A liberdade de expressão é garantida pela Constituição e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. É uma bênção que assim seja e um dever coletivo lutar para que ela seja respeitada. Mas em qualquer sociedade democrática sempre houve leis e costumes para lidar com os excessos e distorções do usufruto dessa liberdade.
No passado, não poucos jornalistas tiveram de enfrentar processos penais (na hipótese de calúnia, difamação, injúria) ou civis (em caso de dano material ou moral). Isso continua a acontecer.
É justo que existam mecanismos para quem se sente prejudicado pelos veículos de comunicação poder tentar obter reparação na Justiça pelos abusos da liberdade de expressão eventualmente cometidos.
Mas nos tempos atuais, com muito maior intensidade do que no passado, os profissionais de imprensa têm se tornado constantes vítimas de exorbitâncias da liberdade de expressão no novo ambiente de comunicação.
A era digital traz entre seus imensos desafios para o convívio humano o de como manter robusta e desinibida a liberdade de expressão nas mídias sociais e na internet como um todo, mas impedir que se disseminem o assédio moral, as ameaças, o preconceito e o ódio.
No primeiro semestre de 2015, ao menos três jornalistas, todos da Rede Globo, se tornaram alvo desse tipo de comportamento.
Sua fama parece ter incitado muitas pessoas a darem vazão a seus instintos de agressividade, muitas vezes protegidas pelo biombo do anonimato e sempre pela conveniente distância física de suas vítimas.
Essas proteções ao agressor não diminuem os efeitos emocionais, psicológicos e profissionais, que podem ser devastadores àqueles que acossam.
Num dos casos recentes, entrou em cena outro elemento nefasto da vida social brasileira contemporânea: a rivalidade política irracional e violenta que divide o país entre oposicionistas e governistas.
Jô Soares entrevistou a presidente Dilma Rousseff em seu programa de TV. Muitos que a detestam acharam que ele foi condescendente e se julgaram no direito de extravasar seu descontentamento com todo tipo de ataques, inclusive ameaças de morte.
Outro caso expôs o histórico vício do racismo, que a hipocrisia nacional secularmente tenta disfarçar ou até desmentir.
A repórter Maria Júlia Coutinho tem recebido crescente e justificada notoriedade pelo seu desempenho na seção de meteorologia do Jornal Nacional, e isso parece ter mobilizado sentimentos preconceituosos contra negros de pessoas que a insultaram na página do programa no Facebook.
O terceiro caso foi resultado de emoções fortes provocadas pela morte repentina de um ídolo musical em ascensão, o cantor sertanejo Cristiano Araújo.
A repercussão da tragédia nas mídias sociais levou veículos de comunicação tradicionais a ampliarem a própria cobertura, o que mereceu um comentário de Zeca Camargo na Globo News sobre as disparidades da pauta do jornalismo cultural.
Fãs de Araújo não gostaram que Camargo tivesse se referido a ele como “relativamente desconhecido” e dito que ele “talvez tenha morrido cedo demais” (antes de se tornar uma celebridade consensual).
Muitos reagiram com o tradicional processo de bullying digital que vem atingindo a tantos, às vezes com consequências extremas, inclusive suicídios.
Já o pai do cantor resolveu agir pelos caminhos certos: entrou com ação de danos morais contra o jornalista. Que a Justiça decida quem tem razão.
O que não se pode admitir é que o assédio moral pela internet siga impune. As leis de repressão a crimes de informática devem ser usadas para conter e punir os que as desrespeitam. As delegacias para o combate a essas práticas precisam ser expandidas. Os responsáveis pelas mídias sociais têm de dificultar o anonimato de quem as utiliza.
O ofício do jornalismo construiu, ao longo de séculos de sua prática, um conjunto de procedimentos, valores, normas, que – mesmo quando não estão codificados – são em geral respeitados universalmente pelos que o exercem.
É desejável que algo similar aconteça com as mídias sociais, embora isso seja muito mais complicado devido ao número imenso de pessoas que se utilizam delas. Mas é algo imperioso para que a liberdade de expressão siga como um princípio respeitado..