Norihelys Ramos Rodríguez é uma jornalista porto-riquenha freelancer, formada em jornalismo e sociologia pela Universidade de Porto Rico, em San Juan. Ela tem focado sua carreira nas questões de gênero e na perspectiva feminista, tendo aprofundado seus estudos sobre os temas no Instituto de Género y Derechos da Universidade Central do Equador e no Knight Center for Journalism in the Americas da Universidade do Texas, nos EUA.
Sua experiência profissional inclui trabalhos na Radio Universidad de Puerto Rico, na Radio Vieques, no portal Distintas Latitudes e a produção de podcasts para o Adonde Media. Em 2021, foi bolsista do Festival Zarelia Jornalismo, Mídia Digital, Gênero e Feminismos e em 2018, membro da terceira geração da Rede LATAM de Jovens Jornalistas da Factual.
Norihelys está atualmente cursando mestrado em jornalismo na Faculdad de Artes y Humanidades da Universidade dos Andes, na Colômbia. Leia mais na entrevista abaixo.
Enio Moraes Júnior – Em 2019, você escreveu em um relatório sobre o feminicídio para o portal Todas: “Homens também morrem. Eles também são mortos, ainda mais do que as mulheres. Mas as causas de assassinato para ambas as populações são diferentes. Os homens são mortos principalmente na rua por comportamento criminoso. As mulheres são mortas em casa porque são mulheres” (tradução nossa a partir do original em espanhol). Até que ponto o jornalismo em Porto Rico conseguiu convencer a opinião pública e o Poder Judiciário da seriedade desta questão?
Norihelys Ramos Rodríguez – Em geral, a cobertura jornalística tem se destacado por amplificar as vozes das ativistas feministas e das organizações de direitos humanos das mulheres. Graças a sua luta histórica e a suas denúncias, a violência de gênero tem sido considerada uma questão pública e digna de notícia.
Apesar disso, parece-me que em Porto Rico o desempenho da imprensa tradicional nesse tema tem sido muito pobre porque sua narrativa, na maioria das vezes, reproduz a violência e revitimiza as vítimas e as sobreviventes. Se as pessoas no país não compreendem a gravidade deste problema social, isso se deve, em parte, às más práticas na profissão jornalística e à invisibilidade desta questão na mídia.
Embora tenha havido avanços significativos nos últimos anos, ainda é necessário que tanto as escolas de comunicação como as Redações adquiram conhecimentos especializados sobre a violência machista e aprendam a realizar um modelo de jornalismo que adote sempre uma perspectiva de gênero e direitos humanos.
EMJ – O que esta misoginia significa para o trabalho das mulheres jornalistas na região? É mais difícil para as mulheres jornalistas produzir notícias?
NRR – É sempre mais difícil ser uma jornalista mulher. Por exemplo, nosso ambiente de trabalho não está livre de discriminação de gênero e dos comportamentos machistas e misóginos que são reproduzidos em uma sociedade patriarcal. Dessa forma, posso afirmar que, ao trabalharmos sob estas condições, nossos direitos são violados e a prática do jornalismo é prejudicada.
EMJ – Vamos falar sobre a imprensa nacional em Porto Rico. Quais são os tópicos mais relevantes que aparecem com mais frequência?
NRR – As notícias mais frequentes no rádio, na televisão e nos jornais de Porto Rico são sobre política e governo, economia, crime e violência. Parece-me que a última década se caracterizou pela cobertura da dívida milionária do governo, pela imposição da Promesa e pela Supervisão Fiscal do Congresso dos EUA. Somem-se a isso as consequências desta crise econômica sobre as famílias porto-riquenhas que vivem no arquipélago e na diáspora. Além disso, notícias relacionadas à negligência e corrupção do governo em emergências, como os furacões Irmã e Maria, os terremotos no sul do país e a pandemia da COVID-19.
EMJ – Porto Rico tem uma importante e histórica conexão com os Estados Unidos, com dois idiomas oficiais: espanhol e inglês. Como funciona o jornalismo porto-riquenho nesta mistura de culturas e idiomas?
NRR – Permita-me fazer um esclarecimento: embora institucionalmente tenhamos dois idiomas oficiais, o espanhol é nossa língua materna e a maioria das pessoas não é fluente em inglês. Há alguns jornais em Porto Rico em língua inglesa como o The San Juan Daily Star, mas eles são a exceção. Nosso jornalismo nacional está em espanhol.
EMJ – Seu trabalho jornalístico tem muitas conexões com os direitos civis, especialmente gênero e sexualidade. Como e por que você começou a ocupar este espaço no jornalismo?
NRR – Minha primeira aproximação com estes temas foi através das aulas de sociologia, onde aprendi que existe um sistema capitalista e patriarcal que reproduz desigualdades e violência contra as mulheres. Nessas aulas, descobri o feminismo e aprendi a questionar tudo, inclusive a mídia e o jornalismo porto-riquenho.
Desde 2018, sou uma jornalista feminista. Sou especialista em cobertura com uma abordagem de gênero e direitos humanos porque é urgente tornar as histórias das mulheres visíveis e ampliá-las. Eu estou confiante de que, transformando a narrativa jornalística, podemos viver em uma sociedade mais equitativa, justa e livre de violência.
EMJ – Quando falamos de jornalismo regional e local, temos que abordar muitas particularidades das comunidades locais. Como funciona esta questão no jornalismo em Porto Rico?
NRR – Essa é uma das falhas de nosso jornalismo. Por um lado, a nossa cobertura é muito focada no que acontece em San Juan e na área metropolitana. Não há o hábito de visitar outras áreas do país, nem mesmo os municípios insulares de Vieques e Culebra. Por outra parte, nosso jornalismo é muito “local”, quer dizer: vivemos desconectados da região do Caribe, da América Latina e até mesmo das dificuldades enfrentadas pelos 6 milhões de porto-riquenhos que vivem na diáspora.
EMJ – Como você avalia a formação de jornalistas em Porto Rico e qual você gostaria que fosse o futuro de nossa profissão em seu país?
NRR – Obrigado por esta pergunta, porque é uma conversa que deveríamos ter nas escolas de comunicação e nas Redações. Creio que precisamos nos conectar com a região latino-americana; temos muito a aprender com esses centros de formação em jornalismo, bem como com os meios de comunicação nativos independentes e digitais. Com relação ao futuro da imprensa em Porto Rico, eu gostaria de ver uma profissão com condições de trabalho decentes, onde a saúde física e mental sejam uma prioridade, onde o salário seja suficiente para pagar as contas, onde sejamos seres humanos e não máquinas de produção de notícias. Gostaria de ver um jornalismo transfeminista, anti-racista e caribenho, onde houvesse igualdade de participação e representação das mulheres, dos negros e das diversas comunidades sexo-gênero.
Esta entrevista faz parte da série “Jornalismo no Mundo”, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor – Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium.
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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: Enio OnLine.