Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Os desafios da cobertura local em debate no Projor

O debate “O jornalismo local e as eleições municipais de outubro” marcou o lançamento, nesta terça-feira, dia 3 de setembro, na nova edição do Manual de Jornalismo Local, para auxiliar jornalistas na cobertura das eleições municipais. Participaram do evento Francisco Belda, diretor de operações do Projor e um dos coordenadores da edição, junto com Angela Pimenta, Paulo Talarico, cofundador e diretor de treinamento e dados da Agência Mural de Jornalismo das Periferias, Carlos Castilho, jornalista e ex-editor do Observatório da Imprensa, e Katia Brasil, editora-executiva da Agência Amazônia Real. O debate foi mediado pela jornalista Simone Pallone, pesquisadora do Labjor/Nudecri/Unicamp e diretora editorial do Projor.

O manual, lembrou Belda, surgiu do projeto Pequena Grande Imprensa (GPI), idealizado pelo fundador do Projor, Alberto Dines. A primeira edição, de 2016, foi atualizada em 2020 e agora teve nova atualização voltada às eleições municipais. “Ele serve de consulta não só para jornalistas como para todos os interessados no tema da gestão municipal” afirmou.

“O manual funciona como um guia norteador para o entendimento das questões críticas dos municípios e auxilia os profissionais envolvidos na cobertura das eleições e no entendimento das políticas públicas e da governança dos municípios”, disse Belda.

Katia Brasil, editora-executiva da Agência Amazônia Real, falou sobre como questões que são consideradas cobertura nacional para o restante da imprensa são também locais para as populações da Amazônia Legal, região que é coberta pela agência e que abrange nove Estados, 59% do território brasileiro e 19,1 milhões de eleitores, incluindo territórios indígenas e quilombolas.

Carlos Castilho participou da primeira edição do manual e diz que vê as diferenças entre a cobertura daquela época e agora, quando as discussões deixaram o âmbito local para se discutir questões nacionais mesmo nas eleições municipais. “Os jornais das regiões perderam a sua capacidade de sobrevivência, com a queda dos anúncios e com o online, e isso enfraqueceu a poder desses jornais de interferir na agenda política”, afirmou. A redução do número de profissionais trabalhando na imprensa local também levou a uma substituição dos conteúdos locais pelos conteúdos nacionais.

Na avaliação dele, é um erro a imprensa local seguir por este caminho, porque as pessoas querem que o jornal local discuta os problemas da região e já contam com os veículos nacionais para tratar das questões nacionais. “Com isso existe um divórcio entre a imprensa e os interesses da população, que não recebem a informação de que precisam para viver”, disse Castilho. Simone concorda com essa avaliação de que é preciso aproximar a cobertura do interesse mais próximo do cidadão. “Quando o jornal local passa a tratar mais de questões nacionais ele perde o sentido, porque as pessoas passam a comprar o jornal nacional e deixam o jornal local”, afirmou.

A Agência Mural cobre as periferias de São Paulo e das cidades da região metropolitana e atua com correspondentes locais, que vivem nessas áreas e fazem ações de formações constantes. Na opinião de Paulo Talarico, cofundador da agência, o Manual traz muitas ferramentas e possibilidades para temas que os jornalistas da Mural irão cobrir.

“Fazer jornalismo local é muita resistência”, disse ele. “Vai contra os algoritmos que pensam sempre nos nomes que já estão muito bem ranqueados e nessa cobertura que sai mais no rádio e na TV. Estamos no desafio de reforçar a importância do local no meio dessa avalanche de desinformação”, afirmou.

Katia Brasil falou também sobre a segurança dos jornalistas na cobertura, que muitas vezes sofrem tentativas de intimidação. “Muitos jornalistas são questionados durante coletivas sobre a família proprietária do veículo”, afirmou. “Costumo dizer que na Amazônia existe uma ditadura do release. Você abre os jornais e todos têm os mesmos textos. Não se cria um senso crítico na população”, alerta, lembrando que o Amazônia Real não publica release e faz investigações, o que incomoda muita gente.

Ela ressaltou que é muito importante, caso seja ou se sinta ameaçado, que o jornalista registre boletim de ocorrência, embora nem sempre o veículo apoie o profissional e muitas vezes prefira demitir o jornalista a se indispor com a fonte. “Há muito silenciamento, e não por falta de coragem, mas por uma questão de sobrevivência, por essa situação de insegurança que vivemos hoje na Amazônia”, afirmou Katia. Ela também alertou sobre o assédio judicial, muito frequente, além da precariedade das contratações dos profissionais por falta de segurança na sustentabilidade do financiamento. “A gente enfrenta ainda muitos desafios para manter esse jornalismo independente”, disse ela.

O impacto da inteligência artificial também foi discutido pelos debatedores. “A IA já está criando uma série de problemas que ainda nem conseguimos mensurar”, disse Castilho. “Nós não conseguimos ainda nem desenvolver uma narrativa online multimídia e já estamos entrando na inteligência artificial”. É por meio do celular que as pessoas passam a ter acesso à informação, por meio do podcast. É preciso ter uma outra narrativa, mais próxima da linguagem das pessoas”, afirma. “Nós estamos presos a este formato que nós desenvolvemos há muito tempo”.

Na avaliação de Castilho, a IA pode ajudar em questões específicas e sofisticadas, mas no dia a dia ela ainda não é capaz de resolver problemas mais básicos, como desenvolver uma linguagem narrativa que aproxime o jornalista do público.

“Eu vejo o copo meio cheio e meio vazio”, disse Paulo Talarico. “Eu tenho bastante ressalva quanto ao excesso desse movimento e a entendê-lo como uma solução para todos os nossos problemas. Não é. Mas o copo meio cheio pra mim é que como ferramenta ela pode ser muito útil para ampliarmos algumas reportagens, apurações, buscar formas de descobrir histórias diferentes”, contou. Como ferramenta, a Agência Mural tem feito algumas experimentações, criando notas com dados obtidos de forma automatizada e que ainda precisam ser checadas pelos jornalistas antes da publicação.

Belda falou sobre a importância de fugir das armadilhas de apenas reproduzir as informações divulgadas pelos candidatos. “As pessoas já começam a desconfiar do que veem nas redes sociais e aí existe uma oportunidade para os veículos resgatarem o seu espaço como locus da credibilidade informacional”, afirmou. 

Veja aqui o webinar na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=KfsnVHl5xs0