Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Almino Affonso: a história de quem perdeu

Em 10 de abril de 1964, o Brasil soube que Almino Monteiro Álvares Affonso era o inimigo público número 14 da República. Esta foi sua posição na lista de 102 brasileiros que tiveram direitos políticos suspensos por integrar, ou apoiar, segundo registros da época, o governo “comuno-petebo-sindicalista” deposto pelas Forças Armadas entre os dias 31 de março e 2 de abril. João Goulart foi o primeiro. Seguiam-no Jânio Quadros, Luiz Carlos Prestes, Miguel Arraes, Leonel Brizola. O sexto era Rubens Paiva. Celso Furtado, o décimo. Em 9 de abril, o golpismo vitorioso se considerou “autêntica revolução” e se investiu em poder constituinte, conforme o Ato Institucional assinado nesse dia pela junta militar.

O Ato ficou sem número porque os autores não pensaram na hipótese de uma sequência. Mas, em outubro de 1965, veio o AI-2. Depois, o AI-3, o feroz AI-5, até o AI-17, em 1969, além de 104 Atos Complementares, com anexas cassações de mais políticos eleitos, ministros do STF, militares dissidentes e de potenciais candidatos à Presidência, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek e até o ex-governador Carlos Lacerda, líder civil, nos primórdios, do que também se chamou “redentora”.

Almino Affonso testemunhou em Brasília a agonia do regime constitucional. Em 44 horas, ruiu um governo que se considerava forte, confiado em apoio popular despido de organização para a resistência e em dispositivo militar que não agiu nem reagiu.

Aos 85 anos, Almino diz que o golpe foi mais que simples quartelada. “Fez parte da história do século XX, capítulo do entrechoque entre Estados Unidos e União Soviética. Sem considerar a Guerra Fria não se entende o golpe no Brasil.” O ex-deputado amazonense, na época líder do PTB, partido de Jango, rejeita a versão de que o país foi salvo do comunismo iminente. “Os comunistas não tinham como chegar ao poder. Por eleições, nem falar; por luta armada, nem falar; muito menos em aliança com Jango. A que título um proprietário de terras faria aliança que levasse ao comunismo?”

Sobre o fato de Jango abandonar o poder sem luta, é incisivo: “Não se pode chamar de covarde a quem, tendo um canivete, não reage ao ataque de alguém armado com metralhadora”.

– Houve traição, incompetência? O general Argemiro Assis Brasil, chefe da Casa Militar, dizia que armara invencível dispositivo militar para repelir tentativas golpistas.

– Não tenho condições de dizer se houve omissão traiçoeira. Mas houve, no mínimo, incompetência.

“Anulei a portaria”

As reflexões de Almino estão no livro “1964: Na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart”, a ser lançado em noite de autógrafos na Livraria Cultura, em São Paulo, no dia 31. Passados 50 anos, uma conversa com Almino é sempre uma revisita – com redescobertas – à história recente do país.

Bigodes e cabelos levemente grisalhos, glicemia sob controle, ainda vigoroso no vozeirão, no sorriso e na memória, indicou o Ristorante Santo Colomba para este “À Mesa com o Valor”. É casa de comida italiana na região dos Jardins, decoração transplantada de antigo bar do Jockey Club do Rio, com a peculiaridade de não aceitar cartões de crédito ou débito. Almino e o proprietário-chefe-de-cozinha, José Alencar de Souza, mineiro de Montes Claros, são amigos de longa data. Encontram-se no corredor e ali mesmo, de pé, decidem que se servirá no jantar arroz com frutos do mar para três. A fotógrafa Ana Paula Paiva e o repórter assistem. Alencar sugere vinho branco. Almino discorda: “No Chile, virei ‘tintero’, só tomo vinho tinto”. Chegam a feliz acordo. O arroz, perfeito no cozimento, e a textura suave do polvo, dos camarões, da lula, conviveriam em harmonia com o Carmenère.

