Um tribunal de Istambul determinou que os jornalistas Can Dündar e Erdem Gül sejam julgados a portas fechadas, respondendo pela acusação de espionagem e divulgação de segredos de Estado. Num caso que chamou a atenção internacional e provocou duras críticas, os promotores propõem penas perpétuas múltiplas para Dündar, editor-chefe do jornal Cumhuriyet, de oposição, e para Gül, chefe da filial de Ankara, por terem publicado uma matéria que dizia que a Turquia estava entregando armas aos rebeldes islâmicos na Síria.
As revelações do jornal, publicadas em maio de 2015, enfureceram o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, que disse que Dündar “pagaria um preço alto” e entrou pessoalmente com uma ação criminal pelo que classificou como parte de uma tentativa de enfraquecer a posição global da Turquia. Na sexta-feira (25/03), o tribunal nomeou Erdoğan como querelante na ação e também anunciou que a audiência se dará em sigilo.
A decisão foi condenada por observadores e advogados que tinham comparecido à abertura do julgamento. Políticos de oposição e grupos de direitos humanos protestaram contra a decisão anunciada com vaias e gritos. O promotor alegou preocupações com segurança para seu pedido e disse que parte das provas que serão apresentadas ao tribunal contêm segredos de Estado.
Os advogados e os grupos de direitos humanos argumentaram que essas provas poderiam ser lidas numa audiência fechada e o restante do julgamento deveria ser aberto ao público. “A decisão do juiz de realizar todo o julgamento a portas fechadas é ilegal e não tem apoio na legislação”, disse Akin Atalay, um dos advogados dos jornalistas que participa do caso. “Mas nada mais nos surpreende neste país, onde a justiça comum não parece ter serventia.”
“É o jornalismo que está sendo julgado”
A matéria baseou-se num vídeo de 2014 que pretendia mostrar a agência do serviço secreto turco ajudando a transportar armas para a Síria. Erdoğan reconheceu que os caminhões – que foram parados por forças paramilitares da Turquia e por oficiais de polícia quando se encontravam a caminho da fronteira com a Síria – pertenciam à agência do serviço secreto, mas disse que estavam levando ajuda para os rebeldes turcos na Síria. Estes turcos vêm lutando contra o presidente sírio, Bashar al-Assad, e contra o Estado Islâmico.
O laudo de 473 páginas contra Can Dündar e Erdem Gül acusa os jornalistas de ajudarem uma rede “terrorista” comandada pelo religioso Fethullah Gülen, um ex-aliado de Erdoğan que se tornou seu adversário.
Emma Sinclair-Webb, pesquisadora do Observatório de Direitos Humanos [Human Rights Watch] que compareceu à audiência como observadora, considerou a decisão de um julgamento a portas fechadas uma farsa. “É o jornalismo que está sendo julgado, neste caso. Recep Tayyip Erdoğan e o governo turco deixaram claro que não querem qualquer tipo de exame profundo das políticas de governo ou deste tipo de incidente [o dos jornalistas].”
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Constanze Letsch é correspondente do Guardian na Turquia