Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Duplo atentado contra um jornalista turco

O influente jornalista turco Can Dündar foi condenado a mais de cinco anos de prisão pouco após ter sobrevivido a um ataque de um pistoleiro que o tentou matar do lado de fora do tribunal, em Istambul. “Num espaço de duas horas, passamos por duas tentativas de assassinato: uma foi feita com uma arma; a outra foi judicial”, disse o editor, falando em frente do tribunal depois que o veredicto foi anunciado.

Can Dündar e Erdem Gül, pouco antes do início do julgamento / Wikimedia / CC.

Can Dündar (D) e Erdem Gül (E), pouco antes do início do julgamento / Wikimedia / CC.

“As condenações que recebemos não são apenas para nos silenciarmos. A bala não foi apenas para nos silenciar. Isso foi feito contra todos nós, para nos intimidar e nos levar ao silêncio, para fazer com que paremos de falar. Todos temos que ser corajosos, apesar de tudo isto, e defender a liberdade de imprensa e a liberdade de informação.”

Can Dündar, editor-chefe do jornal turco Cumhuriyet, de seu colega Erdem Gül, chefe da filial de Ankara do jornal, foram absolvidos das acusações de tentarem derrubar o governo, mas foram condenados por publicar documentos com segredos de Estado. Dündar foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão e Gül, a cinco anos. Ambos os jornalistas ainda enfrentam acusações de ajudar uma organização armada.

“Este é um veredicto contra o jornalismo e nós não o aceitamos”, disse Erdem Gül. Simpatizantes cantavam slogans como “A imprensa livre não ficará calada”.

O veredicto ocorreu num dia dramático em que um pistoleiro atirou várias vezes, um tiro após o outro, em Can Dündar, que estava desarmado. Multidões de repórteres esperavam pelo veredicto do lado de fora do tribunal e a emissora de televisão NTV divulgou que um de seus repórteres havia sofrido ferimentos leves de balas que ricochetearam. Um vídeo mostrou um homem sendo detido, e depois, preso.

Clima de medo e intimidação

Acusando o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, e a mídia pró-governamental de estimular um clima de ódio contra si, Can Dündar disse: “Sabemos muito bem quem foi que me indicou como alvo. Isto é o resultado de uma provocação. Se você faz de alguém um alvo, isto é o que acontece.” Recep Erdoğan, que participou do julgamento como querelante, tinha acusado anteriormente Can Dündar de enfraquecer a reputação internacional da Turquia, prometendo que ele “pagaria um alto preço”.

Dündar e Gül poderiam ter enfrentado prisão perpétua se tivessem sido considerados culpados de tentar derrubar o governo ao publicarem um vídeo que supostamente mostrava a agência de inteligência do Estado turco transportando armas para a Síria em 2014.

Os advogados deles disseram que o promotor havia pedido 25 anos de prisão para Can Dündar por obter e revelar segredos de Estado e 10 anos de prisão para Gül por tê-los publicado. “Estamos sendo julgados por nossa matéria: por adquirir e publicar segredos de Estado”, declarou Dündar à agência Reuters durante um recesso do julgamento antes do atentado e do veredicto. “Isto confirma que o jornalismo está sendo julgado, tornando nossa defesa mais fácil e uma condenação, mais difícil.”

Mahmut Tanal, do Partido Republicano Popular, de oposição, disse: “Este caso não se baseia na lei, é político. Isso fica evidente pelo fato do presidente participar, como querelante… Há uma tentativa de pressionar o tribunal.”

As revelações feitas pelo jornal Cumhuriyet, publicadas em maio de 2015, irritaram Recep Erdoğan, que entrou com uma queixa-crime contra os jornalistas sobre o que descreveu como uma tentativa de enfraquecer a posição global da Turquia.

Ao ver o vídeo, o presidente reconheceu que os caminhões que se dirigiam à fronteira síria, que foram parados por forças paramilitares turcas e por oficiais de polícia, pertenciam à agência de inteligência, mas disse que levavam ajuda para rebeldes turcos na Síria. Combatentes turcos estão lutando contra o presidente sírio, Bashar al-Assad, e o Estado Islâmico.

Jornalistas turcos dizem que os veículos jornalísticos locais estão enfrentando uma das piores ondas repressivas à liberdade de imprensa desde o governo militar, na década de 80. Os promotores abriram quase 2 mil ações de supostas ofensas ao presidente Erdoğan desde que ele foi empossado, em 2014; jornalistas famosos comparecem ao tribunal duas ou três vezes por semana; jornalistas curdos são espancados e detidos na região sudeste do país; e jornalistas estrangeiros são assediados e deportados. Professores universitários também vão a julgamento, acusados de disseminar propaganda pelo Partido dos Trabalhadores do Curdistão, proscrito e separatista.

O resultado é um clima de medo e intimidação que os jornalistas turcos descrevem como uma tentativa de silenciar uma imprensa crítica num país que está classificado em 151º lugar entre 180 países no Índice de Liberdade de Imprensa Mundial.

***

Constanze Letsch é correspondente do Guardian na Turquia