Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lançamentos fazem síntese do período entre 1964 e 1985

Cinquenta anos após o golpe de 1964, dois livros recém-lançados tentam preencher a lacuna ainda existente de obras sintéticas sobre a ditadura. São eles “1964: História do regime militar brasileiro” (Editora Contexto), de Marcos Napolitano, professor de História da Universidade de São Paulo (USP), e “Ditadura à Brasileira” (LeYa), de Marco Antonio Villa, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com abordagens distintas, os trabalhos tentam dar conta do que se passou do conturbado governo João Goulart até a posse de José Sarney na presidência, em 1985, o primeiro civil a assumir o poder depois de 21 anos.

Napolitano afirma que, na sua experiência como professor, sentia a falta de uma obra sintética sobre o período. Ele cita os trabalhos do brasilianista Thomas Skidmore, autor de “Brasil: de Castello a Tancredo” (Paz e Terra), e de Maria Helena Moreira Alves, “Estado e oposição no Brasil: 1964-1984” (Edusc), como precursores na tarefa. No livro, o professor enfoca o poder e a cultura naqueles anos, dois temas recorrentes nas suas pesquisas. Há três capítulos dedicados aos movimentos culturais das décadas de 1960 e 1970, em que se destacam não só a sua efervescência, mas também a sua própria diversidade.

– Em alguns momentos, a cultura ganha um sentido político mais explícito e foi o caso dos anos 1960 e 1970 no Brasil. Artistas ganharam um protagonismo muito grande, a cultura se assumiu como espaço de valores que era uma antítese da ditadura e sua oposição marcou o espaço público e o debate público. Mas o livro também procura matizar essa relação de oposição ao regime. Havia diversos artistas e intelectuais que não eram politizados – conta Napolitano. – Um graduando que não seja de história não vai ler dez livros para entender o fenômeno. A seleção é sempre difícil, mas mantive um diálogo com a bibliografia para quem desejar ir além.

Em “Ditadura à brasileira”, Villa reconstrói a queda de João Goulart, caracterizando o governo como caótico. O professor refaz o trajeto de desenvolvimento do regime autoritário através da legislação de exceção utilizada pelos militares, os Atos Institucionais e os Atos Complementares. Ele propõe, na obra, uma nova cronologia para o regime. Na sua opinião, não é possível classificar de ditatorial o período entre 1964 e 1968, com toda a movimentação cultural e política do período, como a Passeata dos Cem Mil, no Rio. Trata-se de um regime autoritário. Para Villa, a ditadura começa em 1968 e termina em 1979, com revogação dos Atos Institucionais e a anistia.

– O caso brasileiro não tem nenhuma semelhança com as ditaduras do Cone Sul. Na Argentina, a ditadura acabou com o ensino superior público, privatizou tudo. Aqui foi o extremo oposto. A ditadura brasileira manteve aberto o Congresso Nacional, tivemos eleições regulares, embora com particularidades autoritárias. Mas a história do Brasil é autoritária desde a fundação da República, sob a marca do positivismo – afirma ele. – O meu caminho foi o da história política. Abordo outras questões, como a cultura e a economia, mas não é o foco central.

Outros lançamentos ajudam a construir um panorama amplo sobre o período. Na reunião de artigos “A ditadura que mudou o Brasil” (Zahar), organizada pelos professores Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Patto Sá Motta, os textos versam sobre as transformações econômicas e sociais da época, discutem o processo de modernização empreendido pelo regime e a repressão contra as oposições. 

Já em “A ditadura militar e os golpes dentro do golpe” (Record), Carlos Chagas conta a história do regime entre 1964 e 1969 através de reportagens publicadas em jornais na época, com a reprodução de muitos textos. Chagas foi secretário de imprensa do general Costa e Silva, segundo presidente militar. 

Entrevistas com militares

Para março, a Civilização Brasileira prepara “1964: O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil”, dos historiadores e professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) Jorge Ferreira e Ângela de Castro Gomes. A obra promete jogar luz na sequência de fatos antecedentes à derrubada de João Goulart, que ainda gera polêmica, divide especialistas e é apontada como uma das épocas que mais carecem de um estudo aprofundado.

Também este ano, a Agir reedita os livros da coleção de entrevistas com militares coordenada por Maria Celina D’Araújo, Gláucio Soares e Celso Castro. O primeiro volume, “Visões do golpe”, sai em abril. “Os anos de chumbo” e “A volta aos quartéis” chegam às livrarias nos meses seguintes. Iniciado em 1992, foi o primeiro projeto historiográfico a ouvir sistematicamente representantes do regime.

Professora da PUC-Rio, Maria Celina diz que os militares que aceitaram falar, como o ex-presidente Ernesto Geisel e o brigadeiro João Paulo Moreira Bournier, não fizeram restrições. Mas lamenta que esse conhecimento sobre o regime não tenha se traduzido ainda em reparações:

– Os militares contaram com ineditismo como funcionavam as entranhas do regime. Outras ditaduras ocorriam na mesma época, mas registros como esses não foram feitos. De outro lado, outros países conseguiram apurar vários crimes e responsabilizar seus mandatários enquanto nós, que sabemos mais sobre o que ocorreu, temos menos capacidade de agir em prol da defesa dos direitos humanos.

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Leonardo Cazes e Guilherme Freitas, do Globo