O filósofo alemão Jürgen Habermas se refere à dupla função que a imprensa de qualidade desempenha: atender a demanda por informação e formação. Ele ressalta que, para o leitor enquanto cidadão, a imprensa de qualidade, que ele chama de “jornalismo argumentativo”, desempenha um papel de “liderança”. O presidente estadunidense Thomas Jefferson (1743-1826) entendeu que a imprensa, tal como um cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar. “Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última solução”, escreveu ele.
Os jornais formam parte das instituições da democracia moderna. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações no campo político. Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado ao surgimento do Estado Moderno. O jornalista espanhol José Luis Cebrian, co-fundador do El País, considera que os jornais perderam a exclusividade da formação da opinião pública, com o surgimento de novas tecnologias de comunicação, mas continuam sendo um “contrapoder”, com uma enorme influência, importantes para a institucionalização democrática dos países.
É o jornalismo, seja em que plataforma se apresente, que continua sendo o espaço público para a formação de um consenso em torno do projeto democrático. Da mesma maneira que a internet e as novas mídias sociais permitem que as informações circulem mais largamente, com versões de várias fontes, elas também levam as reportagens da grande imprensa aos recantos mais longínquos do país. Exatamente por isso, a questão ética está em primeiro plano. O problema da ética jornalística tem uma complicação própria, o fato de que enorme parcela da informação de interesse público atinge a privacidade de alguém.
Decisões irresponsáveis e levianas produzem o sensacionalismo, os escândalos gratuitos e, em pouco tempo, a desmoralização da imprensa. O jornalismo, instrumento da democracia, não pode se transformar em atividade criminosa. É uma decisão ética quotidiana e obrigatória do jornalista determinar se o interesse público é servido ou não pela invasão da privacidade de alguém. Vivemos novos desafios, como o de explorar uma intensa variedade de meios de levar informação ao leitor (e a oferta de informação só tende a crescer) sem ao mesmo tempo sufocá-lo com informação demais. “A desinformação vem da profusão da informação, de seu encantamento, de sua repetição em círculos”, dizia o filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007).
Tempo e jornalismo se relacionam numa dinâmica na qual, de um lado, está o caráter de novidade impregnado no sentido das notícias e, de outro, a contribuição do jornalismo para a construção de uma cultura do tempo presente. A internet permeia de tal modo o cotidiano, que estaríamos caminhando para uma capacidade cada vez maior de consumir informação fragmentada e desconexa. Mais informação e menos conhecimento, e, sobretudo, pouca reflexão. A internet estaria induzindo a um pensamento raso. O jornalismo é uma forma de conhecimento, uma forma de apreensão da realidade. É a verdade imediata, o primeiro indício de verdade; estará sempre longe, muito longe, de encontrar toda a verdade. Mas buscá-la é o seu propósito.
O jornalismo cara a cara vai se perdendo na rapidez da era digital. O jornalista “sentado” ameaça ocupar o espaço do jornalista “de pé”. Jornalismo de pé serve para designar a modalidade de apuração de informações em que o repórter ‘sai à rua’ e entra em contato direto com as fontes. Por sua vez, o jornalismo sentado é utilizado para designar um jornalismo mais orientado ao tratamento (formatação dos textos de outros jornalistas, gênero editorial ou comentário) de uma informação que não é coletada pelo próprio jornalista. Convém salientar que há no sistema capitalista um uso constante, ideológico, da palavra, que procura convencer o usuário a consumir toda mercadoria como bem supremo. Diga-se que o homem é uma fera envernizada de civilização e, então, ter-se-á as bases reais do fenômeno econômico. Reconheça-se: a ciência que o estuda é a codificação do egoísmo, isto é, do instinto mais desagregador do complexo social.
A imagem do jornalista transita de uma visão romântica da profissão – que estaria imbuída de um espírito de missão perante a sociedade – ao aprofundamento do caráter empresarial da imprensa, expresso na concepção de ‘jornalismo de mercado’. De acordo com Ciro Marcondes Filho (1948-2020), em O capital da notícia: jornalismo como produção de segunda natureza (1986), o jornal surgiu como instrumento de auxílio ao capitalismo, de forma a fazer circular informações sobre o circuito comercial. Para ele, “o cálculo capitalista necessitava de um fluxo de informações controlável, regulável e acessível em geral”. O trânsito de notícias passou a ser, nesse contexto, fruto das leis de mercado. Entre o jornalismo “sentado” e o jornalismo “de pé”, o grande problema da imprensa é repercutir o jornalismo sedentário e unilateral. Sobre tal prática, Lima Barreto (1881-1922) já advertia em “Elogio da morte” (A.B.C., de 19/10/1918):
“Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria, estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas. O que é preciso, portanto, é que cada qual respeite a opinião de qualquer, para que desse choque surja o esclarecimento do nosso destino, para própria felicidade da espécie humana. Entretanto, no Brasil, não se quer isto. Procura-se abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos poderosos e prepotentes. Os órgãos de publicidade por onde se podiam elas revelar são fechados e não aceitam nada que os possa lesar”.
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Marcos Fabrício Lopes da Silva é professor nas Faculdades Promove de Sete Lagoas (2005-2009), Fortium (2013) e JK (2013-2020). Jornalista, formado pelo UniCEUB. Poeta. Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG.