Em 28 de setembro aconteceu o World News Day. O Dia Mundial do Jornalismo, em tradução literal, é uma iniciativa que surgiu em 2018 e reúne mais de 800 organizações de comunicação ligadas à atividade jornalística. O objetivo é destacar a importância do jornalismo e, neste ano, reforçar o combate à desinformação por meio do mote “Escolha a verdade”.
Para isso, os participantes publicaram artigos e/ou organizaram ações que, nas palavras do O Globo no artigo “Um dia para o mundo valorizar a notícia”, enfatizam “o compromisso dos jornalistas, em todo o mundo, em relatar os fatos”. Um ponto fundamental é que os artigos consideram o contexto desafiador para os profissionais e para o público que é o super estímulo causado pela quantidade e toxidade da desinformação.
O conhecimento dos fatos é indispensável e o jornalismo tem se mostrado uma das melhores formas para que o público se informe. E na página do Worlds News Day há uma infinidade de textos que reforçam a importância e as contribuições da profissão a partir de reflexões de nomes importantes como o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo, Marcelo Rech, e seu artigo “Bem precioso”.
Contudo, precisamos ir além. Por isso, a proposta deste texto pode não ser tão encorajador para os jornalistas ou para pesquisadores, mas é tão complexa quanto e merece ainda mais atenção: qual o papel dos jornais na construção do que é democracia, assim como na própria compreensão do que é jornalismo?
Quando se analisam os jornais mainstream ou hegemônicos, como O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo, percebe-se que estes se apoiam na ideia de que são “fundamentais à democracia”. Contudo, ao observar a que democracia os jornais fazem referência em seus editoriais, nota-se que esta se reduz a ideia de um instrumento prático, manuseado pelo liberalismo antidemocrático, retomando o conceito de Chauí (2019).
Além disso, a atuação adversária em momentos de escândalos políticos, como ressalta Guazina (2011), parece colocar em xeque a ideia de “cão de guarda” e levanta questionamentos sobre os reais interesses do “gatekepeer”.
Um exemplo são os movimentos de junho de 2013, em que as elites políticas e econômicas se utilizam dos meios de comunicação para emplacar pautas que lhes eram úteis. Isto é, aproveitaram-se as insatisfações populares para propor caminhos que trouxessem respostas rápidas e simplistas a problemas complexos, criando-se uma narrativa de luta de bem contra o mal, que mais tarde virou um dos discursos adotado pelos extremistas que chegaram ao poder.
A associação de atores políticos, da mídia hegemônica e até mesmo de representantes de instituições públicas contribuiu para que esse discurso ganhasse corpo e voz, contribuindo para a fragilização da percepção de uma democracia ainda em construção. E, ainda mais grave, fomentou a narrativa sobre a incapacidade do povo em fazer boas escolhas, minando um dos pilares fundamentais do direito democrático. Situação que abre brecha para discursos antidemocráticos e os atos golpistas como o 8 de janeiro de 2023.
A omissão jornalística também pode ser antidemocrática
Quando os jornais colocam “panos quentes” nesses casos é tão grave quanto defender um impeachment motivado por interesses econômicos ou políticos. O que levanta a reflexão sobre como as empresas de jornalismo contribuíram para este cenário que se tornou a pauta do World News Day.
No Brasil, temos inúmeros exemplos, dentre eles como a imprensa colocou o extremismo de Bolsonaro como uma opção viável para a chefia do Estado, a celebração do “cumprimento” das normas democráticas ao apoiar o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 etc. Contudo, os grandes jornais acionam a democracia para legitimar o seu lugar de fala e seu papel social. Cabe, portanto, questionar que democracia é essa?
Há um abismo que separa a “democracia” acionada para embasar o impeachment daquela que é associada aos ideais democráticos utilizados para criticar a violência moral e física contra os jornalistas, ou ainda, daquela que protege o direito de escolha do cidadão.
Quando se analisam os jornais mainstream nota-se o esvaziamento ou ressignificação de sentido do conceito, que parece reduzido a um sistema político eleitoral, cujo efeito recai sobre a própria imprensa, que legitima o fazer jornalismo no ideal democrático. O resultado da fragilização da base dessa “lógica” atinge o sistema como um todo, aumentando o descrédito nos jornais e contribuindo para o crescente movimento de pessoas que deixam de ler os jornais e passam a se informar por meio das redes sociais.
Por isso, para nós pesquisadores de jornalismo, o World News Day é convite duplo: para reforçar, sim, a importância da profissão no papel de combate a desinformação, mas também (e talvez, principalmente) para que reflitamos sobre que tipo de jornalismo a grande imprensa tem exercido e como ele está impactando a sociedade.
Texto publicado originalmente em objETHOS
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Mariane Nava é Doutora em jornalismo pelo PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS