A contínua multiplicação e ampliação das redes sociais na internet reduz gradualmente o papel do jornalismo na produção e publicação de notícias, ao mesmo tempo que obriga os profissionais a desempenharem cada vez mais a função de orientador, conselheiro ou curador de informações. Trata-se de um novo modelo de exercício da profissão que procura reverter o chamado negacionismo informativo, a forma encontrada por um número cada vez maior de pessoas para evitar a desorientação causada pelo excesso de notícias divulgadas na internet.
O exercício da curadoria jornalística de informações é um processo que ainda enfrenta resistências porque implica o abandono paulatino de uma cultura profissional vigente há quase 200 anos e que se concentrou na produção, formatação e publicação de notícias.
A rotina clássica do jornalismo não desaparecerá pois vai sobreviver em segmentos específicos da profissão, especialmente em grandes jornais impressos e telejornais. No entanto, ela está sendo empurrada para a curadoria de notícias sem chances de volta atrás. É o que se pode deduzir da avalanche de notícias produzidas nas redes sociais e nos veículos jornalísticos convencionais, responsável por fluxos frenéticos de dados numéricos, fatos, eventos e opiniões que confundem e desorientam leitores, ouvintes e telespectadores.
Numa mesma semana, houve o julgamento do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, a explosão de protestos na França, os desdobramentos da rebelião dos mercenários do grupo Wagner na Rússia, a CPMI dos atos golpistas em Brasília, o agravamento do conflito entre o governo Biden e a Suprema Corte de Justiça nos Estados Unidos, para citar apenas os casos mais comentados.
Não faltaram assuntos capazes de atrair a atenção do público, mas isto não foi suficiente para romper o gradual e contínuo descenso nos índices de audiência tanto na imprensa escrita como nos programas noticiosos audiovisuais. É que, paradoxalmente, no caso específico da avalanche noticiosa atual, a produção jornalística e o interesse público caminham em direções opostas. A causa está na incapacidade de maioria esmagadora das pessoas de lidar com tanta notícia, o que leva muita gente a simplesmente ignorar o noticiário, um fenômeno que preocupa os jornalistas.
A curadoria de notícias é uma das poucas alternativas disponíveis até agora para enfrentar o crescimento do número de pessoas que procuram se desligar da avalanche noticiosa. Trata-se de uma modalidade de filtragem de informações segundo as necessidades e desejos de um grupo de pessoas preocupadas em receber apenas os dados, fatos, eventos e opiniões de seu interesse direto. A prática já é bastante usada nos campos da economia, artes e tecnologia, mas só agora começa a ser aplicada no jornalismo como um antídoto aos efeitos desorientadores da superoferta de notícias.
Os news avoiders
Segundo o último relatório anual sobre a situação da imprensa no mundo, produzido pelo Instituo Reuters de Jornalismo, 41% dos brasileiros, cerca de 82 milhões de pessoas admitiram que são avessos à notícia, um termo livremente traduzido da expressão inglesa news avoiders. Em 2021, nada menos que 54% dos brasileiros admitiram que fugiam do noticiário. A queda foi causada pelas eleições presidenciais de 2022. Nos Estados Unidos, por exemplo, os news avoiders formam 42% da população, um dos índices mais altos entre os países ricos.
A avalanche informativa pela internet está provocando mudanças estruturais no consumo de notícias que ainda não foram plenamente percebidas pelas empresas jornalísticas nem pelo público. As empresas porque, na batalha pela sobrevivência, se jogam de corpo e alma na louca corrida por maiores audiências apostando na superoferta de notícias como principal estratégia para assegurar publicidade paga. Por seu lado, o público acaba evitando a notícia como um recurso básico para sobreviver à desorientação informativa no caos da internet.
Várias empresas na internet perceberam as ameaças embutidas no negacionismo informativo e lançaram projetos de curadoria de noticias, como é o caso do Google News, do Yahoo News Digest, Flipboard e do Circa News. São experiências parcialmente bem sucedidas de acordo com os pesquisadores sul coreanos Haeyeop Song, Jaemin Jung e Youngju Kim, autores do artigo Perceived News Overload and Its Cognitive and Attitudinal Consequences for News Usage in South Korea.
Eles defendem a tese de que a curadoria de notícias é uma alternativa eficaz para o combate às consequências da dificuldade das pessoas de lidar com a superoferta de informações. Mas a proposta ainda enfrenta resistências no meio jornalístico em todo mundo porque ela vai exigir uma redefinição de suas prioridades editoriais e também um novo modelo de sustentabilidade financeira. Mas estes são temas para um próximo artigo.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.