O jornalista Roman Protasevich virou troféu de caça do presidente-ditador Alexander Lukashenko, de Belarus. Para capturar o jovem jornalista de 26 anos, considerado seu principal crítico, Lukashenko não hesitou em cometer o primeiro ato oficial de pirataria aérea, obrigando um avião de passageiros da Ryanair a desviar de sua rota e aterrissar em Minsk, capital do Belarus.
Junto com o jornalista, foi presa sua companheira de nacionalidade russa, Sofia Sapega, de 23 anos, já condenada a dois meses de prisão. Ela não pôde contar com o apoio do seu país, pois a Rússia apoia o regime Lukaschenko, cuja reeleição fraudulenta no ano passado não foi reconhecida pela União Europeia. No seu despacho sobre o ocorrido, a agência Tass adotou a versão fantasiosa da existência de uma bomba no avião. Justificando ter enviado um caça Mig (russo) para convencer a equipagem do avião da Ryanair a descer em Minsk, Lukaschenko disse ter recebido um telefonema vindo da Suíça. Mentira tem pernas curtas, as autoridades suíças desmentiram ter havido qualquer telefonema.
No segundo despacho distribuído para a imprensa internacional, a agência Tass deu uma versão mirabolante da prisão de Roman — na busca da “bomba” acharam Roman entre os passageiros, que foi preso não por suas atividades como blogueiro mas por atividades contra Belarus, faz alguns anos, num grupo de extrema-direita na Ucrânia. Essa versão acabou sendo publicada no site do Times de Londres, enviada pelo correspondente em Moscou, para ser retirada algumas horas depois a pedido do próprio correspondente, por vir de fonte não confiável. Desceram também em Minsk quatro passageiros desconhecidos: eram policiais do serviço secreto de Belarus que seguiam Roman.
As primeiras notícias chegadas de Minsk, capital do Belarus, sobre o jornalista, depois de sua prisão, eram de ter dentes quebrados, ter sido torturado e sofrido golpes pelo corpo, dos quais ficou uma mancha escura na testa. Essa foi a segunda prisão de Roman — na primeira vez, ele mesmo havia contado, bateram tanto no seu ventre, atingindo rins e fígado, que chegou a urinar sangue por três dias.
Dois dias antes da prisão de Roman, um opositor ao presidente-ditador, Vitold Ashurok, tinha morrido nas dependências da polícia secreta de Belarus, uma espécie do DOI-Codi de São Paulo — onde foi assassinado o jornalista Vladimir Herzog. O nível das torturas e crueldades foi tanta que o corpo foi entregue à família todo envolto em gazes e esparadrapos, exceto a boca e os olhos, como uma múmia.
Desta vez, diante da reação imediata da União Europeia e da repercussão mundial, Lukaschenko não podia enviar o jornalista ao hospital ou ao cemitério. Mas obrigou Protasevitch, editor no YouTube e Telegram do importante canal de oposição Nexta (Alguém), a falar, mostrar estar vivo diante da câmera da televisão estatal e “confessar” ter sido o responsável por agitações contra o governo. Com essa confissão, Roman pode pegar, no mínimo, 15 anos de prisão.
Ninguém acredita na hipótese de Lukaschenko libertar Roman e deixá-lo partir para Vilnius, capital da Lituânia, onde vivia como exilado. Porém, esse caso de pirataria qualificado de inominável provocou uma união dos 27 dirigentes dos países da União Europeia, isolando Belarus das rotas aéreas, com sérias consequências econômicas. O único ponto fraco foi a Comissão Europeia de Transportes da UE ter se felicitado com a continuação da viagem para os outros passageiros, sem Roman e sua namorada. De acordo com a Comissão de Assuntos Estrangeiros da UE, ambos estavam sob a proteção europeia, garantida pela Convenção de Genebra de 1951. Em junho, na reunião com a UE, a Rússia de Putin decidirá se vai aderir ao boicote contra Belarus e fazer pressão sobre Lukaschenko.
