Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

A imparcialidade jornalística diante do dilema da polarização eleitoral

O jornalismo deve ou não tomar uma posição diante da previsível polarização ideológica nas eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos? A pergunta viralizou nos debates entre jornalistas, tendo como ponto de partida um artigo publicado no jornal norte-americano Philadelphia Inquirer questionando o papel da mídia num evento onde a tradicional regra da neutralidade é posta em dúvida por diversos atores políticos.

O mesmo dilema se apresenta também aqui no Brasil diante da polarização política entre bolsonaristas e lulistas que, segundo previsões de institutos de pesquisa de opinião, deve contaminar as eleições municipais do ano que vem. A crise de identidade dos chamados partidos de centro está reduzindo o espaço disponível pelos repórteres políticos para praticar a equidistância informativa e os coloca numa situação muito parecida a dos correspondentes de guerra.

A dinâmica da polarização política empurra o jornalismo na direção da lógica do engajamento, adotada pela maioria dos exércitos do planeta em relação à participação de jornalistas nas frentes de combate. Hoje, as forças armadas exigem que repórteres, fotógrafos e cinegrafistas façam parte e sigam os mesmos procedimentos adotados por soldados em áreas de confronto. Alguns exércitos exigem jornalistas usando uniformes de combate e outros, como testemunhei na antiga Rodésia (hoje Zimbabue), chegaram a exigir o uso de armamento para autodefesa do jornalista.

Para um repórter que está num front de combate, esta exigência de identificação com os soldados que ele acompanha até faz algum sentido, especialmente na cobertura de guerrilhas, onde o risco de ser confundido com o inimigo é altíssimo. O problema é que isto compromete o princípio da isenção numa cobertura jornalística e o profissional acaba colocado diante de um dilema de difícil solução. Quem foi correspondente de guerra já viveu este drama de consciência na hora de produzir uma reportagem no campo de batalha.

A lógica do engajamento surge nas coberturas de campanhas eleitorais nos mais diversos países do mundo, porque partidos e candidatos exigem de repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e influenciadores digitais a mesma postura cobrada por comandantes militares dos correspondentes de guerra em frentes de combate. Para obter notícias relevantes e acesso a fontes de informação, os repórteres acabam forçados a integrar bolhas informativas montadas por candidatos e partidos.

A guerra da desinformação

O dilema colocado pelo engajamento informativo em coberturas eleitorais ganha uma importância ainda maior no contexto da “guerra da desinformação” já em curso nas redes sociais virtuais. O caos noticioso provocado pela multiplicação de notícias falsas como arma principal na polarização ideológica está desmontando a tradicional estratégia da imprensa de dar às campanhas eleitorais uma aparência de “corrida de cavalos” onde as apostas políticas são alimentadas pelas pesquisas de opinião.

A polarização cria uma tendência ao extremismo na medida em que qualquer acusação ou suspeita levantada por um dos lados em conflito leva o outro a ser ainda mais radical, o que acaba levando repórteres, editores e comentaristas a terem que participar de um tiroteio informativo na cobertura de processos eleitorais.

O jornalismo precisa repensar suas estratégias e práticas no novo contexto digital das campanhas eleitorais para avaliar como dar às pessoas informações confiáveis e isentas num ambiente marcado por um crescente tribalismo ideológico e por um nebuloso identitarismo partidário.
Técnicas como a checagem de fatos para desmontagem de notícias falsas tendem a se tornar cada vez mais essenciais, especialmente depois de recentes decisões de plataformas digitais como a X (ex-Twitter), de liberar todo tipo de mensagem político-eleitoral. A necessidade do fact checking tornou-se um item informativo de primeira necessidade para as pessoas diante da multiplicação de notícias falsas. Mas a grande imprensa ainda usa a checagem mais como ferramenta de marketing do que como um antídoto essencial aos efeitos destruidores da polarização política.

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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.