Monday, 30 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O papel do jornalismo de combate à desinformação nas eleições de 2024

(Imagem: Markus Winkler/Pexels)

Em meio a um cenário digital dinâmico e ao avanço de tecnologias como a inteligência artificial (IA), o jornalismo enfrenta um dos maiores desafios deste século até o momento: combater a desinformação. Fenômeno esse que se acentua especialmente durante períodos eleitorais. Neste ano de 2024, por exemplo, durante as eleições municipais brasileiras, a proliferação de notícias falsas constituíram novamente uma ameaça substancial à integridade democrática.

A pesquisa “Panorama Político”, realizada pelo DataSenado, revela que 81% dos brasileiros acreditam que fake news impactam as eleições, enquanto 72% dos entrevistados relataram se deparar com notícias potencialmente falsas nas redes sociais. Esses dados ressaltam a urgência do papel do jornalismo na proteção da verdade e da transparência nas eleições.

A desinformação desempenha um papel perturbador no processo eleitoral, e o público reconhece essa influência. Conforme o DataSenado, 78% dos brasileiros defendem a importância de um controle mais rigoroso sobre as notícias falsas para garantir eleições justas e livres de manipulação​. As plataformas digitais têm sido os principais canais de disseminação desses conteúdos e a responsabilidade das big techs nesse cenário também é amplamente discutida.

O relatório da Global Witness sobre o papel dessas plataformas nas eleições dos Estados Unidos de 2024 revelou falhas persistentes no controle de desinformação. Embora tenham aprimorado seus sistemas, Facebook e TikTok ainda aprovam anúncios falsos, reforçando a necessidade de uma moderação mais rigorosa e transparente​, assim como de um sistema eficaz de monitoramento de anúncios pagos – hoje, a maior deficiência nos sistemas de checagem – e de utilização de Inteligências Artificiais na criação de conteúdos eleitorais desinformativos.

No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atuou de forma pioneira com a criação da resolução 23.732/2024, estabelecendo pela primeira vez diretrizes claras sobre o uso de IA, incluindo proibições para deepfakes e a criação do sistema de “notice and take down”, que permite a remoção de conteúdos enganosos mediante notificação.

De acordo com o Desinformante*, a partir dos dados do relatório lançado essa semana pelo Laboratório de Governança e Regulação de Inteligência Artificial do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (LIA-IDP) e ETHICS 4AI, mesmo com essas inovações, os tribunais regionais demonstraram diferenças interpretativas, variando de permissões condicionais para deepfakes em alguns casos a proibições totais em outros. Isso varia de acordo com o contexto e cenário, o que demonstra que, mais uma vez, apesar dos esforços, há falhas de acompanhamento da própria justiça eleitoral quanto às tecnologias usadas para manipular o eleitorado.

As decisões variam dependendo do grau de manipulação e do impacto potencial do conteúdo sobre a percepção dos eleitores, contudo ainda são incipientes dado o contexto e a crescente utilização das ferramentas de IAs, principalmente em casos envolvendo violência política de gênero. De acordo com relatório da Agência Lupa, a maior parte dos conteúdos de IA teve o foco em candidaturas de mulheres e grupos LGBTQIAP+.

A resiliência da desinformação silenciosa

Apesar dos avanços no combate à desinformação, existe uma camada menos visível e igualmente prejudicial, a chamada “desinformação silenciosa” – aquela que não é amplamente discutida, mas que possui um impacto profundo nas dinâmicas de consumo de conteúdo pelo público. Essas narrativas minam a confiança pública de maneira silenciosa e eficaz, e chegam até o jornalismo de combate à desinformação de forma não-linear e difusas, por isso o esforço de iniciativas de fact-checking em criar consórcios, equipes mais robustas e colaborações nacionais e internacionais em períodos de alto impacto da comunicação na democracia, como são as eleições, para mitigar os efeitos provocados por conteúdos enganosos.

