Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O protagonismo da imprensa no grande circo da política

(Foto: Andy Leung por Pixabay)

Os veículos de comunicação jornalística têm todo o direito de terem uma posição face os confusos e complexos eventos políticos que se sucedem atualmente no mundo inteiro, mas não podem induzir o leitor a achar que a informação publicada é imparcial.  A imprensa deixou, há tempos, de ser uma observadora isenta do que ocorre no chamado espaço público da sociedade contemporânea. O episódio envolvendo a rede de televisão Fox News e o afastamento de sua principal estrela no noticiário político escancarou para todos nós o fato de que muitas notícias políticas que recebemos são formatadas para ocultar estratégias ideológicas dentro do fluxo informativo.  

Aqui no Brasil, ocorre um fenômeno similar só que de forma mais discreta como foi possível perceber na cobertura das investigações da Lava Jato no período 2014-2020 e mais recentemente no caso das imagens das manifestações de extrema direita no dia 8 de janeiro, pela CNN brasileira. Em ambos os episódios foi nítida a associação dos fatos divulgados a um objetivo político/partidário pré-existente, sem que a imprensa alertasse o público para o enviesamento na apresentação do noticiário.

Hoje sabemos que a cobertura jornalística da Lava Jato omitiu fatos e ignorou a regra da diversificação de fontes. A burocrática menção ao outro lado, tanto nos telejornais como na imprensa escrita nem de longe deu ao publico uma noção isenta do que estava sendo investigado. E agora nas imagens do 8 de janeiro, a CNN não revelou quem lhe passou o material e nem porque ele foi editado para alterar a cronologia dos fatos.

Que a imprensa não é imparcial e objetiva, pouca gente discute. O que agora passa a ser relevante é o protagonismo proativo assumido por jornais, revistas, emissoras de radio e de televisão, bem como por espaços online ocupados por jornalistas profissionais. O caso de Tucker Carlson, o âncora do principal noticiário da Fox News norte-americana é emblemático porque a emissora não teve escrúpulos em associar o rótulo jornalístico a uma cobertura factual reconhecida como falsa até mesmo dentro da redação da emissora. 

Tucker, que nunca fez segredo de sua militância na extrema direita trumpista, admitiu privadamente que eram falsas as suspeitas de fraude nas urnas eletrônicas fabricadas pela empresa Dominion Voting Systems e usadas nas eleições de 2020, que deram a vitória ao democrata Joe Biden sobre o republicano Donald Trump, apoiado pela Fox News

Mentiras milionárias

A Dominion processou a Fox pedindo uma indenização no valor de 1,6 bilhão de dólares e estava quase ganhando causa quando a rede do bilionário australiano Rupert Murdoch pediu um acordo para evitar que seus executivos e jornalistas tivessem que admitir num tribunal que disseminaram, durante meses, suspeitas fraude no último pleito presidencial nos Estados Unidos. A rede de TV aceitou pagar 787 milhões de dólares para evitar uma situação vexaminosa, que custou também a desgraça de Tucker Carlson, como âncora de telejornais. 

Do ponto de vista da comunicação e da opinião pública, o caso da Fox envolve a comprovação de que um veículo informativo não só violou o dogma jornalístico da veracidade como ingressou no campo da militância ideológica sem informar a audiência sobre sua decisão. É grave porque ao assumir um claro protagonismo político, a Fox espalhou suspeitas que direta ou indiretamente irão afetar a credibilidade e confiança de outras empresas jornalísticas também envolvidas na cobertura de eleições. 

Um jornal, revista, site ou telejornal pode ter uma posição sobre qualquer tema de interesse público, tanto porque a diversidade política e ideológica é um atributo da democracia, como também pelo fato de que não existe mais o conceito de verdade absoluta e nem da imparcialidade plena. Todos nós estamos sujeitos a posicionamentos diversos por conta dos diferentes contextos sociais, econômicos, políticos, históricos, religiosos e étnicos em que estamos inseridos. Como indivíduos podemos inclusive não revelar nossas opções pelos mais diversos motivos, quando estamos num ambiente privado. Mas quando assumimos um protagonismo público ou quando um veículo da imprensa assume a posição de formador de opiniões, a identificação de propósitos torna-se uma condição sine qua non para o exercício da comunicação social. A omissão equivale a enganar alguém, delito previsto no famoso artigo 171 do Código Penal brasileiro.

A imprensa está perdendo a sua aura de neutralidade na política, o que é ruim para ela como negócio, para o jornalismo como atividade socialmente relevante e péssimo para nós como consumidores de informações necessárias para a tomada de decisões individuais e coletivas. O acúmulo de evidências de enviesamento informativo, acelerado pela avalanche informativa gerada pela internet faz com que as mentiras e a desinformação tenham pernas muito mais curtas do que imaginávamos até agora. A Fox que o diga, após pagar um preço milionário como reparação pelo fato de ter viciado seus telespectadores em fake news e na desinformação.

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Carlos Castilho é é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.