A Veja datada de 26/3 (edição 2.366) tenta uma reportagem especial sobre o golpe de 64. Não conseguiu produzir nada relevante para a historiografia do período. Até aí, paciência. Mas também apresenta falsificações.
Na linha do anticomunismo boboca, escreve que Luís Carlos Prestes (nem souberam grafar corretamente o nome do homem), “(…) apoiou o Estado Novo de Getúlio Vargas depois de ele ter deportado sua mulher, Olga Benário, para os nazistas” (…).
PCB propunha Constituinte
Quem consultar o Dicionário Histórico-Biográfico da Política Brasileira, do CPDOC, que oferece acesso gratuito pela internet, encontrará no verbete dedicado a Prestes, de autoria de Alzira Abreu e Alan Carneiro, formulação diferente. Prestes, em nome do PCB, propunha a convocação de uma constituinte com a manutenção de Getúlio no poder e em seguida eleição para presidente da República.
O raciocínio dos comunistas se provou acertado. O marechal Dutra foi eleito presidente da República no mesmo dia em que se elegeram deputados federais e senadores. Esses, reunidos em assembleia unicameral, votaram a Constituição, promulgada em setembro de 1946. Em maio de 1947, o registro eleitoral do PCB foi cassado. Em janeiro de 1948, os mandatos de todos os seus parlamentares: Prestes (senador), 13 deputados federais, deputados estaduais, vereadores e prefeitos (como o de Santo André, Armando Mazzo).
O país ficou com uma democracia capenga.
Prestes e o PCB não apoiaram “o Estado Novo”, é falsificação da história escrever isso.
Prestes era mau político. Em português claro, um desastre. Mas não era burro.
O ano da passeata
Alguns fatos também saíram lascados da reportagem especial da Veja, onde se lê que
“Em 1968, quatro anos depois do golpe, a indignação popular saiu às ruas do Rio depois do assassinato, pela Polícia Militar, de um estudante de 18 anos. O protesto entraria para a história como a Passeata dos Cem Mil e foi abençoado por dom Jaime Câmara, o mesmo cardeal que, anos antes, louvara os militares vitoriosos.”
Tudo bem que a Veja, tendo começado a ser publicada em setembro de 1968, não disponha em seus próprios arquivos de material sobre os meses anteriores daquele ano. Mas bastaria ter consultado, entre centenas de outras fontes possíveis, o notável Nosso Século (v. 5, 1960/80), da Abril Cultural, para aprender que:
1. O secundarista Edson Luís de Lima Souto foi morto pela PM em 28 de março de 1968 e o protesto maior contra sua morte consistiu numa passeata de 60 mil pessoas que saiu da Assembleia Legislativa do então estado da Guanabara, no Centro do Rio de Janeiro, e terminou no cemitério de São João Batista, em Botafogo (Nosso Século dá 50 mil pessoas; jornais da época deram 60 mil). O enterro foi no dia seguinte ao do assassinato, portanto em 29 de março.
2. Entre esse episódio e a Passeata dos Cem Mil, realizada em26 de junho, houve centenas de outros atos políticos em todo o país. Entre eles, alguns, importantes, de sindicatos operários. Dispenso-me de enumerar os episódios.
A passeata foi um sucesso. Veja a foto da primeira página do Globo.
Agora, não sei de onde a Veja tirou a informação de que o cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Jaime de Barros Câmara, “abençoou a passeata”. Lembro-me muito bem, sim, da posição do inesquecível bispo auxiliar dom José de Castro Pinto, falecido há poucos anos, homem de convicções muito firmes que liberou religiosos para ir à manifestação (na foto pequena do Globo veem-se freiras), modo de tentar protegê-la de algum tipo de repressão violenta que, felizmente, naquele momento, não ocorreu. E do padre Vicente (Vincenzo) Adamo, apoiador do movimento estudantil, que havia pertencido à Resistência italiana contra o invasor nazista durante a Segunda Guerra.