Em uma entrevista recente ao site de jornalismo DW Brasil, o escritor Luiz Ruffato disserta que a sociedade brasileira é uma árvore sem raízes e desprovida de perspectiva sobre a sua própria história. Num trecho mais interessante, diz que o brasileiro, depois de viver uma sucessão de tiranias em seu percurso, se acostumou a governos autoritários e que até nutre uma preferência por ditaduras como solução fácil para as crises. Não é difícil ter a ousadia de discordar de tudo isso. Por mais que a ignorância viceje pelo país, a história a nossa pretensa nação é tão simplória que qualquer ignorante é capaz de intuir a sua essência, mesmo que desconheça os detalhes dialéticos.
Sim, possuímos raízes e são raízes profundas. Estamos enraizados na manutenção da desigualdade que mantém uma elite preguiçosa, ostentatória e rentista. O eco histórico das nossas raízes se reflete nas favelas, nos menores de rua, nos desabrigados, nos baixos salários, nas reformas econômicas que esmagam a base para sustentar os caules apodrecidos que sustentam umas poucas flores que desabrocham sobre a miséria, sobre a desgraça alheia. Revoltas populares sempre foram dissipadas com exemplar virulência por aqui. Acredite, Ruffato, nossas raízes são fortes, profundas e quase irremovíveis.
Nossa história é um loop infinito que sempre recai no tema da corrupção, a corrupção usada como pretexto para retomar a mesma história de injustiças sociais que imaginávamos estar superando. Talvez, sejamos o único país que usa o mote do combate à corrupção para destituir governos populares e renovar a opressão contra os desfavorecidos. Precisamos aceitar que o nosso histórico é medíocre e carente de complexidade. Não temos história, temos uma bula.
Durante essas três décadas de redemocratização, após o regime militar, pelo menos em uma delas nos encontramos na possibilidade de debater a inclusão, o acesso à educação, as cotas, os direitos das minorias, a erradicação do preconceito, todos os assuntos adormecidos ou camuflados pelos anos de ditadura. O que aconteceu? Nossas raízes falaram mais alto, mostraram sua predominância, recolocaram-se no poder. Como fizeram isso? Com armas? Não.
Nem, ao menos, precisaram de criatividade. Usaram a mesma palavra simples, capaz de ser assimilada, compreendida e repudiada pelo mais tosco dos cidadãos até o mais bem instruído deles: a corrupção. A diferença do atual método, em relação aos retrocessos anteriores, foi enfeitar o pavão com a legitimidade jurídica das togas de juízes e os ternos bem cortados dos promotores.
Pronto. Da noite para o dia voltamos a ser o país dos economistas, dos índices da Bolsa de Valores, das notas impostas por bancos estrangeiros, do combate à inflação, das jogatinas políticas. Tudo o mais morreu ou ficou restrito à verborragia inerte das Redes Sociais.
Ruffato, nós temos raízes, elas se alimentam de cadáveres anunciados e insepultos que sustentam meia dúzia de flores penduradas nos galhos mais altos. Nossa maior violência é desprezar a vida para preservar números e indicadores financeiros.
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Alexandre Coslei é jornalista e escritor.