Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Coletânea joga luz sobre a obra política do cartunista

Em uma de suas charges, Fortuna mostra um sujeito com pinta de professor de História carregando livros com a promessa de explicar a “Revolução”. Jogando os livros no chão, o personagem aponta dois revólveres e resume a instauração da ditadura militar com mais presteza do que qualquer site voltado para estudantes preguiçosos. Às vésperas dos 50 anos do golpe e nos 20 anos da morte do humorista, o livro “Fortuna – O cartunista dos cartunistas”, que será lançado hoje, às 19h, na sede da Pinakotheke, em Botafogo, funciona como uma cartilha não só sobre o negro período da História brasileira, mas principalmente sobre a trajetória de um dos maiores nomes do nosso cartum.

Com organização do caricaturista e pesquisador Cássio Loredano, colunista visual do GLOBO, a compilação é a primeira a rever a obra de Fortuna, chargista político e crítico ferrenho da ditadura, que era (e é) adorado por seus pares, mas pouco lembrado pelo grande público. Colaborador da revista “Pif-Paf” e jogador do primeiro time do “Pasquim” ao lado de Jaguar, Ziraldo e Henfil, foi um dos menos conhecidos entre os grandes nomes, que ainda incluíam Millôr Fernandes. Se a Comissão da Verdade traz à tona histórias escabrosas sobre o passado recente do país, a compilação busca jogar luz sobre as diversas fases da carreira deste humorista nascido no Maranhão e criado no Rio.

 

– Fortuna era um cara muito tímido e muito elegante. Ele não badalava, não ficava falando o tempo todo de sua obra e de si mesmo, fazendo autopropaganda. E, naquele momento em que o Rio era uma enorme caixa de ressonância para artistas como ele, ele foi embora para o “exílio” em São Paulo – conta Loredano, na tentativa de explicar a “surpreendente” falta de alcance da obra de Fortuna, publicada no “Correio da Manhã” entre 1965 e 1968, além de na revista “Veja”, na “Folha de S.Paulo” e na “Gazeta Mercantil”.

Para preencher as 256 páginas do livro, cujo prefácio é assinado por Ferreira Gullar, Loredano debruçou-se sobre a obra de Fortuna e selecionou 335 cartuns, a maioria inédita em livro. Estudioso de J. Carlos e Nássara, ele se derrete em elogios ao chargista, com quem conviveu:

– Fortuna tinha um traço muito limpo, econômico, cujo resultado parecia espontâneo, mas era sempre muito sofrido. Como um grande de jogador de futebol, um Pelé, ou mesmo um grande ator, que parece jogar ou atuar com extrema facilidade, mas que na verdade treinou exaustivamente para chegar até ali. Fortuna era muito criterioso, rigorosíssimo. A mesma exigência que ele tinha com o traço, tinha com a palavra que o acompanhava. Precisa, limpa. Ele só falava o essencial, nada de enfeite.

Com um editorial

Os filhos de Fortuna pretendem doar o material reunido para algum instituto, capaz de preservar, organizar e expor os originais, ampliando, enfim, o acesso à obra do artista.

– O Fortuna nunca teve preocupação com a posteridade. Existe um mito entre as pessoas do “Pasquim” de que ele era um perfeccionista sem qualquer capacidade de responder ao mercado. Ele ficava retocando os desenhos e não cumpria os prazos – conta o diplomata e poeta Felipe Fortuna, um dos quatro herdeiros do cartunista e um dos idealizadores do projeto. – A geração do meu pai se diversificou. Os colegas foram fazer outras coisas, enquanto ele estava interessado apenas em ser chargista. Ele não se interessava em receber outros tipos de encomenda, recusava trabalhos que não fossem alinhados com o que ele acreditava, o que causou problemas financeiros em nossa família. Esse era o paradoxo de Fortuna!

Para Felipe, que levou mais de dez anos para conseguir tirar a coletânea do campo das ideias e colocá-la efetivamente no papel, acabou sendo uma sorte que o livro esteja sendo lançado justamente este ano:

– Fortuna costumava dizer que cada charge era um editorial. Este livro é como um depoimento que ele deixa sobre o Brasil, sobre a história da política recente, com a qual ele esteve bastante envolvido.

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Cartunistas falam sobre a influência de Fortuna

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Liv Brandão, do Globo