Entre essas ações vale destacar o trabalho desenvolvido entre as agências de checagem de fatos: Agência Lupa, Agence France-Presse Fact-checking, Aos Fatos, Estadão Verifica, Projeto Comprova e UOL Confere, em parceria com a ONG Meedan, que trocaram informações para agilizar a análise e o mapeamento das principais desinformações durante o período eleitoral de 2024. Segundo a Lupa, o objetivo era “compreender o cenário da desinformação que circulou nas redes sociais e em grupos privados durante o período eleitoral e enfrentar, de forma conjunta, um desafio coletivo que ameaça o processo democrático”.

Neste período eleitoral, as agências receberam 2.369 envios de pedidos de verificação para potenciais conteúdos de desinformação sobre os candidatos e a integridade do processo de votação. Apesar do número relativamente constante de pedidos, essa iniciativa considerou ainda um baixo engajamento para um período eleitoral, indicando uma possível apatia ou descrença do público em relação ao processo eleitoral e à integridade das instituições​. O relatório, assinado pelas agências, reforça essa hipótese com base na alta taxa de abstenção nas eleições: segundo TSE a abstenção registrada foi de 29,26%, número superior ao que foi contabilizado no primeiro turno, quando o índice de ausência foi de 21,71%.

Ainda de acordo com os dados das agências de checagem, “44,6% de todos os envios de sugestões de verificação foram relacionadas à integridade do processo eleitoral, sendo que 49,4% desse conteúdo focava especificamente nas urnas eletrônicas​. Isso demonstra a persistência de um cenário já observado nas eleições anteriores, com narrativas que questionam a segurança e o funcionamento das urnas, dominando o cenário da desinformação. Além disso, 100 conteúdos enviados foram relacionados à desinformação sobre a legislação eleitoral vigente, o que sugere uma confusão persistente sobre as regras do processo eleitoral​”.

Esses dados demonstraram o potencial nocivo da “desinformação silenciosa” ao não não atrair a atenção pública em grande escala, mas reforçar narrativas enganosas já estabelecidas e amplificação da polarização política de bases afetivas, com grupos religiosos e narrativas de pautas de costume frequentemente usados para engajar segmentos específicos do eleitorado. Tais temas representaram 40% dos conteúdos desinformativos e incluem questões de moralidade e valores, que servem para desviar o debate de pautas políticas amplas, fomentando a divisão ideológica e a hostilidade entre grupos distintos​.

Esforços colaborativos de combate a desinformação

A luta contra a desinformação exige um esforço colaborativo e contínuo entre o jornalismo, a sociedade civil e as plataformas digitais. A parceria entre as agências de checagem citadas e a ONG Meedan permitiu a organização e compartilhamento de dados que revelaram, por exemplo, que as regiões Sudeste e Sul concentraram 57% das verificações, enquanto as regiões com menos infraestrutura digital ficaram menos representadas. Isso evidencia a desigualdade no acesso à informação verificada​ e ao próprio jornalismo especializado em um período crítico para a democracia.

As eleições de 2024 demonstraram que ainda é necessário desenvolver ferramentas mais eficazes e tecnológicas para lidar com os complexos fluxos de desinformação. A resiliência da desinformação, aliada à complexidade das novas tecnologias, desafiam “instituições” responsáveis pelo combate à desinformação, entre elas o jornalismo, a evoluir frente às mudanças sociais de comunicação.

Não se trata apenas de fortalecer práticas de governança seja do jornalismo ou de outras instituições, é urgente a necessidade de educação midiática – principalmente através de campanhas educativas de abrangência nacional que instruam o público a identificar informações verificadas e compreender o papel da checagem – e expansão do acesso à verificação de fatos em todo o território nacional. Um caminho possível – e já observado em outros momentos – é o fortalecimento da colaboração entre veículos de mídia e o aprimoramento das tecnologias de checagem, passos necessários para sustentar a integridade da democracia e combater a manipulação informacional de forma abrangente.

Texto publicado originalmente em objETHOS.

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Renatha Giordani é Pesquisadora do objETHOS e doutoranda no PPGJOR/UFSC