Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O verdadeiro desafio é a formação mais do que o diploma

(Foto: Wolfgang Ehrecke por Pixabay)

Meus colegas de jornalismo me desculpem, mas acho que o debate sobre a obrigatoriedade do diploma está sendo travado em bases equivocadas. O problema não é criar uma reserva de mercado, e nem erguer barreiras contra a exploração de uma mão de obra qualificada por empresas que usam a notícia para ganhar dinheiro, ou obter reconhecimento social. A grande e complicada questão é o futuro da profissão num ecossistema informativo em que a tanto a notícia, matéria prima do jornalismo, como as instituições de apoio ao jornalismo, empresas, foram radicalmente alteradas pela emergência da computação e digitalização.

O diploma, em teoria, é um certificado da qualificação do jornalista, o que nos leva a perguntar: que tipo de formação está sendo dada hoje pelas faculdades de jornalismo aos futuros profissionais? É duro dizer, mas a realidade evidencia uma inércia acadêmica em adequar os cursos de jornalismo aos desafios que os estudantes enfrentarão daqui a dois ou três anos.

De nada adianta um diploma se os novos profissionais não encontrarem empregos ou estiverem despreparados para atuar de forma autônoma. O diploma não é uma carteira de ingresso num clube fechado, mas um atestado de que o profissional está preparado para exercer funções como lidar com o caos informativo nas redes sociais, funcionar como curador de notícias, trabalhar com a inteligência artificial nos fluxos informativos, inserir-se em comunidades sociais e também gerenciar a sustentabilidade financeira em projetos jornalísticos autônomos.

Estes são apenas alguns itens que já fazem parte do cotidiano dos novos profissionais e que são abordados perifericamente na maioria dos cursos de jornalismo. Sem eles, um diploma vale pouca coisa porque não garante o acesso às empresas online e nem assegura a sobrevivência de iniciativas autônomas como curadoria, influenciadores e promoção do engajamento entre jornalistas e comunidades sociais.

O professor Rodrigo Ratier, da Escola de Comunicação e Artes (ECA), Universidade de São Paulo, reconheceu em artigo publicado aqui no OI, em fevereiro, que a academia tem sido tímida na abordagem do descompasso entre o jornalismo que está na cabeça dos professores e aquele que povoa o imaginário dos alunos. Rodrigo chega a propor a necessidade de uma “alfabetização jornalística” dos novos alunos porque eles já não leem mais jornais e transformaram as redes sociais como principal fonte de informações.

Evasão e lucros

Este descompasso pode ser considerado como uma das razões pelas quais os cursos tradicionais de jornalismo, aqui e no exterior, têm registrado uma queda de aproximadamente 10% no número de inscritos em exames de ingresso. Mas talvez o fator econômico possa explicar parte deste fenômeno, pois mesmo em queda, o jornalismo ainda é uma das profissões mais procuradas por estudantes.

Não há pesquisas sobre isto, mas se multiplicam os cursos à distância (EAD), uma modalidade de ensino do jornalismo que fornece diplomas e é oferecida por 147 instituições de ensino superior espalhadas pelo Brasil, segundo dados do site Quero Bolsa. Este mesmo site anuncia a oferta de 42.937 bolsas, com preços que variam de 33,37 a 2.310,05 reais mensais para interessados em obter um diploma de jornalismo.

O ensino à distância no jornalismo se revelou um grande negócio tanto que segundo um estudo da empresa Sagah, desenvolvedora de tecnologia para cursos online, esta modalidade deve ter mais alunos do que o ensino presencial até o final de 2023. Como fonte de lucros, o EAD é um caso de sucesso, por enquanto, mas como fator de qualificação de profissionais digitalmente atualizados na área jornalística, ele ainda é uma grande incógnita.

Isto coloca o jornalismo diante da necessidade de pensar primeiro na qualificação profissional para o exercício da profissão num contexto digital do que em cobrar a obrigatoriedade de um diploma universitário. Não sou contra o diploma, mas só ele não vai resolver os graves dilemas com que se defronta a profissão nesta transição da era analógica para a digital no campo da informação pública.

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Carlos Castilho é é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.