Publicado originalmente no blog Jornalismo nas Américas
A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) lançou na terça-feira, 3 de dezembro, o site do Monitor de Propriedade dos Meios (MOM, na sigla em inglês) para a América Latina, reunindo estudos sobre a propriedade dos meios de comunicação em Argentina, Brasil, Colômbia, México e Peru.
Os estudos foram realizados nos últimos quatros anos e analisaram quem são os donos dos veículos de comunicação com maiores audiências em cada país no rádio, na televisão, no meio impresso e na internet.
“A transparência da propriedade da mídia é muito importante e permite ampliar o conhecimento do público e das audiências, além de maior debate público”, disse Emmanuel Colombié, diretor da RSF para a América Latina, ao Centro Knight. “Estamos tentando responder a uma série de perguntas básicas: como as pessoas podem fazer uma leitura crítica da mídia sem saber quem a fornece? Como os próprios jornalistas dos grandes veículos podem trabalhar de maneira correta sem saber quem está controlando a empresa em que trabalham?”
Ao evidenciar a propriedade dos meios de comunicação, o MOM também avalia a pluralidade da mídia em cada país.
“A pluralidade é fundamental porque permite trazer uma diversidade de opinião e, justamente no processo de formação da opinião, é muito importante ter uma série de fontes de informação diferentes, análises diferentes, para [o público] forjar sua própria opinião e participar em debates públicos. Transparência e pluralidade são fundamentais, indicadores fortes do nível da democracia”, disse Colombié.
O novo site traz um mapa que permite comparar os indicadores de risco à pluralidade dos meios nos cinco países. O risco de concentração de audiência por poucos grupos de mídia, por exemplo, é alto em todos eles.
“A América Latina é definitivamente uma das zonas do mundo com maior concentração de audiências, onde vemos que são poucas famílias e poucas elites que controlam a informação”, disse Nube Alvarez, gerente de projeto do MOM na América Latina, ao Centro Knight.
O objetivo com o novo site é “chegar com os resultados do MOM às pessoas que podem aportar mudanças à legislação para tornar os meios mais plurais”, disse Alvarez. Mas também chegar a pessoas não iniciadas no tema, para que elas possam entender “quem são os donos dos meios e o que significam todos os interesses que eles podem ter com negócios em outros ramos das indústrias ou com políticos”.
Os potenciais conflitos de interesses em decorrência da participação de donos de meios de comunicação em diversos setores da economia, como agronegócio, imobiliário e financeiro, por exemplo, são uma constante nos cinco países latino-americanos analisados pelo MOM.
“O que vemos em vários casos é que as indústrias estão crescendo, os donos [de meios] estão se tornando mais ricos. Vemos em repetidos países que os donos destes conglomerados estão entre as pessoas mais ricas do país e do mundo, como no caso do México, com [Carlos] Slim [dono do grupo América Móvil]”, disse Alvarez.
Ao mesmo tempo, os jornalistas se veem em condições de trabalho cada vez mais precarizadas, observou ela. Também por isso, as informações sobre a propriedade dos meios devem ser conhecidas não apenas pelo público, mas pelos jornalistas que neles trabalham, argumentou.
A precarização da profissão fragiliza os jornalistas, que “não podem fazer um trabalho crítico quando conhecem as relações de seus chefes com outras indústrias, e isso pode empurrá-los a abandonar a profissão até cair em casos de corrupção”, acredita ela. Do mesmo modo, caso não estejam cientes sobre essas relações, podem acabar fazendo jornalismo voltado para os interesses econômicos dos donos dos meios e “muitas vezes nem estão sabendo disso”.
“É informação que eles também deveriam saber, quem são os donos das empresas para as quais trabalham, porque como podem fazer um trabalho crítico [sem saber disso]?”, questionou Alvarez.
Muitos meios, poucos grupos
O MOM já foi realizado em 21 países ao redor do mundo, sempre em parceria entre a RSF e organizações locais voltadas para o direito à comunicação.
A Colômbia foi o primeiro país da América Latina a receber o mapeamento, em 2015, feito pela Federação Colombiana de Jornalistas (Fecolper, na sigla em espanhol) e RSF. Lá, o estudo detectou que três grupos de mídia – Organização Ardila Lülle, Grupo Santo Domingo e Organização Luis Carlos Sarmiento Angulo – concentram 55,5% de todo o conteúdo veiculado via rádio, televisão, internet e mídia impressa.
