Tudo indica que o jornalismo deixará de ser, majoritariamente, um emprego na cadeia de produção industrial de notícias para se transformar, gradualmente, numa estrutura pública de comunicação, um termo ainda pouco conhecido, mas que coloca a profissão num contexto bem diferente do praticado atualmente pela maioria dos profissionais.
A mudança é uma consequência direta da digitalização da notícia. Até o surgimento da internet, o jornalismo dependia basicamente de empresas capazes de imprimir jornais e revistas, de emissoras de rádio ou TV. O jornalista se tornou um assalariado integrante de uma linha de produção com características industriais, contexto que acabou determinando um conjunto de rotinas, regras e valores.
Mas quando as novas tecnologias digitais alteraram drasticamente a forma como as notícias passaram a ser investigadas, redigidas e disseminadas, as empresas jornalísticas perderam o monopólio na utilização do jornalismo como sua principal fonte de renda. Além da multiplicação de profissionais autônomos graças a recursos como blogs, páginas na Web, sites de mensagens noticiosas, surgiram as redes sociais digitais que passam a ser a principal fonte de informação do público mais jovem.
As inovações digitais mostraram as limitações do campo jornalístico na era analógica e ampliaram extraordinariamente o âmbito da ação de repórteres, editores, comentaristas, fotógrafos, cinegrafistas e programadores ao torná-los parte integrante de uma rede planetária. Inevitavelmente, as transformações afetaram a forma como os jornalistas passaram a se inserir no conjunto da sociedade. Eles deixaram de ser meros provedores de notícias para se transformarem em elo indispensável ao vai e vem de dados, fatos e eventos em circulação na internet.
Estamos vivendo num ambiente movido a notícias. Até mesmo as conversas pessoais entre usuários de redes sociais são alimentadas por notícias, colhidas ou não em órgãos da imprensa, conforme a pesquisa do professor Christoph Raetzsch, da Universidade de Berlim. A observação sociológica dos fluxos de mensagens em redes sociais mostrou que eles passaram a girar em torno de notícias, o que acabou criando uma relação entre jornalistas e o público. Esta relação sempre existiu, mas era muito débil e ocasional. Agora, na era digital, ela se tornou constante como se pode observar no Twitter, WhatsApp, Instagram, entre outros.
Novos espaços informativos
Ao ser colocado neste novo contexto, os jornalistas passaram a ser simultaneamente produtores e consumidores de notícias o que os obriga a desenvolver todo um novo conjunto de procedimentos, normas e valores. O campo da produção de notícias foi ampliado para além das práticas de redação, edição e publicação. A nova realidade do jornalismo contemporâneo o obriga a resolver questões como sustentabilidade financeira, combate a fake news, coprodução de notícias com não jornalistas, robotização e narrativas multimídia.
São algumas das inovações que estão sendo desenvolvidas pelo jornalismo na prática concreta do relacionamento entre profissionais e não jornalistas dentro do sistema informativo definido como uma estrutura pública de comunicação. Esta é uma perspectiva capaz de mudar os rumos da profissão já que a relação dos profissionais com o seu público passa a ser muito mais intensa e direta do que num jornal impresso tradicional, por exemplo.
Os detalhes da forma pela qual o jornalismo se transformará numa estrutura pública de comunicação ainda estão sendo desenvolvidos, especialmente entre os pesquisadores acadêmicos da comunicação. O fato de estarem metidos no meio de uma transformação radical de sua profissão faz com que muitos jornalistas ainda resistam às mudanças preferindo agarrar-se ao seguro e conhecido, apesar das evidências de que as transformações são irreversíveis.
Por seu lado, o público, de forma empírica, avança cada vez mais na ocupação de espaços nos fluxos informativos digitais, especialmente nas redes sociais digitais, onde hoje 70% das pessoas, em média se informam. Publico e jornalistas passam a compartilhar os mesmos espaços noticiosos na internet, cabendo aos profissionais a tarefa específica de dar sentido prático a esta realidade, ao desenvolver uma estrutura pública de comunicação que maximize os resultados das trocas informativas entre profissionais e não profissionais.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.