Publicado originalmente no blog Jornalismo nas Américas
As jornalistas Isabela Ponce e María Sol Borja, do site equatoriano GK, desenvolveram uma plataforma digital chamada Voces Expertas para reunir mulheres especialistas com o objetivo de aumentar a presença feminina entre as fontes jornalísticas na América Latina.
Qualquer mulher pode se cadastrar no sistema, que está recebendo inscrições há três semanas e deve ser lançado em fevereiro. O projeto separou as áreas de conhecimento em dezesseis categorias, para facilitar as buscas, como economia, arquitetura e urbanismo, ciências sociais, ciências da saúde, psicologia, direito, ciências exatas, entre outras. No formulário, as especialistas podem escolher deixar públicos os seus contatos, como telefone e email, além de informar com quais tipos de meios querem falar (imprensa escrita, rádio, televisão).
Segundo Isabela Ponce, que é cofundadora, diretora editorial e editora de gênero do GK, o projeto já recebeu 230 inscrições, espalhadas por todas as áreas de conhecimento.
“Isso foi muito legal para nós. Muito rapidamente, as pessoas preencheram os formulários e foi orgânico, pelas redes. Não fizemos um evento ou um lançamento oficial ainda. Também recebemos consultas de coletivos do Equador e da Argentina interessados em fazer parcerias”, disse Ponce ao Centro Knight.
O principal público-alvo da plataforma é de especialistas da América Latina, mas não há uma proibição de que mulheres residentes em outros países se inscrevam. Os formulários serão avaliados caso a caso.
“Idealmente, a mulher tem que estar na América Latina, porque o objetivo é divulgar as vozes da região. Sei que há plataformas similares em outros países, então eventualmente eu gostaria, sim, de formar alianças para ter uma base maior [de dados]”, afirma Ponce.
Além de recolher os formulários, a equipe do GK verifica se as informações estão completas e entra em contato com as especialistas para tirar possíveis dúvidas. “Não vamos simplesmente copiar e colar os dados. O formulário precisa estar completo para quando for usado e com informação confiável, por isso pedimos que as especialistas coloquem links para artigos acadêmicos, por exemplo, coisas que possam servir para checar a identidade da pessoa”, diz.
Além de Ponce e María Sol Borja, que é editora de transparência do GK, o Voces Expertas conta com Gabriela Valarezo, diretora de arte, bem como uma repórter e um programador. Em uma segunda etapa, Ponce planeja oferecer media training para capacitar as especialistas. A jornalista afirma que está buscando financiamento para o projeto e para o media training.
Para ela, ter mais fontes mulheres não é apenas uma questão de justiça e igualdade, mas uma forma de melhorar o conteúdo jornalístico. “O objetivo é que a realidade possa ser contada de forma mais equilibrada, porque a história sempre foi contada pelos homens. O enfoque e a visão das mulheres te dão outras realidades e propostas, mais inclusivas, e que são coisas que uma pessoa não percebe, porque o mundo tem um olhar masculino”.
Além disso, o projeto visa empoderar as mulheres, para que elas possam ser vozes com autoridade na imprensa e personalidades influentes. Segundo Ponce, a representatividade tem um impacto também nas meninas. “Dar visibilidade a mulheres em cargos que são ‘para homens’ faz com que as meninas tenham mais referências e possam se transformar em mulheres de sucesso.”
De acordo com o relatório do Projeto de Monitoramento Global de Meios (GMMP, na sigla em inglês), de 2015, sua edição mais recente, apenas 27% dos especialistas consultados em reportagens eram mulheres na América Latina. Isso significa que há cerca de uma mulher para cada três homens que aparecem como fontes no noticiário televisivo, impresso, radiofônico e online na região.
Ponce destaca, entretanto, que Voces Expertas não é suficiente para solucionar esse problema. É preciso que os jornalistas façam um esforço para diversificar suas fontes.
“A plataforma é uma ferramenta muito útil, mas depende dos repórteres para ser usada. Os jornalistas estão em uma zona de conforto nessa cultura patriarcal. Parece normal, para nós, que todos os economistas em uma matéria sejam homens, por exemplo. Então, sim, é uma falta de visão e de se desafiar no trabalho”, diz.
Ponce conta que a ideia do projeto é fruto de um processo. Gênero é uma das principais áreas de cobertura do GK, cuja redação é composta de oito mulheres e dois homens. Antes do Voces Expertas, as jornalistas já haviam desenvolvido projetos para destacar mulheres especialistas.
“Em maio de 2017, quando terminava o mandato de Rafael Correa, pedimos a dez mulheres que escrevessem dez análises sobre aspectos do governo nos quais eram especialistas. Por exemplo: em direitos humanos, meio ambiente, cultura, etc. Em fevereiro de 2018, fizemos novamente esse exercício com uma consulta popular do governo de Lenín Moreno”, explica.
A ideia de sistematizar e organizar as fontes em uma plataforma surgiu em dezembro de 2019, durante uma viagem de Sol Borja à França.
“Ela conheceu lá um projeto francês que se chama Les Expertes. E pensou: ‘isso é incrível, nós temos que fazer isso, por que nunca pensamos nisso antes?’ Uma coisa é que dentro do GK todas as reportagens tenham esse equilíbrio, mas por que não promover isso entre mais meios e mais jornalistas? E por que não fazer isso na América Latina?”, lembra Ponce.
Segundo ela, cada vez mais há mais discussões regionais sobre gênero, meio ambiente, crises políticas e econômicas, então é importante poder trocar informações. “Há muito para compartilhar entre esses países”.
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Marina Estarque é jornalista.