Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Sociedade precisa debater o projeto de lei de combate à desinformação

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo no dia 22.06, a advogada Taís Gasparian, o professor da USP, Eugênio Bucci e a Presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco alertam para o risco à liberdade de expressão com a alteração do artigo 53 B da legislação eleitoral que pode punir manifestações de humor, sátira ou paródia nas eleições.

Veja a íntegra do texto “Pressa pode ser inimiga da liberdade em projeto de lei das fake news”.

O projeto de lei que visa combater a desinformação promete voltar à mesa do Senado nos próximos dias. Por que tanta correria? O projeto, que pretende estabelecer um marco legal para que empresas privadas exerçam o controle do discurso digital dos cidadãos, não deveria ser aprovado a toque de caixa.

É imprescindível que o país possa ter tempo de discutir as ideias dos senadores Ângelo Coronel e Alessandro Vieira, respectivamente relator e autor do projeto de lei. Nesse caso, a pressa pode ser inimiga da liberdade.

Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa. (Foto: Reprodução)

Na nova versão do projeto, sobressai uma alteração da legislação eleitoral, que ganharia o artigo 53B. Esse artigo pune quem ridicularize candidatos em época de eleições. A proposta guarda um risco medonho para a liberdade de expressão, pois dá margem para que o humor, a sátira ou a paródia sejam penalizados. Um disparate.

Na época de eleições é imprescindível que todo tipo de informação, inclusive a humorística, circule livremente. Candidatos não são intocáveis. Ao postular cargos públicos, apresentam-se como pessoas públicas e, nessa condição, sujeitam-se a críticas e ironias de variadas colorações.

Mas o dispositivo vai mais longe. No caso de ridicularização (esse termo indefinível e, não obstante, gravemente perigoso para a liberdade de expressão), prevê uma multa de até R$ 10 milhões ao candidato beneficiado (ou aquele que o juiz vier a entender como sendo “candidato beneficiado”).

Adeus Marcelo Adnet, adeus Porta dos Fundos, Sensacionalista e todas as sátiras que tanto nos divertem. Se este ponto virar lei, nem o clássico Odorico Paraguaçu de “O Bem Amado” sobreviveria.

Não bastasse, no limite o mecanismo draconiano poderá servir de atalho a oportunistas que, pretendendo prejudicar um candidato, consigam acusá-lo de ser o “beneficiado” da “ridicularização” de outro candidato.

Fora isso, permanece no projeto o dispositivo que exige a identificação e um número de celular para quem queira se cadastrar nas redes sociais. Outra ameaça à liberdade. Como temos alertado em outras oportunidades, foge inteiramente à lógica digital a exigência de apresentação de RG e CPF para quem queira ter voz nas redes sociais.

A ideia não tem sentido, por dois motivos. Em primeiro lugar, a identificação do usuário da internet já é possível.

Para tanto, basta a ordem judicial. Em segundo lugar, o maior trunfo das redes sociais, que é a inclusão digital, será perdido se for exigido, como pretende o projeto de lei, um celular por pessoa para cada um que queira se cadastrar nas redes sociais. Ou seja, limita o acesso e a participação no mundo digital.

​O projeto de lei toma o cuidado de citar a liberdade de expressão como um de seus objetivos, mas, no decorrer do texto, milita contra essa mesma liberdade. O truque retórico tem antecedentes traumáticos.

No tempo da ditadura militar, a lei de imprensa, promulgada em 1967 por uma junta militar, também dispunha no seu artigo 1º a defesa da liberdade de expressão. Nos outros artigos, criminalizava atividades da imprensa.

Finalmente, não é admissível que se imponha às empresas de internet um sem-número de ônus que acabarão por fazer delas um braço do Estado no monitoramento dos cidadãos.

Deixar o controle do discurso na mão de empresas privadas pode degradar numa terceirização privatizada da censura. Nessa matéria, a afobação vai matar as boas intenções.

Assinam o artigo:

Taís Gasparian
Advogada e sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian — Advogados, integra o Conselho Consultivo do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia.

Eugênio Bucci
Jornalista, professor da ECA-USP e autor de ‘Existe Democracia sem Verdade Factual?‘ (ed. Estação das Letras e Cores).

Patricia Blanco
Presidente do Instituto Palavra Aberta, entidade que lidera o EducaMídia, programa de educação midiática com foco na formação de professores e produção de conteúdo sobre o tema.