourizar” a vida dos migrantes. O que exatamente é esse “glamour” e por que ele aparece na cobertura da imprensa?

LTB – Escrevi sobre a necessidade de “desglamourizar” a migração porque muito do que lemos na imprensa brasileira é sobre as maravilhas de morar no exterior. Algumas manchetes de jornais confundem as pessoas com informações sobre como é maravilhosa a qualidade de vida na Suíça ou referindo-se aos suecos como os cidadãos mais felizes do mundo, por exemplo. Essas mensagens levam o leitor a uma imagem do paraíso, de que “sim, você pode facilmente vencer na vida morando acima da Linha do Equador”. E não é bem dessa forma. Claro, esses países têm uma qualidade de vida particularmente boa, mas nós, como estrangeiros, estamos incluídos nessas vantagens de bem-estar? Nem sempre.

Além disso, queria ressaltar que pouco se fala sobre as dificuldades e os problemas que os brasileiros ou outro grupo de migrantes enfrentarão no exterior. Há pouco espaço para abordar as diferenças culturais e como elas podem afetar o migrante brasileiro, sobre como lidar com a solidão e como enfrentar o fato de que nossos diplomas não são realmente aceitos por um grande segmento do mercado de trabalho na Europa ou na América do Norte.

EMJ – Quando falamos de jornalismo regional e local, dizemos respeito à cobertura das particularidades da vida em comunidade. Como isso funciona no jornalismo suíço? Quais temas aparecem com mais frequência?

LTB – Nesta área específica, devo dizer que a imprensa suíça não fala adequadamente com, ou sobre as comunidades locais do país. Digo isso com base em um exemplo claro. Já mencionei que os migrantes representam uma parte importante da população, portanto, a imprensa suíça deveria se comunicar com eles. Mas isso não acontece. O país tem, por exemplo, um serviço online de notícias e informações escrito em dez idiomas chamado Swissinfo.ch, para o qual também contribuo com artigos. Mas a mensagem deles é clara: nosso alvo são os suíços que moram no exterior e as pessoas ao redor do mundo que têm interesse no país. Isso significa que os interesses das comunidades que vivem na Suíça não são discutidos. Assim, avalio que exista uma lacuna na comunicação.

Claro, isso não significa que essas comunidades sejam totalmente ignoradas. A mídia fala sobre eles, aborda — não o tempo todo — suas necessidades e problemas, como questões de integração, aprendizagem de línguas, salários ruins, ilegalidade, tráfico de pessoas etc. Mas eles poderiam ser tratados a partir de outros ângulos e com maior frequência se as comunidades fossem incluídas ou se jornalistas estrangeiros residentes no país fossem convidados a contribuir mais.

EMJ – A mídia social mudou o jornalismo na Suíça nos últimos 20 ou 30 anos? Em caso afirmativo, como você avalia essa mudança?

LTB – Sim. Na minha percepção e de outros jornalistas, profundamente. De acordo com o estudo Qualidade da Mídia (Universidade de Zurique, 2018), a confiança dos suíços na mídia profissional do país ainda é alta. Dos treze países pesquisados, a Suíça, junto com a Suécia e a Holanda, está entre os países com melhor desempenho nesse aspecto, segundo dados do Reuters Institute, de 2018. Essa confiança intacta é a expressão de uma qualidade de mídia ainda predominantemente boa, como pudemos constatar novamente por meio de nossas análises este ano.

No entanto, a mudança estrutural do público impulsionada pelo digital se acentuou durante o ano em estudo. Por causa das plataformas digitais — ou seja, a crescente influência de agentes de tecnologia globais, como Google e Facebook — a mídia informativa suíça perdeu terreno e continua em espiral descendente. A proporção de jornalistas tem caído desde 2011, enquanto o número de funcionários no setor de RP está crescendo de forma constante. Além disso, o segmento de público suíço de “cauda longa”, com grande alcance, mostra-se preocupado com a concentração da mídia — fenômeno não exclusivamente suíço, mas global.

EMJ – Como o jornalismo está cobrindo a pandemia de Covid-19 no país? O que você pode dizer sobre as questões de informação científica e de interesse público na mídia sobre essa questão?

LTB – Do meu ponto de vista, a mídia suíça está fazendo um bom trabalho. Jornais, TV e rádio atualizam a população todos os dias com números, tendências, análises de especialistas e novas descobertas sobre o vírus. Devo frisar que nada se compara à TV Globo (no Brasil), que trouxe especialistas o dia inteiro nos primeiros três meses da pandemia no ano passado. Ao longo de sua programação, a TV Globo entrevistou médicos, enfermeiras e virologistas, respondendo de forma didática às dúvidas da população. Como eu disse na resposta anterior, a imprensa suíça não é muito crítica em relação a algumas decisões governamentais. Os jornalistas são muito cautelosos ao criticar, por exemplo, o atraso no programa de vacinação contra a Covid.

EMJ – Como você avalia a formação de jornalistas na Suíça? É possível comparar com a sua experiência na Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro?

LTB – Minha impressão é que estudar Jornalismo no Brasil é mais completo do que na Suíça. No entanto, para mim, é difícil comparar porque me falta a experiência nos chamados “estudos complementares” – que é a exigência profissional aqui para trabalhar na área. Os jornalistas na Suíça não precisam de diploma universitário, como era válido no Brasil no passado. Embora não seja obrigatório, de acordo com um estudo feito pela Escola de Linguística Aplicada de Zurique (ZHAW), denominado Mundo do Jornalismo, os jornalistas suíços tendem a ser bem formados: 69,6 por cento dos entrevistados possuíam diploma universitário (24% com bacharelado; 42,3% com mestrado e 3,3% com doutorado). X

Esta entrevista faz parte de uma série sobre jornalismo no mundo, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor — Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium

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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: EnioOnLine.