Traçar o perfil de Almino requer recursos de “flashback”, recuos e avanços. Líder estudantil, candidato a vereador em São Paulo, deputado federal pelo Amazonas, ministro do Trabalho no governo Goulart, cassado, exilado, secretário de Negócios Metropolitanos no governo de Franco Montoro em São Paulo, vice no de Orestes Quércia, candidato a governador, novamente deputado federal e candidato ao Senado. Vitórias e derrotas nas passagens por siglas como PSB, PST, PTB, MDB, PMDB, PSDB e PDT. Às quais se agregaria PT, se frutificasse o flerte com Luiz Inácio Lula da Silva, em 1979/80 – “diálogos com Lula, razão talvez para outro livro”. Aposentado pelos três mandatos de deputado, vive em São Paulo. Sem partido e “inquieto com a falta de representatividade e respeitabilidade de todos os partidos”.

“Fale do que viveu, viu e ouviu naqueles dias”, pede o repórter.

31 de março. O líder do PTB chega à Câmara pela manhã e surpreende-se com tantos deputados nos corredores. “Não sabe? O general Olímpio Mourão Filho, comandante da guarnição de Juiz de Fora, desde as seis horas está em marcha para derrubar o Jango.” Almino liga para o líder do PTB no Senado, Artur Virgílio, pai do hoje prefeito de Manaus. O senador também nada sabe e convida Almino a ir até seu apartamento. De lá, Virgílio telefona para o Palácio das Laranjeiras, no Rio. Almino ouve na extensão. Jango diz que é tudo boato e faz uma pausa. Ouve-se alguém entrar no gabinete. “General”, diz Jango, “o que há de verdade sobre sublevação do Mourão?” Uma voz responde: “Nada, presidente, é um movimento de rotina, comum”. O interlocutor era o general Assis Brasil. “Nada mais, general?”. “Nada mais, presidente, é só isso”. Jango ao senador: “Ouviste, Artur? É mais uma falsidade dessa oposição”.

À tarde, a Câmara inteira está nos corredores. “Entro numa daquelas rodas e digo: ‘De onde vocês tiram tanta fantasia?’ E contei o que ouvi. O sobrinho do Juscelino, deputado Carlos Murilo, me tira da roda e diz: ‘Se o que você disse é jogada do presidente para criar um clima de distensão, não sei se tem utilidade. Mas, se diz isso porque acredita, está perdido. Belo Horizonte está em pé de guerra. O governador Magalhães Pinto assumiu o comando civil do que chamam de revolução, o general Carlos Luiz Guedes, comandante da IV Infantaria Divisionária, sediada em BH, é o comandante militar. Como é que o presidente não sabe disso?”

O presidente não sabia. A conversa com Virgílio foi ao meio-dia e o presidente só soube oficialmente da sublevação às seis da tarde, quando o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, interrompeu um despacho e entregou-lhe um bilhete. A essa altura, Mourão estava às portas do Rio. Ainda agora, Almino se exaspera: “Do meio-dia às seis da tarde! Como é que o Assis Brasil, questionado por Jango ao meio-dia, não tomou providências, não se informou? Ligasse a um compadre. ‘Me conta aí, está havendo algo em Minas?’”

À noite, Jango recebe políticos, Juscelino entre eles, que aconselham recuos: “Rompa com os sindicatos”, “demita ministro tal”, “feche a UNE [presidida por José Serra]”. Jango se negava. Na manhã do dia 1º, voa para Brasília, depois de saber que o general Amaury Kruel, comandante do II Exército, até então amigo, além de compadre, aderira à sedição. O general Armando Âncora, substituto do ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, operado de câncer, alega não poder garantir a segurança do presidente no Rio.

Às duas da tarde, Jango chama a uma reunião na Granja do Torto o senador Artur Virgílio e os deputados Tancredo Neves, Doutel de Andrade, Temperani Pereira, Luiz Fernando Bocayuva Cunha e Almino. “Vi o presidente com fisionomia abatida, barba por fazer, terno amarfanhado. Telefona o general Ladário Pereira Teles, comandante do III Exército, e recomenda a ida imediata para Porto Alegre, onde imaginava poder resistir. Jango pede nossa opinião. Tancredo e sucessivamente os demais são a favor. Jango concordou, mas deixou claro que não queria dividir o país e repetiu o que já dissera: ‘Não suporto a hipótese de derramar sangue do povo em nome do meu mandato’”.

Conseguiram o avião mais moderno do país, o Convair 990 da Varig, conhecido como Coronado, 920 quilômetros por hora em voo cruzeiro. Com ele, Jango iria depressa para Porto Alegre. Era começo da noite, aeroporto cheio de aliados civis.

“Detalhe inquietante, o general Nicolau Fico, comandante militar de Brasília, chega de cara amarrada, mal cumprimenta o presidente e retira-se.” Jango vai para o avião, aos poucos as pessoas deixam o aeroporto. “Ficamos, Tancredo, Bocayuva, grande pessoa, meu irmão, e eu. E o avião enorme ali, todo iluminado, não saía do lugar. Já eram dez horas, e nada. Soldados da Aeronáutica fecham o acesso ao pátio do aeroporto. Fiquei com dor no estômago. ‘Tancredo, minha sensação é que vão prender o presidente aqui, na cara da gente’. Disse o Tancredo: ‘Vamos lá falar com o presidente, tomar alguma providência’”.

“Os soldados puseram baioneta na nossa cara. Aí, o Tancredo: ‘Abaixem as armas, somos representantes do povo’. Um coronel nos deixa passar. Jango, com Assis Brasil atrás dele, já descia a escada do avião. Abraça-nos e diz: ‘Pois é, houve uma pane. É o que dizem’. Levaram Jango para um Avro da FAB, turbo-hélice, um aviãozinho. E naquilo foi Jango para Porto Alegre”.

À saída do aeroporto, Tancredo disse: “Há dez anos, participei da última reunião presidida pelo doutor Getúlio. Agora me pergunto se a história se repete e foi a última vez que abracei Jango como presidente”.

“Ô, Tancredo, por que tanto pessimismo?”, disse Almino.

“Vocês são jovens. Acreditam que o Rio Grande tem condições de resistir sozinho.”

À meia-noite, vem o aviso de que o presidente do Senado, Auro Moura Andrade, convocava o Congresso para sessão extraordinária à uma da manhã. “Sentei na primeira fila, ao lado de Tancredo. Auro abre a sessão e lê uma carta do Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, em que este informava ter o presidente viajado para o Rio Grande do Sul. Encontrava-se, portanto, em território nacional. Ato contínuo, Auro faz o discurso que todos conhecem, diz que o governo está acéfalo e pronuncia as frases célebres: ‘Declaro vago o cargo de presidente da República… O presidente da Câmara dos Deputados, Rainieri Mazilli, assume a Presidência da República’”.

“Tancredo se levanta e grita: “Canalha! Canalha!” E o deputado Rogê Ferreira, do PSB de São Paulo, porte atlético, empurra os seguranças, vai até Auro e cospe nele duas vezes. Desde então, chamo isso de cusparada cívica. Aconteceu entre uma e meia e duas da madrugada de 2 de abril. Esta é a data do golpe”.

Jango chega a Porto Alegre às 3h15. Reúne-se com Ladário e constatam que também as guarnições do III Exército, no interior do Estado, em Santa Catarina e no Paraná, estavam com o golpe. O governador Ildo Meneghetti, golpista, fugira para Passo Fundo, mas controlava a Brigada Militar. Ladário ainda insiste: “Vamos lutar”. Jango é o mais sensato, conclui que, ante a total desarticulação, ou inexistência, do “dispositivo”, a luta seria suicida. Às 11h45 do dia 2, parte para o Uruguai.

– Onde entra a Guerra Fria nisso?

– A política externa não agradava aos americanos. O Brasil reatou relações com a União Soviética, foi contra a expulsão de Cuba da OEA. Na crise dos mísseis, Kennedy mandou uma carta que era verdadeira convocação para o Brasil acompanhar os Estados Unidos num ataque a Cuba. Lembro a data: 22 de outubro de 1962. Jango reuniu, no Palácio, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, chanceler; Evandro Lins e Silva, procurador-geral da República; Antônio Balbino, ex-consultor geral da República; general Albino Silva, então chefe da Casa Militar, e este jovem. Jango mostra a carta e já traz sua opinião, com anotações à mão, uns garranchos. A opinião dele era o respeito ao princípio de não intervenção. San Tiago escreveu o texto da recusa. Em Genebra, numa conferência sobre desarmamento, o Brasil anuncia que é não alinhado, não se subordina a nenhum bloco militar. Tudo isso contrariava a estratégia dos Estados Unidos, que tinham a América Latina como território seu. Daí o apoio aos golpes em todo o continente. No caso do Brasil, está provado, tropas americanas desembarcariam em Pernambuco se houvesse resistência. Jango já sabia disso, avisado pelo ex-chanceler Afonso Arinos. Não precisaram intervir, pois o financiamento a entidades como Ibad e Ipes, a campanha massiva anti-Jango na imprensa, acabaram por convencer os militares de que o governo ia comunizar o país.

– Um ano depois, o Brasil invade a República Dominicana para derrubar o presidente Francisco Camaño, tido como castrista. Mas não foi só para alinhar o Brasil aos Estados Unidos que aconteceu o golpe.

– Claro que não. A crise social e econômica foi fator propiciatório. A inflação era galopante e havia greves. Em São Paulo houve uma greve de 700 mil trabalhadores, sem intervenção do Ministério do Trabalho. Imagine o que a Fiesp achou disso. As Ligas Camponesas assustavam os latifundiários com o radicalismo da reforma agrária “na lei ou na marra”.

– Saiu o Estatuto do Trabalhador Rural…

– O projeto era do tempo de Getúlio. O deputado Fernando Ferrari, então líder do PTB, desengavetou-o e fez dele sua bandeira. Foi aprovado já com Ferrari fora do partido. Ele fundou o Movimento de Renovação Trabalhista (MRT) e se candidatou a vice-presidente, direto contra Jango. Sem rancor, Jango promulgou a lei, que tem a assinatura dele, a minha, como ministro do Trabalho, e a de José Ermírio de Moraes, ministro da Agricultura. O Estatuto jogou os ruralistas contra Jango com violência maior do que a luta pela reforma agrária. Mesmo que fosse possível iniciarmos a reforma agrária, ela, por natureza, não seria instantânea, é um processo. O Estatuto, não. Publicada a lei, no dia seguinte já tem que pagar salário mínimo e dar outros direitos ao trabalhador rural. Dois meses depois, num desastre de avião, morre o Fernando…

– Que outros fatores levaram a quase totalidade dos empresários a apoiar o golpe?

– Uma portaria proibia os sindicatos de unir-se em torno da mesma reivindicação. Como ministro, anulei a portaria. Surgiram os Pactos de Unidade e Ação (PUA), o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), que organizou o comício de 13 de março na Central do Brasil. E havia a UNE, com greve pela participação dos estudantes na congregação da Universidade.

Quadro instável

“A Varig demite o comandante Melo Bastos, com imunidade sindical. A greve que começou na empresa se alastra para outras categorias. Jango me chama, preocupado com a Companhia Siderúrgica Nacional também parar. ‘Já pensaste naqueles fornos petrificados?’ Digo que ministro do Trabalho não agiria contra uma greve que queria o cumprimento da lei. ‘Mas se o senhor pensa diferente, é meu dever entregar o cargo agora mesmo.’ Jango reage: ‘Ah é? Tu sais de herói, e eu?’ Lembro ao presidente que ele foi ministro do Trabalho de Getúlio. ‘O senhor usaria a polícia contra os grevistas?’ Jango pensou um pouco. ‘Esquece.’ E ligou para o presidente da Varig, Rubem Berta. ‘Ô, Alemão, tá querendo complicar meu governo? Tu faz o favor de readmitir o Melo Bastos. Primeiro, porque tu erraste. Segundo, porque quem tá te falando é o presidente da República.’ Berta readmitiu Melo Bastos, a greve acabou, os fornos de Volta Redonda seguiram acesos. Tudo isso acumulou ódios intermináveis.”

Almino nasceu em Humaitá, às margens do rio Madeira. Começou o curso de advocacia em Manaus e o concluiu em São Paulo, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde venceu um concurso nacional de oratória. O dom seria reconhecido mais tarde até pelos inimigos. Carlos Lacerda, líder da UDN na Câmara, diria: “Que grande orador é o senhor, o senhor tem asas”. O general Mourão desancou Almino em suas memórias, mas destacou a “voz de barítono”, a “fluência verbal”. O jovem acabou presidente da União Estadual de Estudantes (UEE) e se candidatou a vereador pelo Partido Socialista Brasileiro. Os 870 votos não serviram sequer para boa posição entre os suplentes.

Em 1958, amigos sugerem que, se São Paulo lhe negava a vereança, fosse ao Amazonas e voltasse deputado federal. Em sua terra, filia-se ao PST e, em campanha de “três meses menos três dias”, torna-se, aos 28 anos, um dos sete da representação amazonense na Câmara. Usou megafone, banquinho e a voz potente para discursar pelas esquinas de Manaus. O discurso, porém, era diferente, mesclava temas locais aos federais, como a defesa da Petrobrás (ainda com acento).

