Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A piada que não ofende

Mês sim, mês não, alguém tenta processar um comediante por conta de piadas que considerou ofensivas. Tenho visto várias manifestações sobre o tema, de gente que acha que tudo pode até gente favorável a censuras. Como escrevi antes, em grande parte das vezes o maior o problema não é o tema – o problema é que as piadas são sem graça. Do que tenho visto, a maior parte das contestações (quase todas) atingiu piadas fracas. Talvez isso aconteça porque quando a coisa é engraçada para valer fica chato entrar com um processo. Pega mal.

De qualquer modo, vale a pena conhecer alguns estudos sobre o humor e ofensa. Sim, a graça – ou falta dela – é tópico de estudos acadêmicos mundo afora, e uma das teorias mais influentes hoje em dia é que achamos divertido aquilo que representa uma “violação benigna”. O material tem que ser ofensivo em algum nível para ser fazer rir, mas numa intensidade equidistante entre a agressão e o bom mocismo. Encontrar esse distanciamento ideal – que pode ser geográfico (desgraças longe agridem menos), psicológico (se não nos toca diretamente é mais raro se ofender) ou temporal (se faz tempo que aconteceu, já dá para rir) – seria o real talento dos humoristas.

Um estudo recente que discutimos na Coluna Ideias no Ar, da Rádio Estadão, conseguiu desenhar o arco temporal de piadas feitas com o furacão Sandy, que atingiu os EUA e Caribe em 2012. Os pesquisadores pediram que pessoas avaliassem piadas feitas antes de o furacão chegar, assim que ele passou e ao longo dos meses seguintes. Na opinião dos voluntários as piadas foram sendo consideradas mais engraçadas à medida que o Sandy se aproximava, perderam a graça imediatamente após os estragos serem conhecidos, voltaram a fazer rir com o passar das semanas, atingindo as melhores avaliações 36 dias após a tragédia, perdendo de vez o apelo a partir daí até ficarem sem sentido cerca de 100 dias depois do incidente.

Potencial ofensivo

De acordo com a teoria das violações benignas, antes da tragédia havia clara ameaça, mas por ainda ser potencial era engraçado falar disso. Assim que as notícias mostraram as consequências do furacão a violação se tornava muito intensa, minando parte da graça. Com o passar do tempo a redução na sensação de violação primeiro fazia as piadas retomarem o apelo, para em seguida caírem no esquecimento, dada a grande distância temporal do evento.

Não sou a favor de censura – cada um que fale o que quer e responda por isso. Mas se o sujeito quer fazer piada com negros ou com homossexuais, por exemplo, que sofrem discriminação exatamente pela característica da qual se pretende zombar, o potencial ofensivo é grande, ficando mais difícil aliviar a “violação” com algum distanciamento para torná-la “benigna”. É muito fácil em certos temas escorregar para a ofensa pura. E só ofender, alguns comediantes precisariam perceber, não tem graça.