No ano seguinte, foi realizado o MOM no Peru, com o site Ojo Público como parceiro local. O estudo identificou o domínio do Grupo El Comercio no ambiente de mídia do país, como proprietário de dezesseis dos quarenta meios analisados pelo MOM, recipiente de 70% da publicidade anual veiculada em rádio, TV e internet, e detentor de 80% da circulação estimada de jornais impressos e 68% da audiência estimada de portais de notícias no país.
No Brasil, o MOM foi realizado em 2017 em parceria com o coletivo Intervozes e analisou os cinquenta veículos de maior audiência, que pertencem a 26 grupos. O estudo identificou o domínio do Grupo Globo, cujos meios detêm audiência maior do que a soma das audiências dos quatros grupos de mídia que o seguem no ranking no país. Uma particularidade brasileira é a participação de líderes religiosos como donos de meios de comunicação – nove meios, entre canais de TV, emissoras de rádio, jornais impressos e portais de notícias online, são propriedade de lideranças cristãs, tanto evangélicas como católicas.
Entre 2017 e 2018, o MOM foi realizado no México em parceria com o Centro Nacional de Comunicação Social (Cencos). Lá, o estudo identificou a proximidade entre os proprietários de mídia e a política: dos 42 meios analisados no país, em 84% dos casos seus donos têm relações familiares ou de negócios com políticos. O MOM também evidenciou a precária situação de jornalistas e comunicadores no México, um dos países mais letais para estes profissionais em todo o mundo.
O estudo mais recente foi realizado na Argentina, entre 2018 e 2019, com o jornal Tiempo Argentino como parceiro local. O MOM analisou os 52 principais meios do país, propriedade de 22 grupos de mídia. Apenas o Grupo Clarín é proprietário de doze destes meios e detém 25% da audiência argentina, além de controlar, junto com o grupo La Nación e o Estado argentino, a Papel Prensa, única empresa produtora de papel jornal no país.
“O pluralismo da mídia é um aspecto fundamental das sociedades democráticas; meios de comunicação livres, independentes, diversos, podem refletir pontos de vista divergentes e permitem a crítica das pessoas no poder”, ressaltou Colombié. “Essa concentração nos mercados que observamos na América Latina pode gerar riscos para a diversidade de ideias porque permite que poucos atores exerçam uma influência dominante na opinião pública e, além disso, cria barreiras de entrada para outros atores e outras perspectivas.”
Ele também observou que um dos aspectos comuns aos países analisados é a concentração geográfica dos meios de maior audiência, em geral nas capitais dos países e, no caso do Brasil, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Assim como a dificuldade de reunir informações sobre os proprietários dos meios, pois “a maioria das empresas não tem a obrigação de divulgar suas estruturas acionárias”, explicou. “Isso tem a ver com os marcos jurídicos dos cinco países, que não são suficientemente fortes para obrigar essas empresas a divulgar essas informações, que consideramos de interesse público.”
Outra constante nos cinco países é a parca presença de mulheres nos postos de comando dos meios de maior audiência e como proprietárias. Na Argentina, entre os 33 proprietários perfilados, há apenas uma mulher, Marcela Noble Herrera, proprietária de 24,85% das ações do Grupo Clarín, segundo o estudo. No México, também há uma mulher, Carmen Aristegui Flores, entre os 26 proprietários dos meios de maior audiência no país. Na Colômbia, são cinco mulheres entre os 21 perfilados. No Peru, há duas mulheres entre os treze proprietários perfilados pelo MOM. No Brasil, dos 22 proprietários, há apenas uma mulher, como parte do casal de bispos evangélicos dono do canal de TV Rede Gospel.
Segundo Colombié, com o lançamento do site regional, a ideia é continuar dando visibilidade aos resultados dos estudos em cada país, suscitando o debate público e distribuindo recomendações para as autoridades locais de políticas públicas para fomentar a pluralidade dos meios.
Essas recomendações foram listadas em uma cartilha distribuída no primeiro evento de lançamento do site, realizado em 3 de dezembro em São Paulo. Entre elas estão o estabelecimento de “regulamentações que impeçam e desmontem monopólios e oligopólios” de comunicação; a garantia da existência de uma mídia pública que funcione “de forma independente e autônoma em relação ao governo”; o estabelecimento de limites para a propriedade de meios “por partidos políticos ou indivíduos envolvidos ativamente na política”, inclusive seus familiares; e a adoção de “medidas para proteger o trabalho de jornalistas e comunicadores”, incluindo a prevenção e o combate à violência contra esses profissionais.
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Carolina de Assis é jornalista e pesquisadora, mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda).