Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Até onde o presidente do BC vai esticar a corda dos juros altos?

No meio de um mar de incertezas, qual delas impede o Copom de baixar a Selic? (Foto: Pexels cottonbro studio)

Contrariando a previsão de segmentos importantes da economia nacional, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), manteve a taxa básica de juros da economia (Selic) em 13,75% e não sinalizou que poderá baixá-la em um futuro próximo. Quais os motivos que levaram à manutenção da taxa dos juros pelo Copom e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto? Como a economia não é uma ciência exata, existe uma lista enorme de motivos, entre eles um que merece ser citado. Antes vou descrever o cenário. É fundamental para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a aprovação pelo Congresso de duas medidas, o arcabouço fiscal e a reforma tributária. Pelo que temos noticiado, as negociações entre o governo e os parlamentares a respeito dos dois assuntos vêm correndo bem. O arcabouço fiscal foi aprovado na Câmara dos Deputados. Foi para o Senado, onde sofreu algumas mudanças e foi aprovado. Voltou para a Câmara, para os deputados apreciarem as mudanças. Onde percorre os caminhos normais dentro dos prazos legais. Enquanto isso, o esboço da reforma tributária está sendo construído pelos parlamentares dentro dos prazos. Dentro desse cenário, o presidente do BC tem informações que o levem a acreditar que os deputados e senadores não vão aprovar o arcabouço e a reforma? Ou apenas tem dúvidas sobre o assunto e prefere esperar para ver?

Omercado está apostando que as medidas serão aprovadas. Tanto que a inflação vem diminuindo, o dólar baixado em relação ao real e outros indicadores da economia estão se mostrando favoráveis à queda da Selic. Não vou discutir os índices da economia nacional, que estão disponíveis online na internet e nos noticiários. Mostrei esse cenário para podermos conversar sobre política. Lembro que em 17 de fevereiro publiquei o post Como separar o blefe da verdade no bate-boca entre Lula e Campos Neto? Onde conversamos sobre o fato de Campos Neto ser o primeiro presidente eleito do BC, portanto, com estabilidade no cargo, desde que obedeça às regras estabelecidas pelo Congresso. E dele ter sido indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que na sexta-feira (23/06) o elogiou durante uma entrevista para a Rádio Gaúcha, de Porto Alegre (RS). Nos dias seguintes ao início do seu mandato, Lula já começou a reclamar dos altos juros do BC. No meio das reclamações lembrava que Campos Neto era ligado a Bolsonaro. Nos dias atuais, o presidente da República segue reclamando contra os juros e tem sido mais contundente na questão das ligações de Bolsonaro e o presidente do BC. Todo mundo sabe, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mais que todos, que essa questão terá que ser resolvida de maneira política, por vários motivos, vou citar dois. O primeiro é que Campos Neto só pode ser demitido caso comenta alguma irregularidade. E o segundo, que a estabilidade do BC é necessária para manter a credibilidade do governo perante os mercados. A estratégia do governo está sendo investir dinheiro em infraestrutura, programas sociais e incentivos ao consumo nos mercados. Essa estratégia levou os empresários, especialmente do varejo, a pressionarem o BC por juros mais baratos. Diariamente, dezenas de grandes, médios e pequenos donos de negócios reclamam dos juros.

Tenho estado atento aos conteúdos que temos publicado sobre a questão da taxa Selic a 13,75%, considerada uma das maiores do mundo. E tenho notado que os comentaristas econômicos estão mudando os conteúdos dos seus noticiários. Muitos deles, que antes explicavam ao seu leitor a economia como uma ciência exata, já admitem que as coisas não são bem assim. Até porque existem várias linhas de pensamento econômico no mundo. E que geralmente em países grandes e complexos, como é o caso do Brasil, há várias linhas econômicas atuando. Sempre que um analista econômico pensa antes de escrever é importante que os repórteres envolvidos na cobertura do dia a dia dos noticiários, geralmente jovens mal pagos e superatarefados, busquem compreender os fatos econômicos lendo esses comentários. Eu fazia isso em 1979, quando comecei na carreira de repórter. Com a tecnologia atualmente disponível, os focas podem apertar um botão no teclado e ter acesso a comentaristas econômicos ao redor do mundo. Para quem não é jornalista, foca é como os novatos das redações são chamados. Para arrematar a nossa conversa. A economia nacional não está caminhando na velocidade necessária para acabar com os grandes problemas, como é o caso dos 30 milhões de brasileiros que passam fome. Mas está caminhando, o que é importante. Por hora, os grandes espaços nos noticiários estão sendo ocupados pelas investigações na busca dos responsáveis pelo financiamento de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), e quebraram tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Sobre os atos terroristas de 8 de janeiro todas as semanas há uma novidade. Na próxima, o assunto principal deverá ser o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do ex-presidente Bolsonaro, que está sendo acusado de ter denunciado sem provas fraudes nas eleições brasileiras durante um encontro com embaixadores de diversos países durante o seu governo (2022). Esse encontro do ex-presidente com os embaixadores mostra que os atos de 8 de janeiro não brotaram do chão. A tentativa de golpe vinha sendo articulada havia bastante tempo. Lembro que na semana seguinte ao ex-presidente ter assumido o seu mandato, em 2019, os rumores de que seria articulado um golpe de estado começaram a circular. Incentivados pelo próprio Bolsonaro, que nunca escondeu as suas intenções golpistas. Muito pelo contrário. Sempre se orgulhou delas. Se for condenado pelo TSE, o ex-presidente pode ficar inelegível até 2030. Apesar desse rolo todo, a economia do país segue dando sinais de recuperação. Claro, tudo seria facilitado se o presidente do BC abrisse o jogo e falasse sobre o que o impede de baixar os juros.

Publicado originalmente em “Histórias Mal Contadas”

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.