Rogelio Villarreal é um jornalista mexicano independente, com uma carreira de mais de 45 anos focada na área cultural. Em 1975, começou a estudar jornalismo na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM). Embora não tenha concluído sua formação, iniciou suas atividades como jornalista, ao mesmo tempo em que trabalhava como revisor e, mais adiante, como editor e promotor cultural.
Desde os anos 80, ele escreve para veículos culturais, tendo fundado três revistas, editado outras tantas, além de organizar e participar de atividades do setor. Villarreal é o autor dos livros Fotografía, Arte y Publicidad (1979), Aspectos de la Fotografía en México (1981), Cuarenta y 20 (2000), El dilema de Bukowski (2004), El Periodismo Cultural en Tiempos de la Globalifobia (2006), Sensacional de Contracultura (2009), El Tamaño del Ridículo (2009) e ¿Qué hace usted en un Libro como Éste? (2015).
Recentemente, Villarreal foi distinguido como “Criador Emérito” pela Secretaria de Cultura do Estado de Jalisco. Atualmente, ele combina as funções de escritor, jornalista e diretor da revista Replicante com seu trabalho docente no Instituto Tecnológico y de Estudios Superiores de Occidente (Iteso). A seguir, uma conversa com ele sobre jornalismo, cultura e democracia no México.
Enio Moraes Júnior – Você é um jornalista atento à cultura e à contracultura, à arte e à literatura. Até que ponto o jornalismo cultural produzido no México é produto e produtor da qualidade da democracia no país?
Rogelio Villarreal – Eu gostaria de manter as devidas e necessárias proporções, pois neste país os jornalistas, intelectuais e acadêmicos sempre participaram muito ativamente dos assuntos públicos, desde os grandes liberais do século XIX – mesmo alguns conservadores – até aqueles que agora debatem a qualidade de nossa democracia em jornais, revistas, programas de televisão e rádio, em uma variedade de plataformas eletrônicas, assim como em organizações civis que defendem a transparência e a responsabilidade. Agora vivemos tempos difíceis, muito críticos e, como em outros países, a sociedade está dividida entre o apoio incondicional a um governo que na realidade é conservador, autoritário e populista, e as críticas duras, sérias e consistentes a isso: a uma administração fingida, que se disfarça de esquerda democrática e que foi capaz de enganar milhares de intelectuais. Na mídia e nas redes sociais, esta polarização se expressa de maneiras diferentes, desde zombarias, insultos e desqualificações até argumentos sérios com dados e testemunhos. E todas as manhãs, o Presidente (da República) passa horas desqualificando, expondo ou insultando jornalistas que não concordam com suas políticas e que negam ou corrigem seus muitos dados falsos.
De minha parte, documentei o desmantelamento progressivo do setor cultural do governo antes mesmo de o Presidente López Obrador tomar posse. Algo que acho angustiante e lamentável, é que muitos jornalistas e comunicadores que costumavam criticar os governos corruptos do PRI (Partido Revolucionario Institucional) e do PAN (Partido Acción Nacional) estão agora se esforçando para defender um Presidente que vem do antigo PRI e que aplica todas as práticas antigas e sujas de um partido que é emblemático de corrupção, arbitrariedade e simulação. Particularmente desconcertante é o caso dos “moneros-cartonistas”, humoristas que tradicionalmente criticam todos os governos, e que se dedicam a ridicularizar toda a oposição – uma oposição desarticulada, sem ideias ou propostas, é verdade -, mas nunca tocam no Presidente sequer com a pétala de uma rosa, apesar do óbvio desastre na economia, na educação, na saúde… e na cultura. É triste que eles acreditem que López Obrador encarna um projeto de esquerda, e que eles vivam confortavelmente defendendo seu governo e não raro trabalhando para ele.
EMJ – O que dizem os principais meios de comunicação mexicanos sobre a vida cotidiana do país, quais são os problemas mais relevantes e quais as questões que aparecem com mais freqüência?
RV – Os principais jornais e revistas destacam a violência diária extremamente grave no país, muito dela derivada do poder crescente do crime organizado e da política questionável do presidente, de “abraços, não balas”, o que se traduz em impunidade e maior agressão dos narcotraficantes contra a população e até mesmo contra o exército. É impressionante que em uma de suas falas matinais, o presidente se referiu a El Chapo como ‘Don Joaquín’: “Me custa chamá-lo de Chapo”, disse ele. Em uma fala matinal em Culiacán, um jornalista perguntou ao presidente se havia alguma investigação para descobrir quem era o responsável pela operação fracassada em 17 de outubro de 2019, quando os assassinos do Cartel de Sinaloa paralisaram a cidade com sangue e fogo para libertar o filho de El Chapo, Ovidio Guzmán. López Obrador disse que foi ele quem deu a ordem para libertar Guzmán. Um ano depois, em outra viagem a Sinaloa, o presidente apertou a mão da mãe de El Chapo, que lhe havia entregado uma carta na qual ela lhe pedia que intercedesse para visitar o criminoso em Nova York. Além das suspeitas contundentes de cumplicidade, deve-se ter em mente que o narco tem uma grande influência sobre uma parte significativa da população; há milhares de canções e uma narcocultura que está espalhada por todo o país.
