Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A impunidade continua

Assassinato de jornalistas no Brasil não é uma realidade só do regime militar. Hoje, o país se iguala a regiões de conflito quando o assunto é jornalistas ameaçados. Uma agressão à liberdade de imprensa e à democracia.

Vinte e cinco de outubro de 1975. O jornalista Vladimir Herzog é encontrado morto, supostamente enforcado, nas dependências do II Exército em São Paulo. A justificativa para o competente diretor de jornalismo da TV Cultura de 38 anos, casado e pai de dois filhos ter sido encontrado morto, inesperadamente, foi dada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Vladimir Herzog teria se suicidado. Não demorou muito, porém, para ficar claro que o suicídio era uma farsa e na verdade Herzog teria sido torturado e morto pelo regime militar. Mas, a mudança no atestado de óbito só chegou mais de 30 anos depois.

A história do assassinato de Herzog impressiona e ilustra uma época em que o jornalismo e o jornalista eram severamente censurados. Algo que muitos imaginam ter desaparecido com o final do regime ditatorial e começo da democracia, mas não é bem assim que funciona.

Assassinar jornalistas no Brasil para que suas reportagens se calem não é uma realidade inexistente no país. De acordo com a Press Emblem Campaign (PEC), nos últimos cinco anos, de um total de 625 assassinatos de jornalistas no mundo, pelo menos 32 eram brasileiros. Segundo a mesma organização, no ano de 2012 o país teve 11 assassinatos de profissionais da imprensa, o que o fez estar ao lado de países como o Paquistão (que registrou 12 assassinatos no mesmo período).

70% dos crimes seguem impunes

E se no período da ditadura, os jornalistas eram torturados pelo conteúdo que publicavam, agora não é diferente. O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) classifica que as principais causas de assassinatos estão relacionadas a denúncias de corrupção (38%), crimes (28%) e política (19%). Também é possível identificar que a maioria dos crimes contra os profissionais da imprensa acontece longe das cidades grandes. Capitais mais povoadas, como São Paulo e Rio de Janeiro, não têm um registro de assassinato tão grande quanto regiões do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. A razão? O suposto coronelismo e controle da opinião na imprensa regional.

Uma breve análise de casos ilustrados pelo Comitê para a Proteção de Jornalistas de assassinatos de jornalistas nos últimos dez anos, em decorrência dos seus trabalhos, traz um fator comum impressionante. Além de a maioria não ser das grandes capitais, esses jornalistas são assassinados da mesma maneira. O profissional geralmente denuncia um crime ou uma corrupção política; em seguida, tem sua rotina vigiada por matadores de aluguel e posteriormente é assassinado por desconhecidos, que chegam muitas vezes em uma moto, na porta do local onde o jornalista mora, trabalha ou frequenta sempre, que atiram e fogem.

E o mais triste é que na grande maioria dos casos o crime não é solucionado, ou mesmo o mandante do assassinato não é descoberto. Ainda de acordo com o CPJ, 70% dos crimes contra jornalistas seguem impunes, 19% tem justiça parcial e em apenas 15% dos casos assistimos a uma justiça completa. Para que essa impunidade mude, um dos fatores apresentados pelos especialistas é a divulgação na imprensa. Muitos crimes contra os próprios profissionais de imprensa não são ativamente trabalhados e divulgados na mídia, o que não cria uma pressão no judiciário e faz com que novas ameaças possam surgir.

Há muito tempo o Brasil precisa rever sua liberdade de expressão na imprensa. Um avanço de um jornalismo que denuncie corrupções na política ou qualquer outra instituição, um jornalismo que sirva à sociedade com investigações sérias e mostre realidades ocultas só pode acontecer quando os profissionais tiverem segurança para trabalhar e a certeza de que os que ameaçam a imprensa devem ter uma punição tão dura quanto os que ameaçam a democracia.

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Aline Imercio é jornalista