Esta é uma das mais preocupantes conclusões registradas no Informe 2023 sobre Noticiário Digital produzido pelo Instituto Reuters, um extenso e detalhado trabalho sobre tendências no jornalismo em 2022. Segundo o informe, o público jovem (com menos de 35 anos) acessa mais os influenciadores digitais e personalidades do que os jornalistas na hora de buscar notícias da atualidade.
A perda de espaços informativos pelo jornalismo convencional foi detectada também no crescimento da rede chinesa Tik Tok, cuja audiência está crescendo às custas de um acentuado declínio do Facebook. Os dados indicam um claro envelhecimento do público consumidor de notícias produzidas segundo o modelo jornalístico clássico e um crescimento das audiências em formatos noticiosos heterodoxos como o promovido pelo TikTok, onde a imagem, superficialidade e em ritmo veloz condicionam os conteúdos informativos.
O relatório Reuters 2023 chega a salientar que, de modo geral, redes como Facebook e Youtube assumem gradualmente a condição de guetos de jornalistas, políticos e pessoas com mais de 50 anos, enquanto Instagram e TikTok se transformam em feudos informativos de gerações nascidas já na era digital e que acessam notícias por meio de interações virtuais em redes sociais. Isto indica que possivelmente estamos diante do surgimento de uma nova modalidade de transmissão de informações, a ainda pouco conhecida Comunicação Baseada em Notícias (News Based Communication).
Com o crescimento das redes sociais virtuais as pessoas comuns passaram trocar entre si dados, fatos e eventos usando formatos narrativos muito próximos aos empregados por jornalistas. Esta inovação chegou a ser batizada de jornalismo cidadão, mas agora passou a ser considerada um processo de comunicação social em que o conceito de noticia já não está mais associado ao exercício profissional do jornalismo. (1)
Trata-se de um fenômeno preocupante porque a geração com menos de 35 anos dará origem aos tomadores de decisões nos próximos 20 anos, o que significa que o jornalismo e a imprensa estarão nas mãos deles. Dá para perceber que estamos caminhando para um fosso entre duas gerações de jornalistas, o que é problemático para o exercício da profissão e nada promissor para os interessados e necessitados de notícias confiáveis, exatas, pertinentes, relevantes e atuais.
Slow news e instant news
Está cada vez mais claro o divórcio entre a herança analógica nos veículos jornalísticos convencionais e a cultura noticiosa impressionista da era digital. Uma divisão cada vez mais clara entre fluxos informativos limitados por tecnologias ultrapassadas e a caótica avalanche informativa na internet. Entre a slow news analógica e a instant news digital.
Não se trata de identificar se uma é melhor do que a outra. O problema não é de substituição, mas de complementação. Até agora, nossa cultura jornalística estava centralizada no formato textual (mesmo nas narrativas audiovisuais) porque o reduzido fluxo informativo privilegiava a leitura e a reflexão. O jornalismo digital se tornou imagético, interativo e obcecado pelo impacto, como recurso para atrair atenção num espaço público informativamente congestionado.
Caso a tendência detectada pelo Relatório Reuters se confirme nos próximos anos, o que é muito provável, o jornalismo como função social, e a imprensa como organização empresarial têm diante de si o enorme desafio de encontrar o ponto de equilíbrio entre impacto e reflexão na produção de notícias. Já está claro que é possível e até necessária a convivência entre a cultura analógica e a digital.
O problema está nas resistências à aceitação do fato de que a realidade mudou, como por exemplo, é o caso de privilégios antigos, como a absurda concentração de propriedade nas empresas jornalísticas, e que estão sendo substituídos por privilégios novos, como os das Big Techs que controlam o estratégico setor dos bancos de dados digitais.
O grande dilema do jornalismo contemporâneo é buscar a superação do fosso entre a cultura analógica e a digital no exercício da profissão. Trata-se de uma responsabilidade que recai sobre a atual geração de jornalistas. Não é um “problema dos outros”, como se costuma dizer, mas sim um desafio nosso.
(1) Mais detalhes nas páginas 4 e 5 do artigo Innovation Through Practice, de Christoph Raetzsch, acessível em https://doi.org/10.1080/17512786.2014.928466
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.