É claro que a mídia pró-poder tem o cuidado de não ser muito crítica às decisões do presidente, tais como militarizar o país e confiar ao Exército mais e mais funções. Se pensarmos nisso, as ditaduras de esquerda têm sido tão militaristas quanto as ditaduras de direita.
EMJ – Quando falamos de jornalismo regional e local, pensamos nas particularidades das comunidades locais. Como este tipo de jornalismo funciona no México? Quais são os assuntos pautados com mais frequência?
RV – O orçamento para a cultura foi reduzido em uma grande porcentagem, assim como a mídia. A publicidade oficial para a mídia foi cortada e as páginas de cultura foram as primeiras a desaparecer. Existem algumas revistas e portais em todo o país que se dedicam a divulgar e pensar sobre a cultura, muitos deles em condições precárias, mas que fazem um trabalho importante e necessário. Os governos locais estão mais interessados em propaganda e promoção, por isso organizam atividades maciças, como concertos e festivais. E é do interesse da mídia cobrir estas atividades a fim de obter recursos.
EMJ – As redes sociais mudaram a forma como as notícias são produzidas em todo o mundo. Quais são os aspectos positivos e negativos dessa mudança no México, especialmente para o jornalismo cultural?
RV – Esta questão também se reflete no campo da cultura. As autoridades culturais divulgam e promovem suas atividades com tons triunfalistas, como o diretor do Fondo de Cultura Económica (FCE) ou o secretário federal de Cultura. Tudo o que eles fazem é ‘grandioso’, ‘exclusivo’ e para ‘o benefício do povo’. Por outro lado, há jornalistas culturais que são muito críticos e que expõem este triunfalismo oco. Uma notícia, por exemplo, diz que “Antes de seu primeiro ano como diretor da FCE, Paco Ignacio Taibo II ordenou a aquisição de uma coleção de livros que ele havia editado anos atrás, incluindo um romance de sua autoria (La Vida Misma), sob contrato com uma editora espanhola, Júcar, hoje extinta” (tradução nossa). Há centenas de exemplos desse tipo de prática, infelizmente.
EMJ – “Ninguém realmente se importa com a cultura, parece que se trata apenas da busca incessante por prêmios, reconhecimento, prestígio” (tradução nossa), foi assim que você criticou um tipo de prática no jornalismo cultural mexicano. Como é fazer jornalismo cultural em um país tão colorido e contrastante, cheio de dificuldade e força, como é o México?
RV – Não é uma profissão heroica ou especial. É um trabalho que deve ser feito com responsabilidade e preparação, embora seja verdade que na maioria dos lugares – jornais, revistas, portais, instituições – seja uma atividade mal paga e com excesso de trabalho. Felizmente, ainda existem incentivos, bolsas de estudo e prêmios, que são muito necessários em tempos de dificuldades econômicas, mas isto não resolve o problema. Não somos jornalistas ameaçados de morte por traficantes de drogas ou por governadores, como aqueles que cobrem estes setores (no atual governo López Obrador, desde dezembro de 2018 houve cerca de dois mil ataques contra a imprensa, incluindo 40 assassinatos, 15 até agora este ano). No máximo, somos inconvenientes, ignorados, acusados de mentir ou de ser contra uma verdadeira transformação da vida pública no México. A promoção e a difusão da cultura, assim como a crítica, são parte importante de uma sociedade democrática que exerce seus direitos políticos com base na educação, na informação e na preparação, na sensibilidade.
EMJ – Como você avalia o compromisso social nos programas de formação de jornalistas no México? O que pensa sobre o futuro de nossa profissão em seu país?
VR – Haverá sempre jornalismo e jornalistas. A tecnologia ajudou em grande parte a renovar a profissão, proporcionou-lhe novas ferramentas muito eficazes, mas no final o que importa é a ética, a deontologia da profissão: você pode tomar partido, mas não minta, não exagere, não difame… Ensino jornalismo na Iteso, uma instituição que se preocupa com o compromisso com a sociedade, onde se formaram jornalistas exemplares, como Alexandra Xanic, vencedora do Prêmio Pulitzer em 2013, ou um caso curioso porque ela não estudou jornalismo: minha ex-aluna do Creative Writing Workshop, Ana Karina Zataráin, que já publicou várias reportagens no The New Yorker. Essa é minha maior motivação: saber que a grande maioria do jornalismo ainda é crítica ao poder.
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Notas
Esta entrevista faz parte da série “Jornalismo no Mundo”, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.
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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: Enio OnLine.