Diante de mim, os exemplares da semana do jornal suíço do qual sou assinante, Le Temps, editado em Genebra. Não irei à sala da imprensa perto do Palácio Federal para consultar os jornais editados em outras cidades, como Zurique, mesmo porque, como sempre, estou atrasado e serei obrigado a tomar o bonde.
E o carro? Aqui na Suíça vamos perdendo o hábito desse transporte individual, por ser poluente (os suíços são cada vez mais conscientes da mudança climática) e porque seria difícil achar onde estacionar. A política da cidade é a de acabar com os estacionamentos.
Ainda nos meus tempos de Rádio Suíça Internacional, quando a esquerda desdenhava a política ambiental como artimanha do capitalismo (alguns de meus companheiros de hoje continuam considerando prematura a luta pelo feminismo, porque primeiro deve vir a revolução contra o imperialismo e o capitalismo!), meu hábito era o de estacionar o carro na praça em frente ao Palácio Federal. Esse estacionamento acabou, agora o local é destinado a diversas atividades da população.
Não seria nada mal tomar o bonde porque ele atravessa uma ponte sobre o rio Aare e hoje, dia ensolarado de uma primavera antecipada, seria uma bela vista para começar o dia. Não, eu iria acabar me distraindo e ficaria ainda mais atrasado com meu texto semanal. Mesmo porque, também aqui na mesa estão ligados meus dois computadores (um preto e um branco, maneira singela de mostrar ser contra qualquer tipo de supremacia de cores) e o celular. Qualquer dúvida sobre um tema internacional é só abrir um jornal local pela Internet.
Ah, ia me esquecendo, ali na minha frente está acesa uma tela do meu televisor, no qual posso fazer marcha-à-ré e ouvir os telejornais da semana ou, ainda ter as notícias da última hora, consultando o teletexto que se atualiza com a entrada de novas notícias. Por exemplo, neste momento, a principal notícia é o protesto da China pelo voto do Congresso americano relacionado com a rede social TikTok, suspeita de poder agir contra a segurança nacional norteamericana.
Tudo bem, me dirá um atento e assíduo leitor, porém a maior parte de seus textos no OI (como se abrevia o Observatório da Imprensa) se relaciona com o Brasil é só ir neste índice para ver (https://www.observatoriodaimprensa.com.br/autor/rui-martins/).
É verdade, respondo, porque sempre me achei profissionalmente ligado ao Brasil, pois minha vida de correspondente me exigia acompanhar de perto tudo que se passa no país, não só politicamente. Poderei também acrescentar na minha resposta ao atento leitor, que devo muito de minha assiduidade aos temas brasileiros à minha preocupação com o risco representado pela ascensão do populismo religioso na pré-campanha eleitoral das eleições de 2018.
Bom conhecedor do protestantismo brasileiro e de sua adesão ao golpe de 1964, fui dos primeiros a antever a utilização e transplante do fundamentalismo evangélico norteamericano para o Brasil e seu casamento com uma nova versão populista da extrema direita brasileira. Mesmo assim, me chamou a atenção a rapidez com que as Assembleias de Deus e neopentecostais se multiplicaram e se expandiram pelo Brasil.
As campanhas de esquerda por transformações sociais favorecendo os mais pobres foram suplantadas pelos cultos de pastores prometendo aos “crentes” uma teologia da prosperidade, uma melhor integração dentro da sociedade de consumo e até mesmo melhor saúde com cura divina. “Você entra na Igreja Universal com um Fiat Uno e sai com um Corolla”, sintetiza um pastor a entrada na igreja e no reino de Deus.
As más previsões se confirmaram e toda semana, nos quatro anos bolsonaristas, não faltavam temas brasileiros. Isso sempre me foi possível porque como todo correspondente tenho acesso diário a jornais revistas e ainda tenho acesso as redes sociais de tendências diferentes e recebo, sem pedir, fake news disparadas pelos bolsonaristas.
E, então, qual o menu, o cardápio para hoje, nacional ou estrangeiro? Que tal o encontro Donald Trump e o húngaro Viktor Orban, na Flórida, no qual trataram de um reforço do nacional populismo internacional? Alguma coisa mais europeia? Poderia ser a ameaça do uso de armas nucleares contra a Europa, depois do presidente francês Emmanuel Macron ter falado num possível envio de tropas francesas para a Ucrânia na luta contra a Rússia.
Ou alguma coisa bem brasileira como a escolha do deputado federal Nikolas Ferreira para presidir a Comissão de Ensino e Educação da Câmara, juntando uma pitada de ironia, lembrando ter circulado um vídeo no qual o deputado federal, de formação universitária jurídica, não rejeita (para não decepcionar muitos de seus eleitores) o terraplanismo e outro vídeo, ao lado do governador Romeu Zema, confirmando seu negacionismo com relação à obrigatoriedade da vacinação de crianças nas escolas.
Sinceramente, minha escolha de tema para hoje seria para um filme que ainda não vi mas sobre o qual já li muita coisa. Inclusive um comentário de quem além de jornalista, é polonês, e conhece a história e a região filmada. Eh, Ulisses Iarochinski, seu nome, no seu portal Jarosinki do Brasil, onde conta ter ficado intrigado com o título do filme inglês, Zona de Interesse, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional.
E ficou sabendo, por um colega polonês, que Interessengbiet, em alemão, é uma área de 40 km ao redor do campo de Auschwitz. Ulisses viu o filme e escreveu um tocante texto sobre um tema bastante atual – o Genocídio, pelo qual me sinto obrigado a ver também esse filme.
Nesta altura, não há mais tempo para se escolher um tema para esta semana. Porém ficou a ideia para o leitor, de como se escolhe e se escreve um texto para o OI. Uma síntese, uma crítica ou uma contribuição pessoal? Deixo para o Alberto Dines responder.
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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Correio do Brasil.