Jornalistas em geral
Diante disso, é normal muito estudante aspirante a jornalista ter calafrios e pensar em usar o aprendizado em alguma profissão paralela, seja em publicidade, traduções ou edição de livros, e evitar jornais e blogs de oposição. A profissão de jornalista, mais precisamente a de jornalista blogueiro (que atinge maior número de pessoas com as novas tecnologias e tem maior penetração e influência pelo contato quase direto com seus ouvintes e seguidores) se tornou mais perigosa, nos países não totalmente democráticos.
Num recente estudo e levantamento publicado no Knight Center com base em dados divulgados por entidades como Repórteres Sem Fronteiras e Anistia Internacional, fica-se sabendo terem sido assassinados nos últimos dez anos, no México, Honduras, Colômbia e Brasil, apenas nestes quatro países, 139 jornalistas. Um estudo sobre mortos e desaparecidos, da Comissão Nacional da Verdade, informa ter havido 421 pessoas mortas e desaparecidas durante os anos da ditadura militar (1964-1985). Entre eles 22 pessoas eram jornalistas.
Além do assassinato do jornalista da TV Cultura, ex-Estadão, Vladimir Herzog, tornado de conhecimento público, divulgado e denunciado pela imprensa, houve assassinatos mantidos em segredo ou sem divulgação pública. Entre esses, o do santista Luiz Merlino, assassinado no DOI-Codi, logo depois de ter retornado de uma viagem à Europa. Tinha trabalhado no Jornal da Tarde e no Jornal do Bairro.
Os riscos, em todo mundo, incluem casos extremos de atentados e assassinatos, prisões com ou sem processo e um tipo de pressão bastante coercitiva, agora utilizado pelo governo Bolsonaro no Brasil, como são as ameaças de processo com multas ou pagamento de pesadas indenizações pecuniárias. Quem se notabilizou nisso, fazendo justamente o oposto do exigido por seu cargo, foi o ex-ministro da Justiça, André Mendonça, advogado e pastor, que faz parte do grupo de evangélicos pertencentes ao governo Bolsonaro, contra o qual foi apresentada uma denúncia ao Supremo Tribunal de Justiça por uso abusivo da Lei de Segurança Nacional, um legado da época da ditadura.
Esse pedido foi apresentado logo após terem sido presos manifestantes por terem estendido uma faixa qualificando Bolsonaro como genocida. Todos foram libertados, exceto Rodrigo Pilha, militante petista. Essa ofensiva contra a oposição ao presidente acabou fracassando porque diversos inquéritos abertos foram anulados. Os mais recentes inquéritos anulados tinham como alvo o cartunista Renato Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat.
A punição mais comum — e um grande número de jornalistas já experimentou isso — é a simples demissão por delito de opinião, se assim podemos definir. Mas o que é um delito de opinião? O caso mais recente e mais flagrante foi o ocorrido com o jornalista J. P. Cuenca e o Serviço Brasileiro da rádio alemã Deutsche Welle, baseada em Berlim. Por ter feito um tuíte pessoal, na sua rede, com uma frase atribuída a Diderot e Voltaire, mas originária do abade Jean Meslier, do século XVII, Cuenca perdeu o emprego que mantinha na Deutsche Welle. Ou seja, a frase não foi pronunciada e nem incluída num programa da DW. Mesmo assim, Cuenca foi demitido. Foi um caso típico de delito de opinião.
A frase original era “O homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre.” E a versão de Cuenca, distribuída no tuíte foi: “O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal.” Ironia e gozação, que nem todos apreciaram…
Como se não bastasse, pastores da Igreja Universal dispersos pelo Brasil decidiram processar João Paulo Cuenca. No total, foram 143 processos, no valor total de mais de dois milhões de reais. Parece que esse pesadelo de Cuenca já passou, mas é suficiente para bem demonstrar até onde pode levar um delito de opinião! Em síntese, se quiser ser jornalista pense bastante. Nem me pergunte como vim parar aqui na Europa. Se quer uma profissão respeitada e protegida por Deus (eu digo Zeus) faça teologia, seja pastor evangélico! E se já vendeu barbatanas para colarinho ou água em pó na Praça da Sé, nem precisa do curso de teologia!
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.