Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Como em outros episódios, a 69ª fase da Operação Lava Jato, denominada Mapa da Mina, cheira mal. Ela foi deflagrada duas semanas depois do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ter a sua sentença confirmada e sua pena ampliada para dezessete anos e um mês pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS). Lula foi acusado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na reforma do sítio de Atibaia, cidade do interior de São Paulo. O relator do processo foi o desembargador João Pedro Gebran Neto. A sentença causou mal-estar entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – há matérias na internet.
Menos de duas semanas depois, no último dia 10, a força-tarefa da Lava Jato desencadeou a Mapa da Mina, tendo como alvo o recebimento de uma propina de R$ 132 milhões pelos proprietários do conglomerado Gamecorp/Gol, os empresários Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, filho do ex-presidente Lula, e seus sócios Fernando Bittar, Kalil Bittar e Jonas Suassuna. Fernando e Jonas são proprietários do sítio em Atibaia. Eles teriam recebido esse dinheiro como propina pela aprovação do Decreto 6.654/2008, assinado pelo ex-presidente, que teria beneficiado o grupo OI/Telemar, sendo que R$ 1,5 milhão teria sido usado para a compra do sítio.
Em primeira instância, Lula foi condenado, no caso do sítio, a doze anos e onze meses, em 6 de fevereiro, pela juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR). Ela substituiu o então juiz Sergio Moro, que abandonou a carreira de magistrado para ser ministro da Justiça e Segurança Pública do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Pelo que publicamos, as investigações que deflagraram a operação Mapa da Mina estão rolando há uns cinco anos. E não têm prazo para terminar. Os agentes cumpriram 47 mandatos de busca e apreensão. Foi muito mais do que uma tarefa de coleta de informações para o inquérito policial. Dentro do atual contexto, que tem como pano de fundo uma disputa política ferrenha entre o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro, a Mapa da Mina “parece ter sido encomendada”. A operação é uma história mal contada – como a renúncia de Moro ao cargo de juiz depois de ter condenado Lula, no caso do triplex de Guarujá, litoral de São Paulo, para assumir como ministro de Bolsonaro. Na época, os dois disputavam a Presidência. Mais ainda: o site The Intercept Brasil publicou conversas de Moro com os procuradores da República da Lava Jato consideradas ilegais.
A lista de “forçações de barra” por integrantes da força-tarefa da Lava Jato é grande. Podem ser encontradas no The Intercept Brasil, no livro do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Nada menos que tudo, escrito com o jornalista Jailton de Carvalho, e em várias reportagens publicadas na imprensa. Aqui, é o seguinte. Faz parte do jogo político Lula e Bolsonaro se xingarem. Como também faz parte o questionamento do PT à imparcialidade do então juiz Moro. O que não é do jogo é o uso da Justiça Federal na disputa política. Lembram o caso do vazamento da conversa telefônica da então presidente Dilma Rousseff com Lula? A história nos ensina que em nenhum canto do mundo onde a Justiça foi usada como instrumento na disputa política a coisa acabou bem. Foi assim que os nazistas tomaram conta da Alemanha e arrastaram o mundo para a Segunda Guerra Mundial. Foi assim que os militares do Cone Sul implantaram as ditaduras no Brasil, no Uruguai e na Argentina, nos anos 1960, que resultaram em torturas, mortes e outros horrores. Sou um repórter velho, 69 anos, quarenta na lida reporteira, e tenho como instrumento de trabalho a desconfiança.
Como repórteres, não podemos nos deixar envolver pela conversa se Lula é inocente ou culpado das acusações que lhe são feitas. Nosso foco tem de ser ficarmos atentos para que a Justiça não seja usada para desequilibrar a disputa política, como é o caso da operação Mapa da Mina e tantas outras. Tenho claro que estão nos usando para fixar na população a ideia de que o combate à corrupção começou agora. Não, ele começou em 1985, quando os civis tomaram o poder dos militares – que deram o golpe em 1964. Desde então, temos aperfeiçoado as nossas leis e consolidado as liberdades democráticas, principalmente a de imprensa. Muita gente morreu, foi torturada, perdeu seus empregos e precisou se exilar para termos o atual modo de vida. A Lava Jato é resultado de todo esse processo. Não da decisão de Moro de fazer justiça. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.