Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Carta ao ditador

15-12-1968

Senhor Presidente,

Tamanha é a soma de poderes que Vossa Excelência enfeixa em mãos, na hora presidente, que aumentou, naturalmente, a distância entre Vossa Excia. e qualquer de seus concidadãos.

Hoje, mais que ontem, será difícil para o presidente da república recebere ou vir este modesto jornalista que, como seus colegas, já não pode escrever livremente, pois razões de segurança, alegadas pelo Executivo, impuserem a censura prévia aos jornais.

Entretanto, o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa não pode calar-se , mesmo nos momentos mais difíceis, quando o livre exercício do direito de informação e cerceado e jornalistas são presos por delito de opinião.

Em nome da ABI já lavrei protesto formal contra as medidas tomadas, as quais não encontram apoio sequer nos últimos Atos editados pelo Poder Executivo.

Compreendi desde logo, porém, que essas medidas se achavam no contexto de uma operação militar, “revolução dentro da revolução”, de sorte que soaria estranho invocar as Leis do País, como se estivéssemos sobre proteção dos direitos constitucionais ou da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo Ano estamos celebrando.

Declarou Vossa Excia., no primeiro pronunciamento que fez após a edição do Ato Institucional n° 5, que não abrirá mão da honrosa prerrogativa de Chefe Supremo das Forças Armadas, “de direito e de fato”.

Não duvidei um momento sequer de que o controle de direito ou de fato da situação escapasse das mãos de Vossa Excia., o que, para mim, significa a certeza de que o País vai superar em curto prazo a crise em que mergulhou e retomará, dentre em breve o rumo da democracia. Nem ele nem Vossa Excia. Tem vocação para os regimes de força.

Como presidente da ABI e também na qualidade de amigo – assim me considero pelas espontâneas provas de apreço e simpatia que mais de uma vez recebi de Vossa Excia. – venho fazer-lhe um apelos determinar a abolição, no mais breve prazo possível, da censura à imprensa e a libertação de todos jornalistas que ora se acham detidos, no Rio, nos demais Estados e no Distrito Federal.

Quanto à censura, creio que os responsáveis pelo jornais e revistas compreendem a gravidade do momento, não podendo ameaçar a nova ordem de coisas que se implantou.

Quanto aos profissionais presos, não vejo como tenham condições de constituir qualquer perigo, nas presentes circunstâncias, o que, certa ou erradamente, empresta essas detenções, perante a opinião pública, uma conotação de vindita ou represália que não pode estar nas cogitações das altas autoridades.

Senhor Presidente, sei da sinceridade de suas palavras na sede da Casa do Jornalista, por ocasião do almoço de confraternização em abril deste ano, quando Vossa Excia. Nos brindou com um antológico elogio da liberdade de imprensa.

Também estou certo de que usou de igual sinceridade ao se declarar, mais de uma vez, que tudo faria para manter a Constituição e as garantias dos direitos fundamentais do homem.

Fiz-lhe, mais de uma vez, justiça, neste particular.

Sei que, em certos momentos, os homens de estado não devem ser julgados, de maneira simplista, pelos padrões da ética privada. Carecem de paciência e humildade para sofrer revezes que lhe ferem a sensibilidade e deturpam a sua imagem perante a opinião publica. E devem pedir à História a justiça que lhe neguem os contemporâneos.

Sei disto, mas sei também que nenhum homem público, por forte que pareça, pode governar uma nação contra sua opinião publica. E quem diz opinião publica diz ao mesmo tempo imprensa.

Ora, o novo ciclo autoritário, que agora se inicia, é de um governo disposto a dirigir o País sem imprensa, muito embora o seu ilustre Ministro da Justiça tenha atribuído tudo o que se fez à intenção de proteger a liberdade e a democracia ameaçadas.

Entretanto, o povo não tem sequer o direito de saber das medidas que se adotam em nome da sua segurança.

Peço licença para observar que, em toda vastidão deste continente, onde as nações, em sua quase totalidade, são politicamente imaturas, há um único país, nesta hora, onde a censura persistes a República Federativa do Brasil.

O Marechal Castelo Branco cometeu erros, mas teve este grande mérito, jamais permitiu que se instituísse a censura, mesmo nos primeiros dias da revolução, quando esta se achava longe de consolidar sua vitória.

A abolição da liberdade de imprensa anuncia sempre os funerais da democracia.

Imprensa e Congresso – sabe tão bem quanto Vossa Excia., que, no íntimo, é um democrata.

São os pulmões da nação. Enquanto a nação respira, mesmo por um só dos pulmões, ainda restam esperanças para o povo. Fechados ambos, não há salvação.

Não alcanço entender, Senhor Presidente. Porque, achando – se aparelhado com terríveis instrumentos de força, ainda necessite o Governo de emudecer a imprensa, se outras imunidades ou privilégios não possuem os jornalistas senão os que os costumes democráticos, das nações civilizadas, lhes tem reservado, a fim de preservar a liberdade essencial nos sistemas políticos de opinião.

Também creio, como Vossa Excia., na força criadora da liberdade de expressão. Guardo carinhosamente o “credo” que o Presidente do Brasil leu perante mais de 300 jornalistas, do Rio e dos Estados, na sede da Associação Brasileira de Imprensa.

A nação acha – se estarrecida, mas não desenganada; Traumatizada, mas não descrente de seus destinos. Ela sabe que o Brasil é um país grande demais para permanecer nesta rota, a das leis da exceção, a qual não coincide com a do seu desenvolvimento político, cultural e econômico. Ele acredita que seu Presidente estará em condições de devolver – lhe, em curto prazo, o exercício dos direitos de representação e de expressão.

Estou certo de que a liberdade retornará e as prisões de jornalistas cessarão para o bom nome do próprio Governo. A censura prévia também haverá de ser suspensa.

Pondo – se inteiramente à disposição de Vossa Excia. Para tratar do objeto deste apelo, que calorosamente lhe faz, assina – se respeitosamente, seu amigo

Danton Jobim