A ascensão eleitoral dos políticos direitistas no mundo e a catástrofe dos refugiados pareciam impor silêncio e deixar encolhida a comunidade internacional dos direitos humanos. Mas a história não é bem assim.
Há alguns meses, The Guardian e outros importantes veículos internacionais comentam com surpresa a enérgica intervenção antipopulista do Alto Comissário dos Direitos Humanos, via liberdade de imprensa. Trata-se do notável diplomata jordaniano Zeid Ra’ad Al Hussein, que ora volta à cena em grande estilo, com uma formidável campanha internacional de formação de fundos financeiros para a ação concertada em prol dos direitos humanos no mundo, como divulgou e comentou o periódico internacional Jurist (University of Pittsburgh).
O diplomata chefe dos direitos humanos da ONU causou impacto por sua manifestação em justo protesto contra os políticos direitistas que, para ganhar as eleições em seus respectivos países, no contexto da catástrofe dos refugiados, galvanizam a apreensão das pessoas mediante posicionamentos contrários e até hostis às orientações do direito internacional dos direitos humanos.
Basta notar o discurso reacionário do casal de xenófobos e anti-islâmicos Geert Wilders, na Holanda, e Marine Le Pen, em França, que avançam de carona no seu mentor, o protecionista provocador Donald Trump, também impulsionados pelo voto antieuropeu de Brexit, a que se liga o britânico eurocético Nigel Farage.
Considerando que a manifestação do embaixador Zeid revela seu posicionamento determinado em não silenciar ante a constatada coordenação objetiva de demagogos, populistas e políticos fantasistas, que, contra todo o bom senso, parecem apostar pela neutralização do engajamento histórico de seus países com a Declaração Universal de 1948, o espanto dos jornalistas parece justificado.
Tema global
Por força do alto nível de sua elaboração, frequentemente representam a diplomacia dos direitos humanos com um protagonismo ético jurídico, difundido, especialmente, nos canais oficiais da comunidade internacional, como as respectivas fundações, institutos, conselhos e fóruns, por exemplo.
Tomam por suposto que o enfoque ético da diplomacia, baseado em sua atuação efetiva nos mecanismos do sistema de direitos humanos das Nações Unidas, deveria tornar refratário às manifestações de resistência contra os surtos ideológicos anti-históricos, e que a virtude desse autocontrole restringiria o impulso para a intervenção pública do diplomata contra as provocações em períodos eleitorais.
Sem embargo, devem considerar a reconhecida constatação de que a diplomacia adquiriu repercussão ao elaborar os direitos humanos como tema global, resumido na proposição de que somente a garantia efetiva dos direitos humanos da população confere legitimidade plena aos governantes no plano mundial, conquista tida como fruto da histórica Conferência de Viena (1993). A diplomacia seria orientada por essa busca de garantia efetiva, como engajamento das elites dirigentes dos Estados, seu compromisso histórico, pautado na elaboração dos valores indispensáveis ao direito internacional dos direitos humanos.
A Declaração dos Direitos Humanos (the Universal Declaration of Human Rights-UDHR,1948) significou uma resposta jurídica ao fato de que o direito de todo o ser humano à hospitalidade universal mostra-se negado na prática pela existência de refugiados, apátridas, deslocados, campos de concentração e pelo genocídio. Na sequência, o direito a ter direitos fez valer a necessidade de uma tutela universal, homologadora do ponto de vista da humanidade (Hannah Arendt). De acordo com os estudiosos, a delimitação da razão de estado, desta forma colocada em perspectiva, estaria, portanto, no horizonte da diplomacia dos direitos humanos.
Consciência da liberdade
O quadro social da ação diplomática ativada com a referida Declaração (UDHR) antecipou, na realidade, o advento do respectivo tema global – ou lhe é correlato. Lembra que a UDHR 1948 resultou da percepção política de que as atrocidades do totalitarismo significaram uma ruptura inédita com a tradicional orientação ética para um bom governo. Melhor: por se tratar de uma ruptura inédita com toda a ética, a simples percepção política vem a ser ultrapassada; limitada a mesma ao conhecimento dos obstáculos à realização do ideal da sociedade.