Na Câmara, entrou para o PTB e chegou a líder da bancada. Integrou a Frente Parlamentar Nacionalista, reelegeu-se, e foi ministro do Trabalho de João Goulart por seis meses. Uma tarde, Juscelino o convidou para um café, disse que queria voltar à Presidência em 1965, faria a reforma agrária, e se sentiria honrado se Almino aceitasse ser seu vice. Veio o golpe, foram ambos cassados e não se falou mais nisso.

– No dia 3 de abril de 64, começou a caça às bruxas. Achou que ia ser preso?

– Rainieri Mazzilli, presidente por duas semanas, pois teve que entregar o poder ao general Humberto Castello Branco, mandou avisar que deputados seriam presos e ele não poderia evitar. Citou meu nome e o de Francisco Julião.

A notícia da cassação chegou quando recebia a visita de San Tiago. O ex-chanceler lhe disse: “O homem público não deve deixar-se prender. Apequena-se, humilha-se, é exposto a vexames. [Em Recife, dias depois, o comunista Gregório Bezerra, descalço, pés em carne viva e puxado por uma corda no pescoço, foi exibido como troféu pelas ruas do bairro da Casa Forte.] Opte pelo exílio. Passará alguns anos fora. No máximo, quatro. Você é jovem”. San Tiago morreu de câncer no pulmão cinco meses depois. Almino, no dia 11, entrou na embaixada da Iugoslávia. Exílio de 12 anos.

A embaixada estava vazia. Os móveis, vindos no ano anterior para a visita do marechal Josip Broz Tito a Brasília, voltaram para o Rio. Não sobrou uma cadeira. Na primeira noite, os asilados, eram uma dúzia, dormiram no chão, depois arrumaram camas de vento e se cotizaram para comida e sabonetes. No início, estavam lá os deputados Bocayuva e Lício Hauer, do Rio, Fernando Santana, da Bahia, e José Aparecido de Oliveira, da “bossa nova” da UDN mineira. Rubens Paiva, “outro amigo-irmão”, chegou mais tarde. Viajaram para Belgrado num navio cargueiro. Rubens Paiva conseguiu ir logo para Paris e, com a mulher, Eunice, foi de carro buscar Almino dois meses depois. Em Paris, Almino recebia “westerns” do Uruguai, “venha, venha”, porque Montevidéu se transformava na capital política do exílio. Atendeu ao chamado. O Uruguai ainda não ingressara no clube das ditaduras sul-americanas. Apesar disso, o governo brasileiro pressionou e o uruguaio, então um colegiado, expulsou Almino, em abril de 1965.

– Sua família, onde ficou?

– Ficou no drama, em Brasília. Estivemos 18 meses separados. Quando me asilei, tudo que tinha eram R$ 6 mil, dinheiro de hoje, sempre fui de marré-marré. Estava na embaixada quando nasceu meu quarto filho. Minha mulher, Lígia Britto, trabalhava no Ministério da Fazenda, concursada, já estava lá quando nos conhecemos. O salário dela, que não era alto, teve que suportar as despesas da casa e ainda sustentar sua mãe. Os amigos se cotizaram para nos ajudar. Do Uruguai fui para o Chile, contratado pela Organização Internacional do Trabalho, OIT. Pude, então, trazer a família para Santiago.

Lígia morreu há seis anos. O segundo dos quatro filhos, Sérgio Britto, é tecladista da banda Titãs, parceiro de Arnaldo Antunes.

Augusto Pinochet dá o golpe no Chile e a OIT o transfere para o Peru. Lígia e os filhos voltam para o Brasil, os garotos, alfabetizados em espanhol, estudarão em escolas brasileiras. O quadro político no Peru também era instável e a Argentina vivia curta, e tempestuosa, pausa entre ditaduras (governo Isabel Perón). Almino vai trabalhar na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em Buenos Aires. De seis em seis meses, a família ia visitá-lo. Volta ao Brasil e à política brasileira em 1976, mas teria que esperar até 1985 para rever um civil no Palácio do Planalto.

Presidente eleito por voto direto, só em março de 1990.

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Paulo Totti, para o Valor Econômico