Vale se questionar: quais os ganhos de um modelo de negócios com grande produção de notícias, enquanto a “demanda”, ou seja, o interesse do público pelo produto está diminuindo?
Se a pergunta anterior for feita de maneira séria, vem acompanhada de um segundo questionamento: o que estamos fazendo para contribuir com este cenário e para responder a ele?
Evidente que não é apenas o fator jornalístico que está em cena. O primeiro ano da pandemia provou que não é o produto jornalístico ou o modelo de negócios que são decisivos para o comportamento do público. Com a alta do consumo e da credibilidade jornalística em 2020, ficou perceptível que o público considera os veículos de comunicação como fonte de informação confiável.
Porém, passados alguns meses de entendimento da pandemia e o retorno para uma “normalidade”, os índices de evasão voltaram a aumentar (no Brasil a evasão duplicou em 5 anos, saindo de 27%, em 2017, e alcançando os 54%, em 2022).
A relação da evitação de notícias com a saúde mental pode ser identificada pelos motivos listados pelos entrevistados, em que:
- 36% dizem que as notícias têm efeito negativo sobre o humor;
- 29% dizem que estão desgastados pela quantidade de notícias e
- 16% dizem que não há nada que possa ser feito com as informações.
É oportuno citarmos, também, que o índice de evitadores de notícia é maior entre pessoas com menos de 35 anos. Os dados apontam que a evitação de notícias faz parte de um comportamento geracional, em que os mais jovens dão espaço para as mídias sociais em detrimento dos veículos de comunicação. Entre os motivos para evasão de notícias entre os jovens, 15% diz que é difícil acompanhar notícias.
Assim, ainda que a evasão de notícias esteja dentro de um cenário amplo, há pistas do que jornalistas e veículos de comunicação podem fazer para responder uma transformação no modo de consumo de informação.
Ingredientes de notícias para humanos
O incômodo que a jornalista Amanda Repley sentia por estar consumindo cada vez menos notícias serviu como ponto de partida para sua coluna no Washington Post, sobre possibilidades para notícias mais alinhadas a um contexto de crescimento de evitadores de notícia.
Repley defende que as notícias, mesmo as impressas, não são mais projetadas para humanos, mas para vender. A influência das métricas na produção de notícias já reúne estudos e reflexões importantes, seus efeitos a curto prazo podem funcionar, mas estamos vendo que a longo prazo não há sustentabilidade.
No seu trabalho de investigação sobre produções jornalísticas mais conectadas com as necessidades humanas, a jornalista focou em elementos para além do interesse público (e interesse do público) para entrevistar médicos, cientistas comportamentais e psicólogos.
Ao analisar o fator humano e psicológico que contribuem com o “transtorno de estresse das manchetes” (tradução livre para “headline stress disorder”), a jornalista sugere três ingredientes que podem contribuir com notícias que causam menos fadiga e, consequentemente, diminuir a evitação de notícias:
- a esperança – biologicamente relacionada a baixos índices de depressão e ansiedade, a possibilidade de mudança é importante fisiologicamente para o ser humano;
- a “agência” – a possibilidade de ação diante de um cenário noticiado está relacionada à esperança e é mais evidente em produções sobre as mudanças climáticas e
- a dignidade – considerar o valor da vida, seja da fonte entrevistada ou do público, vistos como humanos e não, apenas, como parte do trabalho.
Apesar de conflitarem com gatilhos de interesse público que já estão em nosso imaginário, como a morbidez e a catástrofe, as perspectivas de Repley não parecem excludentes, mas sim complementares para as produções jornalísticas da atualidade.
Se, cada vez mais, a importância da saúde mental está sendo evidenciada, é natural pensar que ela deve ser considerada em nossas produções. Muitos desafios devem ser levados em conta, desde os conflitos organizacionais até a práxis jornalística, mas o fato é que não podemos continuar insistindo em um modo de produção se o modo de consumir está, evidentemente, mudando.