Desse ponto de vista realista, a UDHR 1948 revela-se o ponto alto da manifestação de consciência da liberdade: uma ação concertada conduzindo à integração como mudança estrutural, que traz consigo, inclusive, a tomada de consciência social da diplomacia dos direitos humanos, sua busca do quadro social para revitalizar a elaboração dos valores, à luz da mencionada constatação de que somente a garantia efetiva dos direitos humanos da população confere legitimidade plena aos governantes no plano mundial. Nesse sentido, o movimento dos direitos humanos é um fenômeno social global, o quadro que suscita e faz mover a respectiva ação diplomática.
A contraofensiva internacional dos direitos humanos
Em consequência, não deve durar o espanto dos jornalistas para com a suposta ousadia do diplomata Zeid. É justo o esforço em confrontar e condenar os arroubos ideológicos anti-históricos dos demagogos, internacionalmente coordenados para ofender a maior conquista da comunidade internacional que é a construção de um sistema internacional de direitos humanos baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada há 68 anos. Além disso, tais arroubos antiéticos de xenofobia, segregação racial e religiosa, protecionismo tornam agravada a profunda incerteza que ora está a disseminar pelo mundo, em que poderosos governantes proclamam seu desejo de edificar muros entre as populações, as normas e obrigações estabelecidas em convenções internacionais estão em risco, grupos extremistas descobrem matéria para atuar e a humanidade está vivendo um sofrimento massivo e impactante, com milhões de pessoas forçadas a abandonar seus lares.
Diante desse quadro, o diplomata Zeid fala por milhares de defensores dos direitos humanos quando, por seu justo protesto, nos deixa ver a contraofensiva internacional dos direitos humanos, não só por dar voz aos compromissos da democracia com os direitos humanos, mas em direção para responsabilizar criminalmente a demagogia e os arroubos antiéticos, o abuso dos privilégios políticos, sociais e econômicos para semear o desprezo aos direitos humanos, a confundir as mentalidades, agravar o estado de aflição das pessoas e seu temor do pior. Ao invés da demagogia, os políticos direitistas deveriam somar esforços na busca de soluções para as questões complexas e, diante dos governantes de países subdesenvolvidos, dar um exemplo de compromisso com a civilização.
Uma iniciativa indispensável
Com certeza, mostra-se indispensável a clarividente iniciativa em fortalecer o Escritório do Alto Comissário dos Direitos Humanos (Office of the High Commissioner for Human Rights – OHCHR) com uma formidável campanha de arrecadação de fundos financeiros para a ação concertada pelos direitos humanos no mundo, tecle no link http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=21178&LangID=E.
E não falta o que fazer para o OHCHR, como braço executivo do Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Conforme comentou o mencionado periódico internacional Jurist de 16 de fevereiro corrente tecle no link <http://www.jurist.org/paperchase/2017/02/un-rights-chief-announces-253-million-funding-appeal.php>, o OHCHR levantou várias preocupações apenas na última semana. Na quinta-feira, o alto comissário (HCHR) informou que as vítimas de violência sexual na Ucrânia [relatório do Jurist] não recebem um acesso adequado à justiça ou serviços no país. Na segunda-feira, o HCHR expressou preocupação [relatório do Jurist] sobre os relatos de que pelo menos 101 pessoas foram mortas por soldados congoleses em conflito na República Democrática do Congo. No mesmo dia, autoridades de Mianmar declararam que irão investigar se a polícia cometeu crimes contra os muçulmanos Rohingya depois que o HCHR divulgou um relatório [Jurist] duas semanas atrás, afirmando que o tratamento das forças de segurança de Mianmar dos muçulmanos Rohingya provavelmente constitui crimes contra a humanidade. O relatório contém entrevistas com refugiados Rohingya, que revelam que as forças de segurança assassinaram crianças, empurraram pessoas para edifícios em chamas e estupraram mulheres, entre outros crimes.
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Jacob J. Lumier é sociólogo